Está aqui
Começou o julgamento da agressão policial a Cláudia Simões

O caso das agressões sofridas por Cláudia Simões remonta a 2020, quando entrou num autocarro da Vimeca com a sua filha de sete anos. Por esta se ter esquecido do passe - apesar de as crianças com menos de 12 anos poderem viajar gratuitamente - o motorista recusou a entrada e chamou a PSP. Já fora do autocarro, contou a cidadã luso-angolana em tribunal, citada pelo Jornal de Notícias, estava prestes a chegar a casa quando foi agarrada por trás, pelo colarinho, por Carlos Canha, que só mais tarde percebeu ser agente da PSP.
“Eu disse ‘eu não fiz nada’. Ele disse-me ‘vocês nunca fazem nada’. E começou a puxar-me de costas para a paragem. A minha filha começou a puxar-me a mão, a chorar”, contou Cláudia Simões, acrescentando que o agente em causa, Carlos Canha, começou a apertar-lhe o pescoço para a obrigar a sentar-se. “Se eu não mordesse o braço dele, eu morria”, acrescentou.
As agressões subiram de tom já no interior do carro-patrulha, relatou. “Quando arrancou, começou logo a bater-me. [...] Chamou-me p***, vaca, macaca. [...] Só socos na cara. Começou a arrancar-me o cabelo”, descreveu, salientando que ainda hoje é obrigada a usar peruca. Já na esquadra, afirma ter sido novamente atirada ao chão e ter sofrido pontapés na cara.
“Quando vejo polícias na rua, tenho medo. Hoje estou acordada desde as 3h00, nem consegui dormir. (…) Senti-me mal, senti humilhação e pensei em sair do país”, disse Cláudia Simões, citada pela agência Lusa, destacando os reflexos na filha: “Faz até hoje consultas com o psicólogo. Teve muitos problemas, tentou atirar-se da janela da cozinha… Ela acha que eu sofri isto tudo porque ela é que se esqueceu do passe”.
Relação aceitou recurso do agente da PSP para tornar Cláudia Simões arguida no processo
O agente Carlos Canha, entretanto apanhado pela investigação jornalística "Quando o Ódio Veste Farda", por integrar uma base de dados de 591 elementos das forças de segurança que alegadamente cometem crimes de ódio nas redes sociais, deu a sua versão dos factos, negando as agressões que desfiguraram o rosto e impediram Cláudia Simões de trabalhar durante três meses. O agente é acusado de três crimes de ofensa à integridade física qualificada, três de sequestro agravado, um de injúria agravada e um de abuso de poder.
Através de um recurso que em janeiro obteve provimento do Tribunal da Relação de Lisboa, Carlos Canha conseguiu que Cláudia Simões também fosse acusada de um crime de ofensa à integridade física qualificada por lhe ter mordido. No processo respondem ainda outros dois polícias, João Gouveia e Fernando Rodrigues, que os acompanharam até à esquadra e nada fizeram para impedir as agressões ou denunciar o caso.
Em fevereiro, um grupo de centenas de organizações e ativistas contestaram a constituição de Cláudia Simões como arguida no processo. "A acusação que pende agora sobre Cláudia Simões parece, de algum modo, legitimar a ideia de que a violência a que todes assistimos foi, afinal, uma consequência dos seus atos. Ou seja, criminalizar a vítima parece servir para desculpabilizar o agressor, trilhando um caminho para a absolvição pública e judicial do agente Carlos Canha, mas sobretudo do sistema", apontaram numa carta aberta, lembrando que o argumento da "perceção do perigo" invocado pelo agente da PSP já serviu para atenuar a gravidade das condenações no julgamento das torturas na esquadra de Alfragide, cujos autores "continuam inaceitavelmente em funções".
Esta quarta-feira, a deputada bloquista Joana Mortágua comentou o início do julgamento nas redes sociais, afirmando que "entre as inesperadas curvas do caminho, não esqueçamos que esta estrada democrática tem buracos que permanecem profundos e estruturais, indiferentes à passagem de governos".
Adicionar novo comentário