Fugindo ao detalhe que a questão exigia, Sobrinho explicou que os 3.300 milhões de Euros emprestados ao banco angola que geriu até 2012 estavam em Portugal por duas vias:
- Porque 1500 milhões foram para o BESA comprar, em 2008, obrigações do tesouro angolano. O Estado angolano depositou o valor da venda numa conta em Portugal;
- Porque o BESA prestou uma espécie de garantias aos importadores angolanos de produtos exportados a partir de Portugal e que, quando os importadores falharam, o BESA teve de respeitar essas garantias pagando, sem receber, essas verbas ao banco dos exportadores, quase sempre o BES.
Vamos explorar aquilo que Sobrinho não explicou.
Comecemos pelo primeiro ponto. No final de 2013, o BESA apresentava nas suas contas a exposição a títulos do governo angolano no total de 686 milhões de euros (em 2012 tinham sido 908 milhões). Mesmo que esse montante – ou até mais, como parece que acontecia – estivesse depositado em Portugal, as obrigações pertenciam, de facto, ao BESA. Essas obrigações eram usadas, pelo BESA, como garantia para ir buscar dinheiro emprestado ao BNA (banco central de angola) e assim aumentar a sua capacidade de fazer créditos em Angola.
No segundo ponto, Sobrinho referiu-se aos créditos documentários – uma espécie de garantia de pagamento ao exportador, usada quando não existe uma relação de confiança com o importador. Através destas operações o importador pede ao seu banco (no caso um comprador que angolano recorria ao BESA) que garanta perante o banco do exportador (um vendedor português, cliente do BES) que aquilo que está a comprar vai ser pago.
O que Sobrinho veio dizer é que uma grande parte do dinheiro emprestado pelo BES ao BESA serviu para o banco angolano pagar a exportadores portugueses e, assim, teria ficado em Portugal. Aceitando como verdade que todo o dinheiro que não tinha servido para comprar obrigações estava neste tipo de garantias, o BESA substituiu importadores angolanos incumpridores num montante não distante de 2.600 milhões de Euros.
Para se perceber o exagero deste número temos de nos socorrer, novamente, das contas do BESA. A maior exposição do BESA em créditos documentário foi reportada no balanço de 2013. Era de 372 milhões de euros.
Embora o balanço seja apenas uma fotografia em final de ano (ou seja, não mostra as operações que se fizeram ao longo do ano) é muito difícil conceber que uma carteira de créditos documentários desta ordem desse origem a perdas de 2.600 milhões de Euros. E se, de facto, deu, então temos de perguntar por que é que as provisões para créditos de cobrança duvidosa nunca atingiram valores superiores a 400 milhões de euros.
De qualquer das formas, seja a tese mentira – e o dinheiro tenha ido para outros lados-, ou verdade – e a incompetente distribuição de crédito tenha gerado perdas deste montante – o dinheiro foi sempre concedido a partir de angola (se o gastaram, ou não, a importar de Portugal, ou o colocaram em offshores é irrelevante para esta história).
Incompetência ou na mentira, ou uma combinação de ambas. O problema não é ter emprestado dinheiro a Angola. É ele ter sido gasto de forma potencialmente danosa e fraudulenta. A lista dos empréstimos abrangidos pela garantia do governo de Angola é, assim, uma peça fundamental para trazer a esta comissão de inquérito a verdade que Sobrinho não lhe dispensou.
Artigo de Mariana Mortágua, publicado no blogue Disto tudo