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Uma leitura política dos resultados olímpicos: evolução da participação portuguesa (1)

Como fenómeno social cada vez mais importante, o desporto, quer enquanto prática, quer enquanto espetáculo, é sempre um reflexo da sociedade em que se insere, seja qual for o tempo e o espaço de análise do fenómeno desportivo. Nestes dois primeiros artigos, analisaremos os resultados dos atletas portugueses tendo em conta os contextos políticos nacionais e internacionais existentes nas diferentes olimpíadas analisadas.
Os Jogos Olímpicos constituem o evento desportivo mais universal que existe, quer ao nível da participação das diferentes nações, quer das mais importantes modalidades desportivas.
Apenas para darmos uma ideia dessa dimensão, podemos referir que o Comité Olímpico Internacional (COI) é constituído por 206 comités nacionais, quando a ONU apenas integra 193 países (o Vaticano é o único estado independente que não a integra). Isto deve-se ao facto de incluir alguns territórios não soberanos, embora com alguma autonomia face aos Estados de que dependem (Hong Kong, Porto Rico e Ilhas Cook, por exemplo) ou cuja independência não é totalmente reconhecida pelas Nações Unidas (casos do Kosovo, Palestina e Taiwan).
Por outro lado, do programa dos Jogos de Tóquio, há pouco finalizados, constaram 33 modalidades desportivas, desde as mais clássicas e importantes nas olimpíadas (atletismo, natação e ginástica, em especial) a outras mais recentes e destinadas a atrair um público mais jovem (surf, skate, escalada, ciclismo de BMX), passando pelos principais desportos coletivos (futebol, basquetebol, andebol, voleibol, hóquei em campo e polo aquático) e outros.
Tudo isto levou a que, apesar da situação pandémica que se vive, tenham participado nas competições um total de 11656 atletas de ambos os sexos, representando 205 comités nacionais (a Coreia do Norte foi o único que falhou, a pretexto da Covid-19, embora a verdadeira razão pareça ser o seu histórico antagonismo face ao Japão).
Portugal registou, nesta edição dos Jogos Olímpicos, a sua melhor participação de sempre, obtendo quatro medalhas. Destas, tivemos uma de ouro (Pablo Pichardo no atletismo, triplo salto), uma de prata (Patrícia Mamona, na mesma modalidade e disciplina, no setor feminino) e duas de bronze (Jorge Fonseca, no judo, categoria dos menos de 100 Kgs, e Fernando Pimenta, na canoagem, prova de K1, 1000 metros). Para além destas, a nossa delegação obteve mais 11 diplomas olímpicos, correspondentes às classificações entre os 4º e 8º lugares: Auriol Dongmo (atletismo, 4ª no lançamento do peso), Liliana Cá (atletismo, 5ª no lançamento do disco), João Vieira (atletismo, 5º nos 50 Km marcha), Catarina Costa (judo, 5ª nos menos de 48 Kgs), Yolanda Hopkins Sequeira (surf, 5ª), Maria Martins (ciclismo de pista, 7ª no Omnium), Teresa Portela (canoagem, 7ª no K1, 500 metros), José Costa e Jorge Lima (vela, 7os na classe 49er), Emanuel Silva, João Ribeiro, Messias Baptista e David Varela (canoagem, 8os no K4, 500 metros), Maria Caetano, João Miguel Torrão e Rodrigo Torres (hipismo, 8os na “dressage” por equipas) e Gustavo Ribeiro (skate, 8º na prova de estrada).
Contudo, apesar de excelente para a nossa realidade, este desempenho está longe de ser brilhante a nível internacional. No quadro de medalhas, estabelecido tendo em conta o maior número de medalhas de ouro, depois de prata e, por fim, de bronze, Portugal surge numa discreta 56ª posição, a par com a Etiópia, num total de 93 nações medalhadas. E, das 50 nações europeias que competiram nestes Jogos, o nosso país é apenas o 31º colocado entre os 40 que conseguiram um lugar no pódio.
Nunca houve em Portugal uma verdadeira cultura desportiva. A existência de uma burguesia pouco numerosa e pouco dinâmica, que atrasou o advento das revoluções industriais e da urbanização e o peso esmagador de uma Igreja Católica que via o corpo como algo de pecaminoso, o que não favorecia a prática de uma atividade física regular, levou a que o desporto apenas se começasse a popularizar, de forma tímida, no início do século XX. Ao invés, nos países que primeiro se industrializaram e urbanizaram, na sua maioria protestantes, em especial no mundo anglo-saxónico, esse fenómeno iniciou-se a partir de meados do século anterior.
Uma estreia trágica
Tendo a primeira edição dos Jogos Olímpicos da era moderna decorrido em Atenas, em 1896, Portugal apenas se estreou na quarta, realizada em Estocolmo, em 1912, ano da criação do Comité Olímpico de Portugal (COP). O novo regime republicano, instaurado menos de dois anos antes, estava apostado no seu reconhecimento internacional e a participação olímpica foi vista como um meio de dar alguma visibilidade ao país. Infelizmente, ela ficaria marcada pela tragédia.
Francisco Lázaro, um carpinteiro lisboeta, era uma das grandes esperanças portugueses para a obtenção de uma medalha na maratona. Naquele tempo, onde os métodos de treino e a medicina desportiva eram muito rudimentares, a prova infundia um grande respeito. Ironicamente, apesar de os Jogos decorrerem num país nórdico, no dia da sua realização estava um sol abrasador. Porém, o nosso atleta insistiu, teimosamente, em correr de cabeça descoberta, apesar de chamado à atenção por membros da delegação nacional e alguns adversários. Cerca dos 30 Kms, não mais foi visto, acabando por ser encontrado, algum tempo depois, inanimado à beira da estrada. Conduzido ao hospital, acabaria por falecer, oficialmente vítima de insolação.
Mais tarde surgiram outras teorias acerca das causas da sua morte. Uma afirmava que Lázaro teria untado o corpo com sebo para não transpirar, o que lhe teria feito aumentar a temperatura corporal, levando-o a ser acometido por um “golpe de calor” fatal. A outra referia a hipótese de o atleta ter experimentado uma espécie de “doping” caseiro, ingerindo, antes da prova, uma poção, de onde constaria um ingrediente fabricado à base de estricnina e a sua morte dever-se-ia a envenenamento por esta. Mas a verdade é que elas nunca foram comprovadas, pelo que, até prova em contrário, terá morrido mesmo devido a insolação e ao “golpe de calor” por ela provocado.
As primeiras medalhas de bronze
Com a eclosão da 1ª guerra mundial, em 1914, os Jogos Olímpicos de 1916, previstos para Berlim, não se realizaram.
O conflito terminou em finais de 1918 e o ciclo olímpico foi retomado, com a nova edição a ser marcada para a cidade belga de Antuérpia, em 1920. Com o país exaurido pela sua participação na guerra (onde se cotou como o elo mais fraco das forças aliadas vencedoras) e pela pandemia de gripe que se seguiu ao final do conflito, num contexto de forte instabilidade política interna, a delegação portuguesa apresentou-se sem grandes ambições e teve uma presença discreta.
Foi apenas nos Jogos de 1924, realizados em Paris, que Portugal conseguiu a sua primeira medalha olímpica. No hipismo, no concurso completo por equipas, então denominado Prémio das Nações, um quarteto nacional, constituído por António Borges d'Almeida, Hélder de Souza Martins, Luís Cardoso Meneses e José Mouzinho d'Albuquerque, obteve o 3º lugar e a respetiva medalha de bronze.
A situação económica do país era má e a 1ª República dava os últimos estertores. Dois anos depois, a 28 de maio de 1926, surge o golpe militar que lhe põe fim. Foi o início da “longa noite fascista”, traduzida em 48 largos anos de ditadura.
É com o pano de fundo dos caóticos dois anos da chamada Ditadura Militar que Portugal se apresenta nos Jogos Olímpicos de 1928, em Amesterdão. Aí, obtém mais uma medalha de bronze, desta vez na esgrima, na competição de espada por equipas. A formação nacional era constituída por Mário de Noronha, Paulo d'Eça Leal, Jorge de Paiva, Frederico Paredes, João Sasseti e Henrique da Silveira. Entretanto, a seleção nacional de futebol chega aos quartos-de-final do respetivo torneio olímpico, mas acaba ingloriamente afastada pelo Egito.
Nesse ano, Salazar assume a pasta das finanças, que irá dirigir com “mão de ferro”. Os cortes orçamentais que promove estabilizam a situação financeira, o que lhe granjeia alguma popularidade, levando os militares a oferecer-lhe, em 1932, o cargo de presidente do Conselho (primeiro-ministro), onde, “para mal dos nossos pecados”, se manterá durante 36 anos.
Nesse mesmo ano, os Jogos realizam-se em Los Angeles. Num período onde os voos transatlânticos ainda eram uma raridade só ao alcance de alguns aventureiros, as viagens para o continente americano eram feitas por barco, demorando cerca de duas semanas entre a Europa e os EUA. Localizando-se a sede das competições na costa oeste, era mais uma longa viagem de comboio. A isso há a juntar-se os efeitos da grave crise económica do capitalismo, a Grande Depressão, que eclodira em finais de 1929. Daí que o número de atletas presentes tenha sido mais baixo e Portugal não foi exceção, até porque as dificuldades financeiras se mantinham. Por isso, a nossa participação foi discreta e sem qualquer medalha.
Nesse ano, na Alemanha, o partido nazi é o mais votado e Hitler é nomeado chanceler. Ao fim de um ano, ele e os nazis assumem o poder total. Estando os Jogos Olímpicos de 1936 marcados para Berlim, o “führer” quer aproveitar a ocasião para mostrar a pretensa superioridade alemã e da que chamava de “raça ariana”. Nunca uma edição dos Jogos seria tão despudoradamente utilizada para a propaganda política do poder totalitário do país organizador.
Entretanto, em Portugal, com a aprovação da Constituição de 1933, inicia-se, formalmente, o regime do Estado Novo salazarista, a versão portuguesa do fascismo conservador e clerical. Apesar de a oposição nunca ter “baixado os braços”, sendo frequentes as tentativas para derrubar o regime, o certo é que este vive, então, a sua fase de maior popularidade. Apesar da política autárcica levada a efeito por Salazar, algum investimento em obras públicas garante uma tímida recuperação económica, que satisfaz as incipientes classes médias. A delegação nacional olímpica vai para Berlim com algumas ambições, mas apenas consegue mais uma medalha de bronze, novamente na mesma prova do hipismo, através da equipa constituída pelos cavaleiros Domingos de Sousa Coutinho, José Beltrão e Luís Mena e Silva.
Com a eclosão da 2ª guerra mundial, em 1939, a edição dos Jogos de 1940, prevista para Tóquio, é cancelada, o mesmo sucedendo à da olimpíada seguinte, em 1944.
As primeiras medalhas de prata
O conflito causa imensas destruições, em especial na Europa e na Ásia-Pacífico, os principais campos de batalha, e é ainda no período da reconstrução do pós-guerra que se realizam, em Londres, os Jogos Olímpicos de 1948. Numa cidade onde ainda eram bem visíveis as feridas dos bombardeamentos ocorridos durante o conflito, a sua realização marca o início de um novo mundo.
Em Portugal, as esperanças de que a derrota do nazi-fascismo levasse à queda de Salazar e do seu regime rapidamente se desvaneceram. O clima de “guerra fria” que se começara a viver após a cisão na grande aliança que derrotara Hitler, Mussolini e o nacionalismo militarista japonês favoreceu a manutenção das ditaduras ibéricas. EUA e URSS começam a competir pelo domínio do mundo, levando os primeiros e seus aliados do Ocidente capitalista a preferir mantê-las no poder, com medo de que o seu fim significasse a subida dos comunistas ao poder. Assim, portugueses e espanhóis ficaram condenados a mais umas décadas de repressão, conservadorismo atávico, atraso económico e injustiça social.
Tendo-se mantido neutro na guerra, Portugal não sofreu as destruições de que foram vítimas os países beligerantes e pôde preparar os Jogos sem grandes problemas. Assim, apesar da debilidade da organização desportiva do país, registou-se a conquista da primeira medalha de prata, na vela, classe Swallow, por intermédio dos irmãos Duarte Bello e Fernando Bello, a que se somou mais um bronze na mesma prova de hipismo que dera as outras duas, através do terceto constituído por Fernando Silva Paes, Francisco Valadas Júnior e Luís Mena e Silva, este o primeiro atleta português a conquistar uma segunda medalha olímpica.
A edição dos Jogos de 1952 teve lugar em Helsínquia, num período em que a Europa Ocidental, graças ao Plano Marshall, que garantiu uma precisa ajuda financeira dos EUA aos seus aliados europeus, e ao efeito multiplicador gerado pela reconstrução, começa a viver um importante período de prosperidade. Esta edição ficou marcada pela estreia da URSS e, a partir de então, o desporto seria mais um campo na luta propagandística da “guerra fria”.
Portugal ainda recebeu uma pequena tranche daquele plano, mas Salazar, que desconfiava das intenções estadunidenses, recusou as restantes. Se somarmos a isso a continuação da política económica de autarcia, percebemos que o país se atrasava e se afastava ainda mais dos restantes estados europeus. Para Helsínquia, uma comitiva numerosa seguiu de barco para a capital finlandesa. Destaque para o facto de, pela primeira vez, integrar atletas femininas, mais propriamente, três. Com efeito, apesar de as mulheres terem sido admitidas, de pleno direito, nos Jogos Olímpicos em 1912, ano da estreia nacional, não por acaso no auge das lutas do movimento sufragista, só 40 anos depois se estreariam na delegação portuguesa. A longa viagem marítima não favoreceu a nossa prestação, que se saldou apenas por uma medalha na vela, desta vez de bronze, na classe Star, através dos velejadores Joaquim Mascarenhas Fiúza e Francisco Rebello de Andrade.
Em 1956, num ambiente internacional bastante crispado (invasão soviética da Hungria e franco-britânica-israelita do canal de Suez), os Jogos realizaram-se na cidade australiana de Melbourne, à exceção das competições de hipismo, que, devido às rigorosas leis australianas sobre a quarentena dos animais, se realizaram uns meses antes, na Suécia.
Devido à distância, a nossa comitiva, totalmente masculina, foi bastante reduzida e passou discretamente pelas competições, em linha com a crescente “apagada e vil tristeza” do país.
Apesar de a morte de Estaline e a subida ao poder de Krutschev, na URSS, ter permitido algum desanuviamento nas relações entre os dois blocos, traduzido no conceito de “coexistência pacífica” entre ambos, a escalada da “guerra fria” prosseguiu, na sequência da revolução cubana. Foi nesse clima que se realizaram os Jogos de 1960, em Roma, onde foi visível a feroz competição entre estadunidenses e soviéticos. Entretanto, o processo de descolonização, que se iniciara, de forma irreversível, no imediato pós-guerra, na Ásia, e que, agora, alastrava a África, fazia crescer o movimento olímpico, com a entrada dos novos estados independentes. O triunfo do etíope Abebe Bikila, na maratona, foi um sinal de que o continente africano teria “uma palavra a dizer” nas olimpíadas.
Em Portugal, o êxito da campanha presidencial de Humberto Delgado, dois anos antes, causara um sobressalto ao regime e dera alento à oposição, mas a repressão salazarista intensificou-se e o país definhava numa autarcia sem proveito. Em Roma, a delegação foi maior e incluiu cinco mulheres, mas apenas conseguiu mais uma medalha de prata, novamente na vela e na classe Star, curiosamente, também obtida por uma dupla de irmãos, os médicos Mário Quina e José Manuel Quina.
O apagamento olímpico no ocaso da ditadura
Os anos seguintes foram de grande tensão entre EUA e URSS, cujo ponto alto ocorreu em 1962, com a “crise dos mísseis de Cuba”, que colocou o mundo à beira de um conflito nuclear. Entretanto, na sequência da histórica conferência de Bandung, realizada seis anos antes, nascera, no ano anterior, em Belgrado, o Movimento dos Não Alinhados, que advogava a neutralidade na “guerra fria” e juntava os novos países independentes de Ásia, África, Caraíbas e Pacífico, bem como a maioria dos latino-americanos, que constituíam o que se convencionou apelidar de Terceiro Mundo.
Em Portugal, 1961 fora o annus horribilis do regime, em especial nas colónias: aparecimento da luta armada em Angola, retirada forçada da fortaleza de São João Batista de Ajudá, no atual Benim, assalto de um comando oposicionista ao paquete “Santa Maria” e, por fim, invasão e ocupação de Goa, Damão e Diu por tropas indianas, que forçaram a rápida rendição da pequena guarnição portuguesa aí instalada. A cegueira política do regime, que pretendia manter os territórios coloniais ao arrepio do imparável movimento de descolonização que marcava o mundo, atirou o país para três sangrentas e custosas guerras coloniais, em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau. Estas e a miséria persistente da maioria da população conduziu ao início de um grande surto emigratório para os países mais desenvolvidos da Europa, em especial a França. O cada vez maior atraso no desenvolvimento levou a ala do regime defensora da modernização económica e do fim da autarcia a vencer o debate no seio deste e a iniciar alguma integração económica na Europa. Em resultado, o país aderiu à EFTA, em 1960.
Foi este o pano de fundo dos Jogos de 1964, realizados em Tóquio. Com uma delegação diminuta (e apenas uma mulher), o sucesso medalhístico de Portugal foi nulo, apesar do bom resultado do fundista Manuel de Oliveira, que obteve o 4º lugar nos 3000 metros obstáculos.
Entretanto, o mundo mudava a olhos vistos. O movimento contracultural, iniciado nos EUA, ganha a adesão da juventude e rapidamente alastra ao Reino Unido e, posteriormente, a outros países europeus, em especial a França, onde, em maio de 1968, rebenta uma revolta estudantil, que se alarga a algum operariado e faz tremer o poder. Contudo, mesmo se falha a revolução política, ganha a revolução nos costumes, que se liberalizam em todo o Ocidente. Também o bloco soviético não escapa a alguma agitação, que culminará na invasão soviética da Checoslováquia, em agosto do mesmo ano, esmagando a chamada Primavera de Praga. Nos EUA, este período é também marcado pela luta antirracista, levada a efeito pelo movimento dos direitos cívicos da população afro-americana, sob a direção de Martin Luther King, que advogava a luta não violenta e viria a ser assassinado em 1967. A sua morte levou ao aparecimento de grupos mais radicais, defensores do chamado Black Power. Ao mesmo tempo, os jovens (brancos e negros) aproveitam a onda e contestam, em enormes manifestações, a guerra do Vietname.
Os Jogos Olímpicos do México, em 1968, são marcados por essa onda de contestação. Na capital mexicana, uma semana antes da sua abertura, uma manifestação estudantil contra a sua realização é duramente reprimida pelas forças policiais, autoras de um massacre que se salda pela morte de mais de 300 estudantes desarmados. No decurso do evento, alguns atletas negros norte-americanos realizam a saudação do Black Power quando sobem ao pódio para receber as respetivas medalhas, causando um escândalo que “põe os cabelos em pé” às autoridades estadunidenses.
Entretanto, em Portugal, a adesão à EFTA trouxe consigo investimento estrangeiro, que aproveitou o baixíssimo custo da mão de obra nacional para obter elevadas taxas de lucro. Porém, contribuiu para um rápido crescimento económico do país, que permitiu o aparecimento de uma classe média mais alargada. Contudo, as profundas desigualdades sociais, o sugadouro representado pela guerra colonial, a emigração crescente e a falta de investimento nos serviços públicos impediam que muito desse crescimento se traduzisse em desenvolvimento, continuando os indicadores sociais em valores extremamente baixos, que nos colocavam na cauda da Europa. O êxodo rural acentuou-se e os “bairros de lata” e outras formas de habitação clandestina proliferavam nos arredores de Lisboa. Por seu turno, a política colonial levava a um cada vez maior isolamento internacional de Portugal. Porém, Salazar mantinha-se teimosamente no poder e não se vislumbrava qualquer perspetiva de abertura política. Sem investimento significativo no desporto, a participação olímpica portuguesa não melhorou. Com uma delegação igual em número à de Tóquio, aquela pautou-se pela discrição, sem qualquer medalha conquistada.
Em 1969, os EUA conseguem o feito de levar um voo tripulado à Lua, desforrando-se dos soviéticos, que haviam conseguido as primeiras vitórias na corrida espacial, com o lançamento do Sputnik, o primeiro satélite artificial, em 1957, a colocação do primeiro ser vivo (a cadela Laika) e, em 1961, do primeiro ser humano (o cosmonauta Yuri Gagarin) no espaço. Entretanto, os norte-americanos iam-se atolando no Vietnam, numa guerra cada vez mais impopular, tanto no país como no estrangeiro. Por seu turno, ações armadas, como o desvio de aviões e a tomada de reféns ou os atentados bombistas, começam a ser cada vez mais frequentes, refletindo o crescente número de conflitos existentes no mundo. No Médio Oriente, a opinião pública internacional tinha a ideia de se estar perante um confronto entre Israel e os estados árabes, com a consequente invisibilidade da questão palestiniana. Para contrariar essa situação, a Organização de Libertação da Palestina (OLP) passou a efetuar ações armadas, ao mesmo tempo que surgiam grupos mais radicais, como o Setembro Negro, que protagonizaram ações mais sangrentas em vários pontos do mundo.
Foi essa última organização a responsável pelo massacre ocorrido nos Jogos Olímpicos de 1972, realizados em Munique. Aí, um seu comando armado invade, durante a noite, as instalações israelitas na aldeia olímpica, matando dois atletas e fazendo outros reféns. A tentativa de resgate levada a cabo pela polícia alemã, num aeroporto militar próximo da capital bávara, salda-se por um total fracasso e termina com a morte de mais 15 pessoas: os nove reféns, cinco dos oito atacantes e um polícia alemão. Na parte desportiva, a URSS ultrapassa os EUA no quadro de medalhas, o mesmo sucedendo com a RDA face à RFA, algo que se repetiria na maioria das olimpíadas seguintes.
No final desse ano, dá-se a célebre “queda da cadeira” de Salazar, que fica incapacitado e é substituído por Marcelo Caetano. Este sobe ao poder com algumas promessas de abertura, traduzidas no abrandamento da censura, no regresso de alguns exilados e na libertação de um ou outro preso político. Embora tardiamente e num estrato social e geracional limitado, chegam ao país os ecos da revolução contracultural e das revoltas estudantis que varreram grande parte do mundo nessa década, com destaque para o Maio de 68 francês. Como corolário dessa realidade, em 1969, estala, em Coimbra, uma crise académica, com contestação aberta dos estudantes à ditadura, que se irá prolongar nos anos seguintes. Nas “eleições” do final desse ano, o partido único apresenta como candidatos alguns críticos moderados do regime, que constituirão a chamada “ala liberal”, enquanto as diferentes listas da oposição aceitam ir até às urnas. Contudo, a campanha voltou a ser desigual, com a PIDE sempre em cima dos oposicionistas, que voltam a não eleger ninguém. A chamada “Primavera marcelista” foi breve e o regresso ao “inverno” rápido, ficando no ar a ideia de que a chamada “evolução na continuidade” não era mais do que a concretização da máxima de Lampedusa: mudar algo para tudo ficar na mesma. Na Assembleia Nacional de então, os deputados da “ala liberal” lançam alguns temas tabu, como a situação dos presos políticos, e apresentam um projeto de revisão constitucional de cariz liberalizador. Porém, estes são invariavelmente “chumbados” e a maioria deles acaba por demitir-se. A questão colonial inviabilizou uma transição pactuada, semelhante à que viria a ocorrer em Espanha, no final da década seguinte, pois as elites políticas e económicas do regime não estavam dispostas a abrir mão das colónias, o que inviabilizava qualquer diálogo com a oposição. A partir de 1971, o regime volta a fechar-se e a repressão aumenta. Surgem, então, alguns grupos que iniciam ações de luta armada, como a LUAR, a ARA (afeta ao PCP) e as Brigadas Revolucionárias.
Entretanto, a situação social do país mantinha-se muito débil, apesar do crescimento económico registado. As guerras em África continuavam a sorver grande parte do orçamento e o número de efetivos e a duração do serviço militar aumentaram. O baixo nível de vida da maioria da população, ainda maioritariamente rural, e a fuga à guerra colonial e ao próprio regime empurraram a emigração para níveis estratosféricos. A falta de mão de obra masculina daí decorrente vai ter, porém, um efeito positivo, criando um incentivo à saída das mulheres do espaço doméstico para suprir a ausência dos homens emigrados ou mobilizados para as guerras nas colónias, o que lhes permite começar a ter alguma independência económica face aos maridos. As péssimas acessibilidades existentes tornavam quase impossível o desenvolvimento do interior, cuja população se dirigia cada vez mais para o litoral, onde não havia condições para a acolher, pelo que os “bairros de lata” pululavam nas áreas metropolitanas.
Simultaneamente, o isolamento internacional do país aumenta, com a política colonial portuguesa a ser alvo recorrente de condenações por parte da ONU e de apelos ao boicote por parte dos países africanos e asiáticos e por organizações da sociedade civil de outras nações. Não fosse Portugal membro da NATO e seria, então, um verdadeiro “estado pária”.
Assim, o péssimo desempenho dos nossos atletas (mais uma vez, todos homens) nos Jogos de Munique, onde protagonizaram a pior participação nacional de sempre em termos de resultados, não foi mais que o reflexo do país pobre e triste de então.
Finalmente, em 25 de Abril de 1974, surgiu a madrugada que esperávamos, o “dia inicial, inteiro e limpo” nas palavras de Sophia, quando um grupo de oficiais subalternos, sob o comando operacional de Otelo Saraiva de Carvalho, derrubou o regime num golpe militar sem derramamento de sangue (à exceção de quatro transeuntes mortalmente baleados pela PIDE), pondo fim a 48 anos ininterruptos de ditadura, um triste record europeu. Seis dias depois, no primeiro 1º de Maio comemorado em liberdade, o povo saiu à rua em gigantescas manifestações de regozijo pela liberdade reconquistada, transformando o golpe militar numa revolução popular.
Um reflexo do país miserável do salazarismo
Como podemos verificar, o nosso palmarés olímpico até à queda do regime fascista é paupérrimo e está de acordo com as características políticas, económicas, sociais e culturais do país de então.
Olhando para os números, observamos que, nesses 60 anos que vão da nossa estreia nos Jogos de 1912 até aos de 1972, os últimos decorridos durante a ditadura, não tivemos um único campeão olímpico e, das sete medalhas conquistadas, apenas duas foram de prata, sendo as outras cinco de bronze. E todas elas, sem exceção, vieram de desportos considerados de elite: três da vela (duas pratas e um bronze), três do hipismo (bronzes) e uma da esgrima (igualmente, de bronze). Na verdade, à época, esses desportos eram praticados por gente rica (aristocratas ou da alta burguesia) ou, no caso dos dois últimos, também muito por militares. Os dois primeiros ainda hoje têm essa característica, em especial o desporto equestre, enquanto o segundo já se encontra um pouco mais democratizado. E também, sem surpresa, todas foram conquistadas no setor masculino. Na verdade, até aí, apenas sete mulheres foram atletas olímpicas: cinco na ginástica, uma na natação e uma na esgrima.
Para além das precárias condições económicas e sociais do país e que já referimos, nunca os governos de Salazar e Caetano definiram uma política desportiva, assente na massificação da prática do desporto a partir das escolas e no apoio financeiro e logístico aos maiores talentos. Para o salazarismo, o que interessava era a promoção do futebol e das rivalidades clubísticas como instrumento da alienação das massas populares. No verão, estas eram transferidas para o ciclismo, através da Volta a Portugal em bicicleta. Por isso, se colava tanto aos êxitos dos principais clubes de futebol (em especial, o Benfica e, em menor grau, o Sporting) nas competições europeias de futebol, ao esporádico 3º lugar da seleção nacional no Mundial de 1966 e aos títulos mundiais e europeus do hóquei em patins, uma modalidade que aprecio, mas cuja expressão internacional é extremamente reduzida.
As infraestruturas desportivas de bom nível eram raras e circunscritas aos grandes centros urbanos. No resto do país, ou não existiam ou eram antiquadas. Assim, muitos clubes de futebol (e o pouco expandido hóquei em campo) jogavam e treinavam em campos pelados; os pavilhões gimnodesportivos só existiam numa ou outra capital de distrito ou numa cidade de maior importância, pelo que, durante muito tempo, as modalidades de pavilhão eram disputadas em recintos ao ar livre; pistas de atletismo com as medidas regulamentares só em Lisboa e quase não havia materiais sofisticados para as disciplinas técnicas; a existência de piscinas olímpicas era uma mentira, sendo as de 25 metros a regra; “courts” de ténis eram quase um exclusivo de clubes para ricos; polidesportivos nos parques das cidades eram ficção futurista. E mais exemplos poderíamos dar…
As condições de treino dos atletas eram, igualmente, precárias, pois, à exceção dos futebolistas de topo, ou eram amadores (com horários de treino pós-laboral e muito limitados) ou profissionais mal pagos.
Por seu turno, o isolamento internacional do país tinha, igualmente, repercussões negativas no rendimento desportivo. Assim, os técnicos tinham poucos contactos internacionais, pelo que o autodidatismo era frequente. Os mais inteligentes e persistentes ainda conseguiam ter acesso a alguma literatura da autoria de homólogos estrangeiros prestigiados, mas tal não era suficiente. Daí que, salvo raras e honrosas exceções, a maioria dos nossos treinadores acabasse por ficar atrás das principais inovações nas metodologias gerais e específicas do treino nas diversas modalidades, quando as grandes potências desportivas trabalhavam incessantemente no seu aperfeiçoamento. Os fracos resultados obtidos entre 1960 e 1972 são disso sintoma.
Por fim, num país bastante isolado do resto do mundo, a população adquire uma mentalidade provinciana, não apenas ao nível das classes populares, mas também das elites, diferindo apenas a forma como cada um desses grupos sociais o mostra. Devido às limitações financeiras, os atletas nacionais pouco competiam no estrangeiro, salvo uma ou outra presença em Espanha. Perante um evento de grande universalidade, como são os Jogos Olímpicos, numa aldeia olímpica com milhares de pessoas das mais variadas línguas, culturas e religiões, com estádios, piscinas e pavilhões cheios, a maioria dos nossos atletas sentia-se pequena e complexada face à falta de dimensão do país, ainda para mais quando este era hostilizado pela maioria da comunidade das nações devido à sua política colonial. Logo, do ponto de vista psicológico, era mais um “handicap” com que eles tinham de se defrontar e que muito condicionava o seu rendimento desportivo.
A fraca representação do setor feminino era o espelho da situação de inferioridade e discriminação com que se defrontavam as mulheres portuguesas. O salazarismo tinha grande parte da sua base ideológica no catolicismo conservador, para quem o papel social das mulheres era de “esposas e mães”, ou seja, cuidadoras e reprodutoras, remetidas, em grande parte, ao espaço doméstico. Essa visão patriarcal da sociedade foi vertida na lei, colocando as mulheres na dependência dos maridos, em especial ao nível financeiro, e restringindo-lhes o exercício de certas profissões ou condicionando este a restrições à sua vida pessoal. Neste quadro, só algumas corajosas se atreviam a enveredar por uma carreira desportiva, mesmo que em regime de amadorismo. Em 1952, uma ginasta selecionada para a equipa olímpica nacional foi proibida de ir a Helsínquia pelos pais. Está tudo dito…
Como se pode verificar, com estas condições, era muito difícil Portugal conseguir boas representações olímpicas. Os miseráveis resultados obtidos não eram mais que o espelho do país miserável que tínhamos nesses tempos de má memória.
Após a Revolução, muito haveria de mudar. Contudo, infelizmente, as coisas não mudaram o suficiente para limitar os efeitos dessa pesada herança. Mas a participação olímpica no regime democrático será objeto do próximo artigo.
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