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Quase dois anos depois da morte de Ihor Homenyuk, Eduardo Cabrita demite-se

Ministro da Administração Interna desde 2017, Cabrita justificou a demissão esta sexta-feira com a reação pública às suas declarações sobre a acusação no acidente rodoviário em que esteve envolvido. Mas a sucessão de problemas que Cabrita criou ou agravou retirou-lhe condições para continuar no governo há muito tempo.
“Só a solidariedade do primeiro-ministro” o fizeram continuar na pasta, garantiu. Foto de Eric Vidal, União Europeia.
“Só a solidariedade do primeiro-ministro” o fizeram continuar na pasta, garantiu. Foto de Eric Vidal, União Europeia.

“Eu sou passageiro”, afirmou Eduardo Cabrita ao ser confrontado com a acusação de homicídio por negligência ao condutor do veículo oficial onde seguia na A6 em junho passado. A reação pública a estas declarações serviram de pretexto para o ministro apresentar a demissão do cargo horas mais tarde. Apontado como o elo mais fraco do Governo pela sucessão de escândalos na pasta sob sua responsabilidade, as condições políticas para a manutenção do cargo tinham desaparecido há muito. Pelo menos desde que Ihor Homenyuk foi assassinado pelos inspetores do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) em março de 2020. Em dezembro desse ano, as conclusões preliminares da investigação à sua morte ganham a atenção do público e torna-se claro que o Ministro da Administração Interna nada fez durante esse período, nem sequer uma carta de condolências à família tinha enviado (algo que acontece apenas a 11 de dezembro).

Em alternativa à demissão de Cabrita, a diretora do SEF deixa o cargo mas, dois meses depois, é revelado que foi contratada pelo governo para reestruturar o regime de vistos gold. Entretanto, as investigações revelam que o SEF funcionava num regime de terror e brutalidade permanente sobre os imigrantes, com vários casos de maus tratos e abusos que eram deixados de fora dos registos ou queixas que não eram processadas.

Na verdade, os problemas do SEF já estavam bem registados e a necessidade de uma reestruturação já estava identificada há vários anos, com relatórios da Procuradora da Justiça ou várias entidades internacionais a denunciarem uma offshore de impunidade no SEF. Eduardo Cabrita nunca agiu sobre o assunto até ao escândalo provocado pela morte de Ihor.

À exigência pública de responsabilidades, o Ministro respondeu então com a frase “bem-vindos, bem-vindos ao combate pelos direitos humanos”. Numa atitude semelhante, perante a morte de um trabalhador na A6 provocada pelo carro que transportava o Ministro e que levou o Ministério Público a acusar o condutor de homicídio por negligência, Cabrita afirmou “eu sou um passageiro”.

Se a nível humano se revelou politicamente incompetente, a nível político revelou pouco humanismo. Em junho de 2021, estabelece um protocolo de detenção administrativa de migrantes na prisão de Caxias, algo que levanta “o mais veemente repúdio” de várias organizações de defesa de migrantes.

Nos últimos meses, uma investigação jornalística revela que o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras reteve este ano mais de 3,5 milhões de euros de fundos comunitários para acolher refugiados, e que a sua diretora pagou várias despesas pessoais com dinheiro deste serviço.

Simultaneamente, dos 68,28 milhões de euros para Portugal financiar o acolhimento e dezenas de projetos de solidariedade e integração. Mas uma grande parte desta verba não foi executada, com 30 milhões de euros a ficarem sem destino.

Nas últimas declarações públicas enquanto Ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita declarou ”mais do que ninguém lamento essa trágica perda irreparável e a minha solidariedade vai para família da vítima. Desde então, foi com grande sacrifício pessoal que verifiquei com estupefação o aproveitamento político que foi feito de uma tragédia pessoal”.

E acrescentou que “só a lealdade, o tempo e as circunstâncias que enfrentávamos há seis meses e a solidariedade do primeiro-ministro” o fizeram continuar na pasta, garantiu.

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