Depois de, no início do mês passado, Larry Summers e Jason Furman terem causado surpresa com um artigo sobre a sustentabilidade da dívida pública, foi a vez da economista-chefe da OCDE, Laurence Boone, reconhecer que é preciso rever os critérios normalmente utilizados para avaliar se as finanças públicas de um país são saudáveis.
Para Boone, os países devem "abandonar a ideia de que precisamos de uma abordagem de 'tamanho único' (one-size-fits-all) em relação às regras orçamentais para regressar a uma determinada meta da dívida pública". Por outras palavras, é errado pensar que podemos aplicar a mesma regra a todos os países de forma a resolver a questão do aumento do endividamento público face à crise provocada pela pandemia. A economista-chefe da OCDE defende que "temos de pensar na sustentabilidade [das contas públicas] de forma mais discricionária, num período de tempo mais longo, e também de forma mais democrática, no sentido em que as metas definidas politicamente devem ser avaliadas com mais transparência".
É justo admitir que o recado tem um destinatário claro: a União Europeia, onde a política económica dos países membros tem sido orientada por regras orçamentais, definidas nos tratados, que impõem limites rígidos à dívida pública e aos défices orçamentais, bem como metas de consolidação orçamental para os países que os excedam. O Conselho Orçamental Europeu, um órgão consultivo independente, já tinha considerado que estas regras têm uma natureza pró-cíclica, uma vez que restringem a despesa e investimento públicos e impedem que os países endividados respondam a crises como a que atravessamos com orçamentos expansionistas. Foi isso que levou à suspensão temporária das regras no início do confinamento. E é isso que explica porque devemos evitar o seu regresso.
Laurence Boone lembra que o atual contexto de incerteza e taxas de juro próximas de zero reforça a eficácia da política orçamental expansionista, que permite complementar a política monetária e combater a recessão. A conclusão é semelhante à de Summers e Furman, que notam que os défices orçamentais podem não ser a forma mais adequada de analisar a sustentabilidade das finanças públicas de um país e sugerem que se considere, em alternativa, o rácio da despesa com juros sobre o PIB do país.
Outros autores, como Yilmaz Akyuz, ex-diretor da Divisão das Nações Unidas para a Globalização e Estratégias de Desenvolvimento, defendem que a análise da sustentabilidade deve incluir um conjunto de critérios mais alargado, tendo em consideração os riscos específicos de cada país. Variáveis como a evolução da dívida privada e da dívida externa, a liquidez e os riscos do sistema financeiro, ou o impacto negativo que a redução da dívida tem no crescimento económico são importantes para perceber as condições estruturais de um país. Ignorar estes fatores leva a que se prescrevam políticas desadequadas aos países, como aconteceu na União Europeia após a última crise. Reduzir a análise ao défice orçamental é, por isso, um erro que se pode pagar caro.
Certo é que a forma como avaliamos as contas públicas dos países pode vir a sofrer mudanças significativas nos próximos tempos. No Twitter, em tom provocatório, Olivier Blanchard pergunta quanto tempo demorarão os governos a adotar este novo consenso académico em torno da política orçamental. Esperemos que não seja tanto quanto o FMI, na altura liderado pelo próprio Blanchard, demorou a reconhecer os erros que cometeu após a última crise, quando empurrou países como Portugal para medidas de austeridade que se revelaram desastrosas. Nestas coisas, o tempo é decisivo.
Postado por Vicente Ferreira em Ladrões de Bicicletas