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A Economia a caminho dos loucos anos 20?

No início deste mês, o Peterson Institute for International Economics (um think-tank norte-americano associado à defesa do comércio livre e do Consenso de Washington) e o Hutchins Center on Fiscal & Monetary Policy organizaram um debate entre economistas destacados sobre a política macroeconómica de Joe Biden, que em breve tomará posse como presidente dos EUA. O debate incluía a apresentação de um relatório de discussão de Larry Summers, ex-secretário de Estado do Tesouro, e Jason Furman, antigo conselheiro de Obama para as questões económicas, seguido de um painel de discussão que contava com nomes como Ben Bernanke (ex-presidente da Reserva Federal) ou Olivier Blanchard (ex-economista-chefe do FMI). Sem grande surpresa, para aconselhar a nova administração de Biden, convocaram-se os pesos pesados.
A pergunta central do debate era simples: o que fazer em relação à política orçamental, num contexto de baixas taxas de juro e elevado rácio da dívida em relação ao PIB? O que terá causado surpresa foi a resposta apresentada: Furman e Summers não só reconhecem que o rácio da dívida não é a principal preocupação do momento, como defendem que não constitui um bom indicador da sustentabilidade das finanças públicas de um país. A razão para isso é o efeito dos juros baixos, que fazem com que o serviço da dívida possa ser menor do que em períodos anteriores, mesmo que o rácio da dívida tenha aumentado.
Num contraste claro com a perspetiva adotada pela maioria dos economistas nos últimos anos, os autores notam que a dívida pública e o défice não afastam o investimento privado, como se supunha: "Num mundo em que há capacidade inutilizada na economia e taxas de juro muito baixas, as preocupações sobre a exclusão [crowding-out] do desejável investimento privado, que era tomada como garantida há uma geração, têm bastante menos força hoje". Por isso, defendem que o endividamento não é um entrave a políticas expansionistas, dizendo que o atual contexto dá aos governos margem de manobra orçamental para investirem. Embora considerem que esta margem de manobra não é ilimitada, sugerem o reforço da progressividade fiscal como forma de promover a procura sem aumentar o défice. A divergência com as ideias que dominaram a disciplina nas últimas décadas não podia ser maior.
Na mesma linha, Blanchard nota que o atual contexto de estagnação secular faz com que o custo de oportunidade do endividamento público seja muito menor, ao mesmo tempo que o benefício dos défices se torna bastante maior, tornando-os sensatos não só do ponto de vista orçamental, mas também do ponto de vista do bem-estar coletivo. Também nesta linha, o Fiscal Monitor publicado em outubro pelo FMI destaca o efeito multiplicador do investimento público, estimando-se que um aumento do nível de investimento público gera um crescimento 2,7 vezes superior do PIB em dois anos. É por isso que Blanchard avisa que "os governos têm de estar preparados para ter défices pós-covid [...] e permitir um aumento adicional da dívida".
No fim do debate, os intervenientes admitiram que estavam todos maioritariamente de acordo. Hoje, parece que muito poucos economistas têm dúvidas sobre aquilo que, há um ano, muito poucos consideravam ser sequer imaginável. Conclui-se, por isso, que a dívida pública deixou de ser o foco exclusivo da atenção, que os défices passaram a ser reconhecidos como uma variável insuficiente para avaliar a economia, ou que os orçamentos expansionistas deixaram de ser vistos apenas como despesistas? Ainda é demasiado cedo para o fazer. Mas as alternativas começam a ganhar espaço num campo que sempre lhes foi adverso. Os termos do debate já não são os mesmos. Talvez por isso exista a hipótese de que estes anos 20 sejam, novamente, tempos de mudança.
Postado por Vicente Ferreira em Ladrões de Bicicletas
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