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Quais as borlas fiscais para as empresas no Orçamento?

Os patrões aplaudiram o acordo de rendimentos e veem muitas exigências contempladas neste Orçamento. Para o economista e eurodeputado José Gusmão, é uma "enxurrada de borlas fiscais e contributivas para as grandes empresas em troca de coisa nenhuma".
António Costa com os líderes das associações patronais. Foto publicada na conta Twitter do primeiro-ministro.

Na proposta de Orçamento do Estado para 2023 o governo alarga benefícios anteriores e cria novos para as empresas. Vejamos quais são e como funcionam.

Primeiro, na primeira prioridade de reforçar os rendimentos, apresenta o Incentivo fiscal à valorização salarial no setor privado que prevê a majoração em 50% dos custos salariais com aumentos iguais ou superiores a 5,1%. Estima-se que esta medida se aplique a mais de 500 mil empresas e represente um total de 75 milhões de euros. 

Para as empresas no interior do país, a majoração é de 120% dos custos salariais, tanto remuneração fixa como contribuições para a segurança social, e implica uma despesa de 10 milhões de euros.

Apesar das três condições previstas no acordo de rendimentos negociado com as confederações patronais e a UGT - valorização dos rendimentos, dos salários médios e redução das disparidades salariais (não aumento do leque salarial) - os detalhes acordados significam uma perda real para os trabalhadores. 

Para fomentar o investimento privado o governo apresenta quatro medidas. Primeiro, introduz o Incentivo à Capitalização de Empresas (ICE), para o qual estima um impacto orçamental de 120 milhões de euros. Este funde e simplifica dois regimes agora em vigor: Dedução por Lucros Retidos e Reinvestidos (DLRR) e Remuneração Convencional do Capital Social (RCSS).

O ICE prevê que todas as empresas, à exceção das pertencentes ao setor financeiro, tenham direito à dedução de aumentos líquidos de capitais próprios. A ideia subjacente é dar o mesmo tratamento fiscal a empresas que, em vez de se financiarem por empréstimo bancário e terem direito a dedução fiscal dos custos com juros, recorram a injeções de capital pelos seus sócios. 

A dedução é feita a uma taxa à taxa anual de 4,5% e 5% para PME e Small Mid Caps, isto é, empresas que, apesar de estar integradas num grupo que não é PME, têm individualmente menos de 500 trabalhadores. O limite anual passível de dedução é entre 2 milhões de euros e 30% do EBITDA e durante um prazo de 10 anos.

Segundo, renova o regime fiscal de apoio ao investimento (RFAI), para o qual estima 25 milhões de euros. Este passa de uma majoração de 25% para 30% das deduções à coleta para lucros até 15 milhões euros, a partir daí a dedução passa a 10%. 

Terceiro, altera o regime de dedução dos prejuízos de uma taxa anual de 70% para 65%, mas torna o prazo de dedução ilimitado. A deputada Mariana Mortágua assinala que “em 2014, o governo das direitas permitiu às empresas  deduzirem prejuízos ao IRC durante 12 anos. O acordo com o Bloco reverteu essa medida. Agora, António Costa pactua com os patrões ir além da direita: a dedução fiscal de prejuízos deixa de ter qualquer prazo”. O Governo não apresenta cálculos do custo desta medida. 

Por último, para as PME alarga a taxa reduzida de IRC de 17% aplicável a 50 mil euros de lucro anual (em vez dos anteriores 25 mil) e para as empresas do interior passa a aplicar-se uma taxa de 12,5%. Esta representa um acréscimo de 60 milhões de euros. 

Já na secção de apoio às empresas mais afetadas pela inflação, prevê-se a majoração em 20% dos gastos de energia e 40% para os gastos de produção agrícola, num total de 60 milhões de euros.

Estas parcelas contabilizam 340 milhões de euros. O jornal Público sublinhou, mesmo nas suas contas sem o regime de dedução de prejuízos, que este total de cortes programados em sede de IRC representam um maior alívio fiscal para as empresas caso houvesse uma redução transversal de 21% para 19%, o que iria traduzir-se num desconto de 200 milhões de euros.

Confederação patronal vê este orçamento como “ponto de partida”

António Saraiva, presidente da CIP, defende a redução gradual da taxa de IRC para 17%. Sublinha a vontade da confederação patronal de continuar a lutar para que tal se torne realidade. Diz “Este é o primeiro de um ciclo de quatro orçamentos e o importante é que, orçamento após orçamento seja incorporada a redução da carga fiscal para empresas e famílias e a consequente melhoria generalizada das condições de vida”, e acrescenta “O acordo não é um fim, é um ponto de partida”. 

A opinião de início de ciclo de redução fiscal para as empresas com este orçamento é partilhado pelas principais confederações patronais.

O eurodeputado José Gusmão é lapidar e comenta “Os patrões estão a festejar o acordo para os rendimentos. Não é caso para menos. Uma enxurrada de borlas fiscais e contributivas para as grandes empresas em troca de coisa nenhuma. É uma espécie de regresso ao Passismo, um tempo que lhes é muito querido”. 

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