Depois de Correia de Campos ter fechado a porta a várias urgências e maternidades e depois de Passos Coelho ter concentrado serviços e tentado acabar com a maternidade Alfredo da Costa, eis que o encerramento de serviços do SNS volta a estar em cima da mesa.
Agora a proposta é encerrar mais seis maternidades e urgências obstétricas. Famalicão e Póvoa de Varzim, no Norte, Guarda e Castelo Branco, no Centro, e Vila Franca de Xira e Barreiro, em Lisboa e Vale do Tejo, são as que estão na lista negra. Não porque não sejam serviços necessários, não porque não tenham procura, não porque nestas zonas não haja gente, mas porque não existem profissionais para garantir os serviços.
Um encerramento planeado por falta de investimento no SNS e por uma obstinação política em não melhorar carreiras e condições de trabalho. As populações é que acabarão por pagar a fatura.
Perante este cenário – o do maior encerramento de serviços do SNS desde a troika – o novo ministro conseguiu apenas garantir que até ao final deste ano nada vai encerrar. No momento em que escrevo este artigo essa garantia tem uma validade de exatamente 70 dias. É muito menos do que a de um eletrodoméstico em segunda mão e certamente muito aquém do que as populações exigem.
Curiosamente a proposta de Orçamento que o Governo do PS apresentou para 2023 não assume nenhum compromisso na manutenção destes e de outros serviços do SNS. Pelo contrário, inclui uma frase dúbia e que nos deve deixar de pé atrás. Diz o Governo que pretende “rever as redes de referenciação hospitalar, bem como o modelo de organização e funcionamento dos serviços de urgência”. Rever em que sentido? No sentido de, como está colocado em cima da mesa, encerrar e concentrar?
Muito provavelmente dentro de pouco tempo vamos perceber que a garantia de um ministro expira tão rápido como uma Liz Truss.
O Orçamento do PS não é bom no que diz respeito a maternidades e urgências e consegue ser pior no que toca a Cuidados de Saúde Primários.
Este é um setor que se tem degradado rapidamente. Basta lembrar que entre final de 2019 e setembro de 2022 duplicou o número de utentes sem médico de família. Hoje são cerca de 1,3 milhões os que não têm médico de família - o que transporte o país para os números do último governo do PSD/CDS – e esta falta de profissionais já levou mesmo ao encerramento de unidades de saúde.
Ainda assim, o Orçamento não tem nenhuma proposta para garantir a generalização de médico e equipa de família ou para reforçar os cuidados de saúde primários. Pelo contrário, artigos que tinham constado de orçamentos anteriores sobre como chegar ao objetivo de atribuição de médico de família a todos os utentes, desapareceram da atual proposta. Portanto, neste momento, não há nada. Nenhuma proposta, nenhuma estratégia.
Enquanto o SNS é deixado à sua sorte, enquanto os cuidados de saúde primários são deixados a agonizar e às maternidades e obstetrícia é colocado um prazo de validade, lá se recupera o antigo e batido objetivo de “Reforçar a cooperação com os hospitais da rede social, avaliando os resultados clínicos e económico-financeiros”.
Claro que mesmo perante todas estas evidências o PS baterá com a mão no peito e dirá que este é o Orçamento mais à esquerda de que há memória, que o SNS nunca foi tão bem tratado, que os utentes nunca tiveram tanta saúde, que os serviços nunca funcionaram tão bem, que os profissionais nunca estiveram melhor…
Já sabemos que não passa de mais um truque do PS. Daqueles que dizem que um corte de metade na atualização das pensões é um aumento ou que 125€ a quem perdeu mais de um salário com a inflação é um apoio.
Vou dar 3 valores sobre o orçamento da saúde e vamos descobrir onde está o #truquedoPS:
- O Governo prevê um aumento de 2,9% na rubrica Despesas com pessoal, ou seja, abaixo da inflação e do que se prevê que seja a atualização salarial para a função pública. Mesmo assim diz que vai apostar na contratação de profissionais, na revisão de carreiras, na aplicação da dedicação plena (o que quer que isso seja)… Parece que este anúncio de aumento é capaz de vir a revelar-se um corte.
- O segundo número: o Governo anunciou triunfalmente que o investimento em saúde crescerá 140% em 2023. Mas é melhor não festejar já. É que este número só é tão elevado porque em 2022 o Governo não executou nem sequer metade do que tinha previsto em investimento no SNS. Ou seja, grande parte desses 140% são, na verdade, os mesmos projetos que já tinham sido inscritos para 2022. É mais ou menos como nas Black Friday onde tudo está a metade do dobro do preço, só que no caso do PS está tudo ao dobro da metade que eles fizeram.
- Último exemplo, um que até fez parangonas: diz o Governo que o SNS vai ter um reforço de 1.177 milhões de euros. Não diz que a previsão para 2022 era ter um défice de 1.100 milhões de euros, ou seja, o tal ‘reforço’ não terá resultado prático, mas apenas contabilístico. Cobrirá o défice mas não resultará em mais recursos ou meios.
É um orçamento de truques. Não é um orçamento para o SNS.