Portugal é um país racista?
É. Todos os países, ou todas as sociedades, com trajetória colonial são estruturalmente racistas. Como dizia Fanon, as sociedades coloniais são, por natureza, racistas, porque se construíram em cima da estratificação dos seres humanos, pela via da dominação e a partir de uma ideia de superioridade. E a ideia de que uma pessoa é superior a outra explica as relações de poder que se estabelecem. Portugal é um dos países com maior densidade histórica colonial. E isso torna-o num país extremamente racista. O colonialismo, em termos estruturais, em termos conceptuais, já foi derrotado, mas a colonialidade permanece. Ela marca as relações económicas, sociais e políticas do país.
Portanto, consideras que o racismo em Portugal é uma herança colonial?
Absolutamente. Não podemos separar a sobrevivência do racismo contemporâneo do trajeto histórico colonial do país. Não é por acaso que, mesmo com a derrota do fascismo, com o advento da democracia, o racismo sobrevive. Há uma certa colonialidade histórica da subjetividade coletiva que herdámos precisamente do processo histórico colonial. E que faz com que, ainda hoje, o olhar que se têm sobre populações ou sobre pessoas não-brancas é um olhar herdado dessa cultura.
E o racismo para além de uma questão de disputa ideológica em si, estende-se para o campo cultural, para as relações mais triviais. A partir do momento em que, mesmo havendo uma derrota científica da ideia de raça, as pessoas admitem olhar para os outros a partir dessa dimensão, isso também é herança colonial.
Quando chegámos às outras partes do mundo, olhámos a partir das diferenças objetivas que sentíamos: a cor da pele, as pertenças étnico-culturais, as realidades locais, crenças religiosas. A partir daí, formámos um olhar. E esse olhar mantém-se, infelizmente.
Tens tentado explicar, recorrentemente, que, quando afirmas que Portugal é um país racista, não estás a apontar o dedo a cada uma das pessoas dizendo que elas são más e racistas. E tens defendido que um dos primeiros obstáculos a ser transposto é o “estado de negação” que existe na sociedade portuguesa. O que é que, no teu entender, justifica essa negação generalizada?
Primeiro, por que é que as pessoas tentam sempre totalizar uma tomada de posição qualquer sobre um aspeto particular da nossa vida coletiva? O racismo é uma dimensão particular da forma como nos relacionamos coletivamente. Depois tem ramificações que se traduzem em desigualdades económicas, políticas, em invisibilidade. Tem todas essas consequências. Mas é uma parte da nossa vida coletiva.
Quando olhamos para as desigualdades raciais em todas as áreas onde elas são importantes, (...) não há dúvida de que o que justifica ou explica essas desigualdades é, precisamente, o fator racial e o privilégio que a maioria da sociedade tira da hegemonia da branquitude.
Quando se tenta totalizar qualquer apreciação que se faça sobre esta parte é também uma forma de distração política. As pessoas que não querem assumir a responsabilidade de enfrentar o problema real preferem perder mais tempo a defenderem-se de uma acusação em abstrato. E por que é que isto continua a acontecer? Por que é que há esta dificuldade? Acho que é porque há também uma afasia coletiva. As pessoas podem ouvir mas não escutam. Há uma diferença entre ouvir e escutar. Ouvir falar do racismo é uma coisa que as irrita, porque as convoca à responsabilidade de combater o flagelo. Escutar é o segundo passo. Quando escutamos, podemos compreender e comprometermos a assumir a responsabilidade de responder aos problemas. E, quando as pessoas não saem do lugar do ouvir e não se movem para o lugar de escuta, a tendência, como acontece em todos os espaços de opressão, seja de género, de orientação sexual, etc, é a distração. É fingir que o problema é com as vítimas, não com os opressores, não com o sistema. Esta catarse coletiva ainda não está feita, sobre por que é que as pessoas se sentem diretamente responsabilizadas ou apontadas quando assinalamos o caráter estrutural do racismo.
Há aqui também uma questão de poder. Poder real e poder simbólico. Poder simbólico é o de querer continuar a viver nessa quimera de que há pessoas que são superiores às outras. A chamada branquitude, na abordagem anti-racista. O outro é o privilégio real. Quando olhamos para as desigualdades raciais em todas as áreas onde elas são importantes, no emprego, na habitação, na educação, no acesso à justiça, por exemplo, não há dúvida de que o que justifica ou explica essas desigualdades é, precisamente, o fator racial e o privilégio que a maioria da sociedade tira da hegemonia da branquitude.
É engraçado que, muitas vezes, não somos nós que o dizemos. Quando o Alípio Ribeiro, que é um procurador e foi diretor da PJ [Polícia Judiciária], diz que há justiça para pretos e justiça para brancos não pode ser acusado de ser um radical. É alguém da sociedade maioritária que ainda assim admite isso, com toda a clareza. O mesmo acontece quando o Pedro Abrantes, que trabalhou no ministério da Educação, diz que a desigualdade no acesso ao percurso escolar tem também a ver com o fator racial. O Pedro Abrantes tem trabalhos, com o Seabra e a Cristina Roldão, sobre a desigualdade do acesso ao sistema educativo em que é assumida, claramente uma dimensão racial nesta desigualdade.
Podemos falar aqui de um privilégio branco?
Sim, e as pessoas têm dificuldade em abdicar do privilégio. O Du Bois, no início do século XX, falava “da linha da cor”. Ele fazia umas perguntas interessantes que hoje deviam ser novamente colocadas. Por exemplo, o que é que leva a que um operário ou uma operária branca que está na mesma condição, na relação laboral, que um operário negro ou uma operária negra, se considere superior? São todos fustigados e tratados da mesma maneira do ponto de vista de relação laboral pelo sistema capitalista, são todos mal pagos e têm uma sobrecarga horária. Ainda assim, o operário branco ou a operária branca acham-se superiores ao operário negro ou à operária negra.
Esta questão da linha da cor foi herdada de processos ainda mais antigos. Não é só a questão colonial, é a questão da escravatura. Porque a escravatura não é apenas o facto de as pessoas terem sido coisificadas, objetificadas ou transformadas em instrumentos de acumulação primitiva de capital. Não é só isso. Há também uma dimensão subjetiva. Acham as pessoas brancas de estratos sociais baixos que, por fazer etnicamente parte da maioria branca, independentemente da desgraça que se possa abater sobre elas, elas estão sempre melhor do que quem está abaixo desta pirâmide. E quem historicamente está abaixo desta pirâmide? São as pessoas racializadas. E porque a estratificação também funciona dessa maneira. Só assim se podia criar a divisão entre a força de trabalho. Criando essa divisão, conseguimos legitimar determinados privilégios, que só eram privilégios porque garantiam aos operários e às operárias a ideia de superioridade. Os privilégios do operário branco em relação ao operário negro, sobretudo no início do século XX, eram muito relativos porque estruturalmente não o tiravam do poder opressivo do capital. Mas serviam para, em termos macro-estruturais, manter ainda mais baixo o operariado negro e criar uma divisão entre uma classe que podia defender-se para contrariar a hegemonia e o poder do capital.
Continua a ser alimentada essa divisão?
Quando as pessoas me perguntam por que é que estamos sempre a insistir que o racismo é estrutural, eu dou o exemplo do que se passou na pandemia. A crise pandémica foi um bom barómetro neste aspeto. No período mais crítico, víamos que, em Lisboa, só existiam pessoas racializadas na rua. Falou-se muito em guerra contra a pandemia. Quem foram os soldados dessa guerra? Pessoas racializadas. Os setores essenciais da economia, que não podiam parar, eram mantidos por pessoas racializadas: a distribuição, as unidades fabris, a construção, as limpezas, os supermercados. Estavam na linha da frente, como carne para canhão, para manter uma economia que os saqueava e que não os reconhecia enquanto os principais produtores da riqueza acumulada, continuando a submetê-los a salários miseráveis.
Por que é que continuamos a ter esta narrativa luso-tropicalista sobre o colonialismo? Essencialmente, isso conforta uma ideia da tal superioridade e também de que o nosso colonialismo foi diferente.
Depois há outra dimensão, o saber, a educação. Por que é que continuamos a ter esta narrativa luso-tropicalista sobre o colonialismo? Essencialmente, isso conforta uma ideia da tal superioridade e também de que o nosso colonialismo foi diferente. Esta busca de conforto ético sobre o processo colonial existe porque, no fundo, olhamos para a realidade e percebemos que o passado não passou. As desigualdades estruturais que resultam do processo colonial estão visíveis nas relações económicas atuais. Quem é que é mais fustigado pelo desemprego? Pessoas racializadas. Quem é que é mais fustigado pela precariedade habitacional? Pessoas racializadas. Quem é que é mais visado pela violência de Estado, pela violência policial? Pessoas racializadas. Quem é que é mais fustigado pelo insucesso escolar? Pessoas racializadas. E podemos continuar pelas diversas áreas.
E isto não acontece apenas porque aquelas pessoas são incapazes de fazer o seu trajeto. É porque a estrutura está montada desta maneira.
Não obstante a luta anti-racista ser protagonizada pelas pessoas racializadas, que estão no seu lugar de fala, consideras que esta é uma luta de toda a sociedade?
A Ruth Gilmore tem uma frase de que eu gosto muito, muito bonita e condensa bem o problema da relação entre racismo e capitalismo: “O capitalismo precisa de desigualdades, e o racismo fornece-as”. O capitalismo só vai sobreviver se se mantiverem as desigualdades. E todas elas são estruturantes para o seu próprio funcionamento.
Evidentemente, o combate contra o racismo é um combate pela igualdade total, radical. Em todos os aspetos. Significa o derrube do próprio sistema capitalista. Quando se diz isso, “cai o Carmo e a Trindade”. No outro dia, ouvimos um conhecido cronista “da praça” dizer que ele até tem algum carinho pelo SOS [SOS Racismo], e que o problema é o SOS ser anti-capitalista, o que prova que a luta contra o racismo não é uma luta contra o racismo, é uma luta contra o capitalismo. Ora, não podia ter mais razão. Não há luta contra o racismo sem luta contra o capitalismo.
É bom lembrar que, no bojo do capitalismo, como dizem os brasileiros, está o racismo, está a escravatura. Não é por acaso que os marxistas negros conhecidos, como Cedric Robinson, Robin Kelley ou a própria Ruth Gilmore, falam em capitalismo racial. E quando o fazem, não é na dimensão racialista da coisa em si, é na estrutura da organização social que eles estão a falar. Como é que o racismo opera para estratificar as pessoas para benefício da manutenção do capitalismo. E à escala global.
Hoje fala-se, por exemplo, da catástrofe climática. Olhamos para a forma como as negociações são feitas a nível internacional, sobre quem pode emitir mais gases do efeito estufa, como é que são geridos os créditos para a emissão de gás, e depois como é que isso se entronca com os modelos ditos de “desenvolvimento” económico fora do perímetro ocidental, e percebemos logo que, obviamente, o capitalismo, nas suas várias fases, precisou de estratificar categorias humanas para sobreviver. É o que lhe dá força. É como, na disputa pela hegemonia cultural, consegue fazer crer que é natural essa ideia da estratificação, da meritocracia. Por isso é um engano achar que podemos separar a luta contra o racismo das lutas políticas essenciais. A luta por um bom Serviço Nacional de Saúde é uma luta contra o racismo. A luta por uma melhor legislação laboral é uma luta contra o racismo. Usava-se muito o conceito de justiça económica, eu acrescento justiça climática e justiça racial. Estão entroncadas. Em Portugal fala-se de pobreza energética. Mas ninguém diz que as primeiras vítimas da pobreza energética são as comunidades racializadas, ciganas e negras.
Foto de José Manuel Teixeira, publicada na página de Facebook de Mamadou Ba.
Recentemente vi uma reportagem que referia que, no espaço europeu, as comunidades ciganas estão a ser empurradas para os territórios mais poluídos. É isso que está a acontecer?
O conceito de racismo ambiental, que foi cunhado há uns quarenta anos, descrevia exatamente o que está a acontecer hoje.
O conceito foi criado no contexto da reorganização urbana nos Estados Unidos, que estava a empurrar as comunidades racializadas, negras e hispânicas, para zonas poluídas das áreas metropolitanas dos grandes centros urbanos americanos. Baldwin dizia justamente a este respeito “Urban renewal is negro removal.”
E isso está a acontecer na Europa. As comunidades ciganas estão a ser empurradas sempre para zonas mais inóspitas e poluídas, onde estão expostas a resíduos tóxicos, a falta de saneamento, a doenças de todo o tipo e sempre fora dos tecidos urbanos consolidados. Mesmo quando olhas para os bairros ditos de realojamento, pelo próprio desenho, mas também pelos materiais usados, vês que essas pessoas estão sujeitas a humidades, infiltrações, pragas de insetos e outras situações que são propícias a criar problemas de saúde, sobretudo às crianças e jovens.
Nos acampamentos, a maior parte dos jovens ciganos têm vários problemas de saúde, nomeadamente, problemas respiratórios, por exemplo. Isto chama-se racismo ambiental. E chama-se capitalismo racial. A forma como a sua presença no espaço urbano é gerida é em função da capitalização dos solos. Vão sendo empurrados consoante os terrenos que ocupam vão adquirindo um valor de mercado. Há uma ligação direta entre a forma como estas pessoas são percecionadas e como é gerida a sua presença no espaço público e como atua a especulação imobiliária. E a sua relação com os poderes económicos, os poderes políticos.
Em Portugal, as expressões mais visíveis do racismo têm, muitas vezes, a ver com a violência policial contra as comunidades racializadas. Tentam convencer-nos de que estamos perante episódios isolados e esporádicos e que os bairros suburbanos são locais onde o crime prospera por todos os cantos. E, por isso, se justificam determinadas intervenções com caráter de exceção. Nesse sentido, queria perguntar-te se, de facto, estamos perante episódios isolados ou se existe racismo impregnado nas forças policiais. E também se esta forma como as forças policiais lidam com os bairros suburbanos tem a ver com uma criminalização das pessoas racializadas.
Há uma coisa que é clara, os acontecimentos dos últimos anos confirmam-no. Há racismo estrutural no país. E a polícia não é uma ilha dentro de Portugal. Esse racismo estrutural também se reflete nas instituições. Só que com uma diferença grande. A polícia - é uma lapalissada - é o garante do monopólio da violência do Estado. O racismo manifesta-se, entre outras formas, através da violência. Quem é que tem o monopólio da violência? A polícia.
É como se estivéssemos a viver uma espécie de exceção jurídica. Há territórios e corpos a que se tem de aplicar uma exceção jurídica. Podemos usar e abusar da violência porque é excecional, porque são bairros perigosos.
Como é óbvio, há uma enorme expressão de violência racial nas forças de segurança. Por várias razões. Razões históricas, como já falámos, o legado colonial, a desumanização das pessoas racializadas, esta ideia de que pessoas com determinadas características culturais ou étnicas não merecem a mesma dignidade que outras, e portanto podem ser tratadas de uma forma diferente ou excecional, o que faz com que a intervenção da polícia, em determinados territórios e corpos também tem um caráter quase sempre excecional. É como se estivéssemos a viver uma espécie de exceção jurídica. Há territórios e corpos a que se tem de aplicar uma exceção jurídica. Podemos usar e abusar da violência porque é excecional, porque são bairros perigosos. Há uma narrativa que se vai construindo no sentido de que há determinados corpos e espaços que são perigosos por inerência. E que a relação que essas comunidades, esses corpos, esses territórios devem ter com o Estado é uma relação de contenção da violência. Muitas vezes há mobilização da violência com o pretexto da contenção da violência. É uma estratégia que as forças de segurança usam. A polícia tem sido empurrada a desempenhar o papel de tampa da panela de pressão social. Onde falhou o Estado em resposta social envia-se a polícia para a contenção e a repressão.
Existem relatórios internacionais e relatórios internos que dizem que há uma presença notória da extrema-direita nas forças de segurança. E, se dúvida houvesse, há sindicatos claramente alinhados com a extrema-direita. Tenho sido alvo de alguns. Já apresentaram queixas contra mim, pessoalmente. Não é por acaso. E, pela primeira vez em perto de 50 anos de democracia, temos o maior sindicato da polícia dirigido por alguém que se identifica com um partido abertamente racista e fascista. O dirigente da ASP [Associação Sindical dos Profissionais da Polícia] é um simpatizante do Chega. Não sei que mais provas são necessárias para aferir da presença da extrema-direita nas forças de segurança.
Mas mais: durante muito tempo, Portugal foi o país, a nível europeu, onde morriam mais pessoas às mãos da polícia. Não sei qual é a média hoje, não tenho esses dados. E Portugal é o país onde há mais mortes nas prisões, em média, na Europa. E quem são as pessoas que estão nas prisões, maioritariamente? Pessoas racializadas. Há uma sobre-representação das pessoas racializadas nas prisões. Esta realidade também tem a ver com a relação entre a administração da justiça e a administração da segurança. Há uma porosidade ideológica preocupante na intervenção musculada, violenta e abusiva das forças de segurança, numa estratégia de criminalização de determinados corpos e territórios, que depois tem o seu respaldo nas decisões da justiça.
Casos concretos: o Danijoy. Como é que um jovem de 23 anos, que pela primeira vez comete um crime, furto de telemóveis, é condenado a seis anos de prisão? Como é que isto é possível?
No início da pandemia aconteceram dois momentos que nos mostram como o racismo está muito impregnado nas forças de segurança e como nós, a sociedade, estamos a banalizar isto. O primeiro episódio foi o aparato que se mobilizou quando detetaram três ou quatro casos de Covid na pensão onde viviam refugiados. Uma intervenção sanitária transformou-se numa intervenção policial. Ainda hoje estou chocado com a decisão que foi tomada. Decidiu-se levar aqueles requerentes de asilo para uma base militar, para a Ota! Como se fossem criminosos ou prisioneiros de guerra.
Semanas depois, a pretexto de fechar um bar no Bairro da Jamaica que seria um foco de propagação da Covid, uma operação de intervenção sanitária transformou-se numa operação de brutalidade policial, com um circo mediático montado para o país inteiro ver que aquelas pessoas e aqueles territórios são um perigo para a comunidade como um todo. Essa ideia de que territórios, corpos, espaços são perigosos é o estratagema que as forças de segurança encontraram para legitimar a violência nos bairros suburbanos.
A comunicação social tem tido um papel importante neste estratagema de criminalização das pessoas racializadas?
Totalmente. O último exemplo é o da rede mafiosa dos diamantes. É indigno o trabalho jornalístico em torno desse caso. De repente, parece que o que está em causa é uma infiltração de jovens periféricos no Exército. O que devia preocupar o Estado e a sociedade é como é que, dentro do Exército, se forma uma rede mafiosa dessa dimensão, transnacional, que envolve Portugal, República Centro-Africana, Brasil e paraísos fiscais. Não se quer aprofundar a raiz do problema. Como é que é possível achar-se que são três jovens dos bairros que vão montar uma operação de dimensão global dessa natureza?
Assistimos sempre a uma tentativa de criminalização, e às vezes bem conseguida, de jovens ou de espaços periurbanos. Mas ainda não tínhamos chegado a este nível.
Há toda uma necessidade de construir uma ideia de perigosidade, porque, sem ela, teríamos de assacar responsabilidades das forças de segurança por não respeitarem os mínimos códigos deontológicos na sua intervenção. Estou sempre a perguntar por que é que a polícia não tem o mesmo código de procedimento quando vai à Lapa, comparativamente àquele que tem na Buraca, por exemplo. Um porta-voz da PSP responde-me que são territórios diferentes. Ora, claro que sim. Mas quando lhe pergunto por que é que são diferentes, não me responde. Aliás, a única que consegue dizer é que bairros como a Buraca são sítios perigosos, e assim justifica-se tudo. Vimos o diretor nacional da PSP, no dia da tomada de posse, e em entrevistas que deu, dizer que não viu nenhuma violência contra a Cláudia Simões. No entanto, não foi só o agente Carlos Canha que foi acusado pelo Ministério Público, foram também os seus colegas.
Se olharmos para o que aconteceu nos últimos anos, são dezenas de mortes à mão da polícia. E mortes que nos deviam envergonhar como comunidade e envergonhar o sistema de justiça. Para mim, os dois casos mais emblemáticos são as mortes do Kuku e do Musso. O Kuko (Edson Sanches) foi abatido à queima-roupa quando tinha 14 anos. Não consigo perceber como é que se invocou naquele tribunal o conceito de legítima defesa. Se tivesse havido uma luta, ou se o Kuku estivesse armado, podíamos, em tese, admitir legítima defesa. E mesmo que fosse legítima defesa, não seria na cabeça. Quem atira à cabeça, à queima roupa, a menos de 25 cm, quer assassinar.
Outro caso extraordinário é o do Tony, e pela seguinte razão: ouvimos em tribunal o diretor nacional da PSP da altura dizer que eles desconheciam o caráter letal da arma que matou o Tony. Isto é aberrante. Como é que é possível o Estado ter uma polícia que acha que pode experimentar armas sobre pessoas? E transformar estes bairros em laboratórios de violência? É tão profundamente colonial. É a ideia de que são menos do que humanos, que podemos aplicar-lhes todas as sevícias que quisermos.
No outro dia estava num bairro da Área Metropolitana de Lisboa e duas idosas disseram uma frase que me ficou na cabeça: “agora a polícia não fala”. Antigamente, quando a polícia fazia rusgas nos bairros, havia a lógica do polícia bom e do polícia mau. Ia um carro para observar, chegava um graduado que falava com as pessoas antes de chamar o reforço. Agora não há isso, entram nos bairros como se estivessem em zonas de guerra. E não se fala com ninguém. Ou seja, nem se dá hipótese de as pessoas exercitarem o seu direito de cidadania. O direito à defesa e à integridade física é um direito constitucional.
Continua a haver uma ausência total de dados sobre o racismo e as discriminações raciais. Consideras que esta ausência da recolha de dados étnico-raciais condiciona a possibilidade de termos um programa efetivo de combate ao racismo?
Falta muita seriedade no debate, sobretudo por parte do Estado. Ninguém consegue resolver um problema cuja dimensão desconhece. E a única forma de saber a dimensão do problema do racismo é ter dados sobre o racismo. O Estado não quis fazê-lo por várias razões. Mas há duas que me parecem de apontar. Primeiro, tem a ver com as questões mais simbólicas.
No dia em que aceitarmos uma recolha de dados como ela é feita noutros países, como o Brasil ou o Canadá, vamos, finalmente, dar-nos conta de algo que é real, mas que recusamos ver, coletivamente. O país mudou, há muito tempo. E vai continuar a mudar. É irreversível. A “cor da paisagem” humana do país deixou de ser monocromática e tem de mudar nas cabeças e nas insituições. É preciso enfrentar o medo do desaparecimento, como sempre o sonhamos. Porque não há desaparecimento, há transformação. As sociedades não desaparecem, elas mudam, transformam-se. A presença de pessoas não-brancas na sociedade portuguesa participa dessa transformação. Há esse lado do subconsciente coletivo no medo da recolha dos dados.
Algumas das pessoas que estiveram no grupo de trabalho que eram contra a recolha de dados parecem-me estar marcadas pela racialização. Estão a fazer um esforço enorme para sair da noite colonial, do ponto de vista psicológico. Perceberam que o seu percurso de vida enquanto retornados os remete sempre para a ideia de que houve uma altura em que a raça era um dispositivo importante de classificação com a qual conviveram. E estão obcecados com isto. É um medo compreensível. Mas se ele é mobilizado nos tempos atuais, o que ele faz é provocar um efeito boomerang. Ou seja, em vez de se pensar que isto é uma forma de se evitar uma essencialização das pessoas e de legitimar a racialização, como diziam alguns no grupo de trabalho, deve-se pensar que quem não reconhece a diferença com ela não consegue viver. O medo da diferença é só a incapacidade de com ela poder conviver.
Depois, há a questão política de fundo. Uma recolha de dados étnico-raciais também ia demonstrar o fracasso do compromisso coletivo de combate ao racismo. Porque não haverá área nenhuma em que essa desigualdade não seja gritante. O Estado não está disposto a olhar para o seu próprio fracasso.
O racismo cria desigualdade. E a desigualdade tem um custo imenso em dignidade, em bem-estar. E a dignidade e o bem-estar têm um custo económico. Tem de se investir para criar melhores condições de vida para as pessoas. Isso obriga a um compromisso. O Estado tem de estar disposto a fazer opções estratégicas. Eu sei que vou ser novamente mal interpretado, mas, com todo o respeito que eu tenho pelas Artes, eu olho para o dinheiro que o Estado vai gastar com a feira do Dubai e olho para o dinheiro que o Estado português está disposto a gastar para ter um plano-piloto que seja na área da Educação, e tiro uma simples conclusão: o Estado português ainda não está comprometido a combater o racismo. Não dispensa os meios necessários para tal.
Os dados poderiam, precisamente, ajudar a olhar para cada área e perceber onde é que a desigualdade é mais gritante. E quais as etapas que devemos percorrer para combater estrategicamente as desigualdades. Isso permite planear o combate contra o racismo e avançar com medidas concretas.
Vão-me dizer que, pela primeira vez, há um plano nacional de combate ao racismo. Esse plano resulta da mobilização do movimento social. Mas é preciso lembrar que este plano é muito curto. A única medida de grande alcance é a das vagas para o ensino superior. E, mesmo essa, é muito pouco ambiciosa. Além de que tem problemas reais de tradução concreta. Eu pergunto-me como é que se vai traduzir, por exemplo, do ponto de vista territorial e geográfico esse plano a nível das vagas previstas. Gostava de saber quais são os territórios visados. A desigualdade no acesso à Educação tem impacto distinto nos diferentes territórios. E como é que garantimos a continuidade desse processo? O plano tem quatro anos, de 2021 a 2025. E depois, como é que se faz? Quais são os mecanismos de financiamento? Vamos endividar as famílias para manter os seus filhos no sistema de ensino superior? Não está claro no plano. Nem sequer está claro o modelo de financiamento do plano em si. Presumir sem o assumir que é a partir da responsabilidade tutelar de cada área governativa não quer dizer nada. Em que fatia está este plano no orçamento? São fundos europeus? E em que rubrica? Não se sabe.
Por outro lado, as metas são muito fracas. Há uma confusão entre metas e objetivos no plano. É necessária uma revisão do plano. Há a ideia de que tudo isso se pode resolver com a criação de um observatório. Não quero ser desmancha-prazeres, mas, se o modelo é, mais ou menos, baseado no Observatório das Migrações, tenho sérias dúvidas. É importante que o Observatório exista, mas o desenho que está previsto replica o modelo que já existe e não serve para combater o racismo. A partir do momento em que transformas o Observatório num nicho académico apenas, o que fazes é manter o privilégio de determinadas pessoas, que vão pensar e propor soluções para o racismo sem a participação das vítimas desse mesmo racismo. Não é esse o modelo no Brasil, não é esse o modelo no Canadá. Penso que o modelo do Canadá seria o mais adequado: o modelo entre pares. Aí sim, há uma capacidade de fiscalização das metas e de proposta de alteração de rumo. Temos de aceitar, sem dúvida, que são avanços. Mas temos de ir mais fundo.
Assumimos aqui que, neste momento, há um estado de negação do racismo e que a violência racista não diminuiu, muito pelo contrário, há sinais que apontam que ela tem crescido exponencialmente. Qual é a importância, neste contexto, da mobilização e da luta anti-racista? E qual a importância de dar eco às vozes das pessoas racializadas para que haja uma perceção generalizada do flagelo com que nos confrontamos?
Eu disse-o no documentário do SOS. Há um contributo imenso do movimento anti-racista para a luta social, num momento muito difícil em que as nossas vidas mudaram por causa da pandemia. O setor da sociedade a levantar-se e a sair à rua, enfrentando a extrema-direita, foi o movimento anti-racista. Há uma lição que temos de tirar. Acho mesmo que houve uma rutura, um novo paradigma.
A manifestação do dia 06 de junho de 2020, realizada nas condições em que estávamos, demonstrou uma coisa muito importante: ao contrário do que quer determinada imprensa, determinados setores de espectro político, o anti-racismo não está acantonado a um nicho, a um beco sem saída. Primeiro, foi uma das maioríssimas manifestações da história deste país. Cerca de 30 mil pessoas mobilizadas numa manifestação contra o racismo é inédito. E ela estava muito diversa na sua composição étnica. Existia também uma enorme politização das palavras de ordem. Acho que foi um dos momentos em que o movimento mostrou maior capacidade de politização através do discurso que protagonizou. Muitas pessoas que apareceram não estavam ligadas a nenhum movimento, mas a influência do movimento foi tal que o discurso penetrou em camadas que, supostamente, estavam muito alheias à mobilização social. Isto é muito importante.
Acresce que acho que isto mostrou que todo o medo e todo o pânico que a direita reacionária e a extrema-direita tentaram instalar no país tem a ver com a força do movimento anti-racista. Somos bombardeados com a ideia de que há uma cultura woke, há o marxismo cultural, os identitaristas, os terroristas de estátuas… Temos todo um dispositivo retórico no espaço público mobilizado por pessoas importantes dessa esfera.
Quero lembrar que o Paulo Santos, assessor do presidente da República, um dos mais próximos de Marcelo Rebelo de Sousa, passou um bom tempo a escrever no seu Facebook sobre os novos inquisidores. Quem eram os novos inquisidores? O movimento anti-racista. E quando uma pessoa como ele, que também foi candidato de um partido da direita, a Aliança, para as europeias, se dedica a atacar o movimento anti-racista significa que o movimento está a fazer mossa. Os cronistas-mor da imprensa, assustados com a possibilidade de uma polarização que vai rebentar com a coesão social, já perceberam que os consensos moles e o status quo já não vão vigorar, que o movimento não vai permitir que isso aconteça. E que, por arrasto, consegue também pôr em cima da mesa a possibilidade da movimentação social e da articulação.
Vejamos a última manifestação pela Justiça Climática. Esta teve a lucidez, a generosidade militante e a perspicácia política de adiar a sua manifestação para permitir que a manifestação pelo Danijoy acontecesse. E depois de juntar as duas agendas, como se tinha feito no dia 06 de junho. Isso é uma revolução no que toca à capacidade de articulação e convergência. Levámos muito tempo a conseguir coisas destas. Articular o movimento anti-racista com outros elementos de luta é um desafio. Essa articulação está a ser ganha. Claro que vai levar muito tempo, porque o mundo mudou, a pandemia mudou muito a forma como nos organizamos politicamente. No entanto, nos últimos dois anos, há motivos para acharmos que estamos no bom caminho.
Manifestação de 2 de junho de 2020, aquando do assassinato de George Floyd. Foto de Manuel de Almeida, Lusa.
Provavelmente, o maior desafio é como é que vamos manter este caminho sem correr o risco, porque ele existe, das fraturas. Vivemos num momento em que a extrema-direita tem uma via verde no país. Uma via verde aberta pela direita, pela reconfiguração do espaço das direitas e pela banalização que a social democracia faz da questão racial. A partir do momento em que o primeiro-ministro me comparou por exemplo, a André Ventura, desvalorizou completamente a possibilidade de uma convergência maior no combate contra o racismo. Ele hipotecou esta possibilidade. E não percebeu, ao fazer isso, que deu uma machadada no próprio projeto democrático. A partir do momento que ele acha que um projeto de amor à humanidade é igual a um projeto de ódio à humanidade, porque é disso que se trata, banalizou completamente qualquer possibilidade de construirmos cordões sanitários e linhas vermelhas acerca do racismo e do fascismo.
O que leva o partido de extrema-direita a uma estratégia que eu chamo de precedência legislativa. Eles sabem o que é que isso significa em termos de tática política. O tipo que lidera esse partido sabe que a maior parte das propostas que apresenta não podem ter procedência jurídica. São inconstitucionais. Mas criam precedentes no debate público. Quando ele diz que vai confinar ciganos, ele sabe que é ilegal e inconstitucional. Ainda assim, criou este espaço no debate institucional. Ele fá-lo porque sabe que pode criar um precedente no debate legislativo e ganhar mais espaço no imaginário coletivo.
E é importante lembrarmo-nos disto, até pelo que está a acontecer em França. O Sarkozy, em 2008, fez duas propostas. Na altura, o SOS foi das poucas organizações em Portugal que se manifestou contra aquilo. E as pessoas acharam que éramos meio lunáticos e exagerados. À época propôs uma diretiva de retorno e aquilo a que ele chamava a “retirada da nacionalidade”. Foi um debate intenso em França. Aqui, ninguém quis saber. As duas propostas foram derrotadas, porque toda a gente achou que eram inconstitucionais. E o que é que está a acontecer agora? Há legislação que permite expulsar as pessoas, como aconteceu em Calais, retirar a nacionalidade e perseguir os movimentos. Foi assim que agora dissolveram uma organização da comunidade muçulmana, supostamente pró-apologia ao terrorismo.
Quando este tipo aqui em Portugal, este fascista, faz propostas que sabe que agora não vão passar, utiliza esta estratégia. Procura criar um precedente no debate público para, daqui a uns tempos, ganhar espaço para as suas propostas. Ele não o esconde. Diz que quer um outro regime. Nesse regime, são essas propostas que vão sustentar o seu projeto politico, que é um fascismo zero ponto dois.
Um dos desafios é potenciar todas as vozes do movimento anti-racista que estão a ganhar dimensão e precisam de eco, precisam de se multiplicar.
Um dos desafios é potenciar todas as vozes do movimento anti-racista que estão a ganhar dimensão e precisam de eco, precisam de se multiplicar. Isso não quer dizer que haja sempre convergências. Mas é essencial esta busca da convergência. Num tempo sinistro que está a contaminar não só o espaço político como também o mediático, é quando nós conseguimos imprimir uma ideia de que há uma necessidade imperiosa de convergência contra o fascismo que alimenta e se alimento do racismo. Esse é um desafio do movimento anti-racista e é também um desafio da esquerda. Como é que vamos reconciliar as tradições antifascistas com a necessidade de um combate anti-racista mais adequado às novas circunstâncias políticas, com todas as suas formas e declinações nas suas expressões? Como é que fazes esta aliança? Como é que constróis este programa? É dando centralidade política e densidade programática à questão racial no âmbito das lutas contra as desigualdades.
Penso que é importante recusarmos que a direita e a extrema-direita nos imponham a sua agenda no debate público. Há debates que servem para nos dividir, que nos podem desviar do foco essencial, e é isso que a direita e a extrema-direita pretendem fazer. Estamos a fazer-lhes um favor. E, por isso, não devemos nunca alinhar nos jargões que se inventam para criar anátemas sobre o movimento anti-racista. São jargões que nos enfraquecem como projeto de convergência. Isso não quer dizer que não devemos discutir as coisas. Tenho dúvidas sobre vários conceitos, mas o que eu tenho de discutir é como é que tenho de responder ao racismo estrutural. Não é uma questão de fugir aos debates, até porque, ao participar nos mesmos, posso conseguir entender quais são os modelos ou formas de organização dentro dos vários movimentos que compõem a luta social. Ainda por cima porque há vários níveis de movimentação.
Estou sempre maravilhado ao ver que o lado interseccional da luta está a ganhar imensa expressão no movimento anti-racista. Há seis anos, isso era um desafio grande. Hoje não.
É uma das grandes conquistas?
É uma enorme conquista. Há uma expressão que eu gosto de roubar à Raquel Lima. Ela fala não só na interseccionalidade como também na intraseccionalidade. Esse debate penetrou o movimento anti-racista, mas dentro do movimento ele tem de ser ainda mais discutido. Ou seja, como é que nós temos de discutir o machismo, a homofobia dentro próprio movimento anti-racista. São conquistas brutais. Hoje vamos a qualquer evento, a qualquer mobilização, e notamos esta presença. E depois notamos outra coisa: nas últimas manifestações, sobretudo as quatro últimas, vemos pessoas que se manifestam pela primeira vez.
Então é certo que o fascista ganha espaço de discussão, mas também é certo que as mossas criadas pelo movimento anti-racista vão ser cada vez maiores?
Absolutamente. Ele já percebeu que quem o pode derrotar realmente é o movimento anti-racista. O problema é que a direita convencional e a social democracia não perceberam. A direita cavalga a retórica dele. Ora, as pessoas preferem o original à cópia. É um favor que lhe fazem. Quantas mais tiradas à Nuno Melo ou à Rui Rio existirem para reforçar a negação do racismo, melhor para a extrema-direita e o atual paladino.
O PS francês é um bom exemplo. Está reduzido a nada porque decidiu que, programaticamente, tem de recuperar e higienizar a retórica de extrema-direita. Desde quando é que um Estado se arroga de agente de um proselitismo laico? É um contra-senso. Não é papel do Estado ser um proselitista laico. Não fazem sentido todas as leis liberticidas sobre liberdade religiosa, e eu sou insuspeito de ter simpatia por religiões. E o que acabou com o projeto do PS francês foi esta estratégia. Neste momento em França, o tipo que poderá chegar à segunda volta, o Zemmour, cresceu nas barbas da direitização da retórica anti-imigração que aumentava dentro PS francês. Foi fabricado por pessoas próximas do PS nos media. Era convidado de pessoas que hoje estarão arrependidíssimas. Mas foram elas que o fabricaram, porque ele era um polemista e dava buzz e audiências....
É o que está a acontecer também em Portugal. Temos figuras como o João Miguel Tavares, o Henrique Raposo, a Helena Matos, o José Manuel Fernandes, o Jaime Nogueira Pinto, Alberto Gonçalves, Camilo Lourenço, Digo Quintela, Tiago Dores, etc, são várias, que são tidas como enfants terribles da direita, dizem o que querem, até atacam a direita, podem também dizer as maiores enormidades que a extrema-direita. É tudo visto como normal e encarado como liberdade de expressão. É isto que cria maior espaço para o fascismo e lhe dá maior dimensão, participando na banalização do racismo que dali advém..
Quando o João Miguel Tavares diz “Eu sou branco e digo o que me apetece” a propósito de um vómito racista da Maria Bonifácio, está tudo dito. E ele é um tipo que escreve num jornal, supostamente, de centro-esquerda, o Público. E o diretor do jornal, o Manuel Carvalho, que está sempre a atacar organizações que ele classifica de extrema-direita, como Bloco ou o SOS e o movimento anti-racista em geral, faz parte de uma categoria de opinadores que tentam retirar legitimidade ao anti-racismo, quando fazem esta comparação entre o racismo e o anti-racismo, equiparando-os. Mais uma vez, é uma estratégia. E não devemos cair nela. Um dos riscos enormes é essa ideia de banalizar completamente o racismo. E aí estamos tramados. Temos de perceber que estes indivíduos já não são o que foram. Hoje eles têm uma estratégia de captura institucional de alguns instrumentos de Estado, infiltram-se no sistema de segurança e no sistema de justiça. O que os torna mais difíceis de combater. E mais perigosos.