Votação climática pouco avança no Parlamento Europeu

09 de junho 2022 - 18:11

Chumbo da revisão do mercado de emissões europeu seguiu-se à aprovação de emendas pelas bancadas da direita, liberais e extrema-direita que desvirtuaram a proposta original da Comissão Europeia, o que reduziria ainda mais a sua ambição no corte de emissões.

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Foto Fred marvaux/Parlamento Europeu

Esta semana de plenário do Parlamento Europeu incluiu a votação de parte das propostas legislativas do pacote climático da UE, "Fit-for-55". Este voto conferiria ao Parlamento o mandato para negociar em trílogo com a Comissão e o Conselho a versão final das legislações. 

Terça foi o debate e quarta procedeu-se à votação das medidas. A primeira sessão começou com o relatório mais controverso - a revisão do mercado de emissões europeu (ETS, na sigla em inglês de Emission Trading System). O resultado foi a reprovação do mercado de carbono com 340 votos contra, 265 a favor e 34 abstenções. O chumbo implica voltar a negociações para a comissão de trabalho competente (ENVI) até poder prosseguir no demorado processo legislativo europeu. 

A direita, os liberais e a extrema-direita enfraqueceram o texto

O eurodeputado José Gusmão resumiu o que se passou na reunião: “Depois de meses de negociação, a comissão ENVI no PE conseguiu introduzir algumas melhorias à proposta de revisão da Comissão ao mercado de emissões europeu. Não é tarefa fácil. O mercado sempre se mostrou ineficiente na redução de emissões e socialmente injusto, concedendo lucros extraordinários a empresas poluentes”. E acrescentou que “a proposta original da Comissão alargava o mercado para setores especialmente delicados como a habitação e os transportes rodoviários, não previa quaisquer salvaguardas aos consumidores, fixava metas pobres e mantinha ainda durante muito tempo borlas a empresas”.

O chumbo da revisão deveu-se a alterações introduzidas pelo grupo de direita Partido Popular Europeu e apoiadas pelos liberais (Renew), os conservadores (ECR) e a extrema-direita (ID), que reduziam severamente as ambições, já por si moderadas e fruto de negociações, da Comissão de trabalho competente. 

Após ter visto a sua bancada votar ao lado da extrema-direita nas emendas que diluíam os efeitos das propostas da Comissão e iam ao encontro dos desejos do lóbi dos combustíveis fósseis, a eurodeputada do PSD Lídia Pereira queixava-se horas mais tarde que os “socialistas Europeus do S&D aliaram-se hoje à extrema direita ID, à extrema esquerda do The Left e chumbaram a revisão do Sistema de Comércio de Emissões da UE (EU-ETS) e comprometem os objetivos de redução de emissões de carbono na Europa”.

A posição a votos propunha que as emissões dos setores cobertos pelo mercado fossem reduzidas em 67% até 2030, em vez dos 61% da Comissão. Passou uma alteração que propunha antes 63%. No entanto, tal será conseguido com a retirada de circulação de 70 milhões de licenças em 2024 e 50 milhões em 2026, em vez da proposta da Comissão que reduzia já em 2024 117 milhões. Ou seja, atrasou-se a urgência.

José Gusmão dá mais dois exemplos. Primeiro, a introdução da energia renovável como elegível para financiamento através do Fundo de Investimento Climático, criado com uma percentagem das receitas geradas pelo ETS. Depois, a ENVI sugeria um plano de eliminação das licenças atribuídas de forma gratuita aos setores cobertos pela criação do Mecanismo de Ajuste Carbónico Fronteiriço (CBAM na sigla em inglês) de forma faseada até 2030. A direita deixou cair esta emenda para voltar à proposta original de o fazer até 2034.

CBAM e Fundo Social para a Ação Climática ficaram bloqueados

Com o chumbo da revisão do ETS, o Parlamento Europeu decidiu ainda adiar a votação final do Fundo Social para a Ação Climática, ainda que aprovando primeiro as alterações a votos, e toda a votação do CBAM.

O primeiro destina-se a apoiar os custos da transição energética que recaem sobre a população mais vulnerável. Divide-se em apoios diretos a famílias em situação de pobreza energética e de mobilidade, e investimentos de longo prazo como a melhoria da eficiência energética do parque habitacional e da rede de transportes públicos.

No entanto, a Comissão fez depender todo o seu financiamento de 25% das receitas da criação do segundo mecanismo de troca de licenças das emissões provenientes dos setores dos transportes rodoviários e dos edifícios (ETS 2). Como a revisão que previa este segundo foi chumbada, este fundo não foi viabilizado. Exatamente por defender que o seu financiamento deveria ser assegurado pela Comissão através de outras receitas, o Bloco de Esquerda votou na especialidade contra as cláusulas do orçamento que previam esta ligação.

Quanto ao CBAM, a ideia subjacente é que sirva como alternativa à atribuição de licenças gratuitas que são concedidas para combater uma suposta fuga de carbono, isto é, o medo que a indústria se desloque para países com leis climáticas menos ambiciosas. Sob este mecanismo, os importadores da UE passariam a comprar certificados correspondentes ao preço do carbono que teria sido pago se as mercadorias tivessem sido produzidas de acordo com as regras da UE. Dito de outra forma, consiste na atribuição de uma taxa de carbono sobre produtos importados de forma a equipará-los aos produtos produzidos internamente. Assim, desmotiva as empresas a deslocarem-se em busca de um tratamento climático mais fraco e tenta promover a descarbonização da indústria nos países em desenvolvimento. 

Como a taxa implementada resulta do preço estabelecido no mercado de carbono, decidiu-se adiar a sua votação. As principais críticas que o Bloco faz ao mecanismo são exatamente esta escolha de ligação reproduzir as mesmas falhas que o mercado já apresentou e a não eliminação imediata das licenças gratuitas.

Já os dois relatórios que se ocupavam da revisão do mercado de carbono para o setor da aviação, incluindo a redução das licenças que são atribuídas gratuitamente aos voos intra-UE e o tratamento dos voos internacionais, mantiveram a sua votação e foram aprovados por larga maioria. 

Direita portuguesa vota contra aumento dos standards de emissões de CO2 nos carros

Na segunda sessão do dia, foram ainda aprovados o Regulamento Partilha de Esforços, isto é, as reduções anuais obrigatórias das emissões de gases pelos Estados-Membros; Uso do solo, alteração do uso do solo e florestas (LULUCF); e as Normas de desempenho em matéria de emissões de CO2 dos automóveis de passageiros e dos veículos comerciais ligeiros.

Sobre a última, José Gusmão sublinhou que “Esta semana, caiu a máscara à direita sobre transição energética e combate às alterações climáticas. O grupo do PSD e CDS votou sozinho com a extrema-direita negacionista contra os standards de emissões de CO2 nos carros". As exceções foram Lídia Pereira, que votou a favor, e Paulo Rangel, que se absteve.