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"Vida boa é ter a esperança de uma vida digna"

No seu primeiro discurso após a vitória da moção que a propõs como coordenadora, Mariana Mortágua agradeceu a confiança dos delegados, disse contar com Catarina Martins para as lutas dos próximos anos e manifestou o seu "orgulho neste partido em que as opiniões se expressam com exigência e crítica". "Neste pavilhão não soaram vozes de resignação ou de confusão, e muito menos de medo. Aqui falamos da vida que queremos ter", com melhores salários, acesso à saúde e educação de qualidade, combate à corrupção, mobilização pelo clima, direitos LGBT, antirracismo, luta feminista, solidariedade com povos ameaçados na Ucrânia e na Rússia e com as esquerdas em Angola, China, EUA ou Itália. Um debate feito "com a força de quem veio de lutas antigas para ligar o fio da memória aos combates de hoje".
E disse sentir orgulho também "naquelas pessoas que, como o meu pai, quando tudo era treva souberam encontrar a beleza da luta pela liberdade, entregando-nos a democracia e a honra de nascer num país sem tirania nem colonialismo". Uma referência que não perde atualidade, pois "vemos hoje alguns vampiros que querem resgatar o ódio salazarento e que, para isso, tentam enxovalhar essa geração que os derrubou no passado", aponta.
Quanto ao momento político atual, Mariana vê abrir-se "um novo ciclo de incertezas, em que se instalou um poder absoluto que só parece preocupado em sobreviver ao dramalhão do 4º andar do Ministério". E regista que "as patologias do poder transformaram a política num triste entretenimento", pelo que cabe à esquerda "saber olhar para o essencial". E o essencial são o "mais de um milhão e 700 mil pessoas vivem com menos de 554 euros por mês", as mulheres que ganham em média "menos dois meses de salário do que os homens" ou a disparidade salarial em que "o administrador do Pingo Doce recebe, num ano, o equivalente a mais de 250 anos de trabalho de um funcionário da empresa. Tudo é fácil para quem torna impossível a vida da maioria da população".
Quanto aos objetivos eleitorais do seu mandato que agora começa na coordenação bloquista, prometeu "erguer na Madeira a oposição que Miguel Albuquerque teme, a que não se cala perante os interesses que abraçam o PSD e o PS Madeira", com o regresso de deputados ao parlamento regional, saudando a candidatura de Roberto Almada e Dina Letra ás eleições que deverão realizar-se em setembro. No próximo ano há eleições europeias e Mariana Mortágua colocou a fasquia em "sermos a terceira força para ultrapassar o Chega e a IL, enfrentando as alianças da extrema-direita, e para mostrar que há aqui uma esquerda que que disputa a política de sempre do PS e PSD".
"O milagroso crescimento económico português é um logro"
Para Mariana Mortágua, "o milagroso crescimento económico português é um logro porque Portugal nunca se libertou da prisão do modelo rentista" que aprisiona milhões de pessoas à dívida da casa, ao salário baixo, ao contrato precário, ao cuidado informal, à ansiedade e solidão. E a vida democrática "é enxovalhada quando o governo se submete a regras orçamentais que destroem a nossa capacidade de investir ou planear o futuro".
O discurso referiu ainda a direita "que bebe do ressentimento e da angústia de problemas reais, é a primeira a querer impor medidas contra o povo, a apoiar a especulação imobiliária, os interesses da banca e a venda ao desbarato dos recursos do nosso país". E "a essa direita, dizemos: Portugal não será o país onde espancam imigrantes nas fronteiras e em que se multiplicam Odemiras. Portugal não será um país sem serviços públicos de saúde e educação, como escreveu o Chega no seu programa. Portugal não será um país sem salário mínimo nacional, sem escolaridade obrigatória até ao 12º ano ou em que cada universitário se endivida para pagar o seu curso, como propõe a Iniciativa Liberal", prosseguiu Mariana Mortágua, insistindo que "Portugal não será o país onde se chama empresário a um imigrante explorado que pedala com uma mochila às costas, ou onde o género, a identidade, a cor da pele ou a crença são motivos de perseguição".
"Em tempos tóxicos, para impedir uma rampa deslizante para a direita e para a extrema-direita, o Bloco escolhe levar o país a sério", pois a esquerda que desistir de ser exigente por aceitar a chantagem do medo não serve o país. "Não somos biombos de sala, nem cravos de lapela", avisou.
"Não aceitamos que viver pior seja o nosso destino"
Do que a esquerda precisa, prosseguiu Mariana, é de força suficiente para impor "uma política de habitação que controle os preços e garanta casas, para multiplicar as capacidades dos serviços públicos com carreiras mobilizadoras, para acabar com os truques nos impostos, para garantir contratos de trabalho, salários e pensões decentes e para dedicar os recursos à transição energética que temos de fazer".
"Não aceitamos que viver pior seja o nosso destino. Temos o direito e até temos o dever de lutar por uma vida boa, uma vida que não seja consumida num esforço inglório pelos mínimos dos mínimos: uma casa, salário decente, ter cuidados. Cuidados na doença, quando tivermos filhos, quando a idade pesar aos nossos pais, quando a idade nos pesar a nós", resumiu.
"Vida boa é ter a esperança de uma vida digna" e isso passa por lutar por serviços públicos "que nos dêem descanso, em vez de transformarem a idade e a doença num negócio" e ousar criar um Serviço Nacional de Cuidados, "que cria empregos e dá segurança", além da exigência de contratos de trabalho, salários decentes, leques salariais máximos "para que nenhum patrão ganhe nuns meses o que um trabalhador não consegue ganhar numa vida inteira de trabalho". Ou "acabar com a hipocrisia ambiental, que pinta de verde os programas políticos enquanto se constroem gasodutos, se protegem os lucros da GALP e se ignora a produção agrícola intensiva que consome a água que não temos, para depois tratar a seca como uma inevitabilidade ou um acaso".
E nesta luta por um país melhor, Mariana prometeu que o Bloco estará "em todo o lado onde é preciso que se sinta que a solidariedade é a única resposta à ganância e à desesperança", porque este é "o tempo das nossas vidas e vamos mostrar ao país que elas não vão ser desperdiçadas numa escolha entre o mau e o pior", concluiu.
Comentários
Mariana
Sem surpresa, o discurso da MM está recheado de lugares comuns, objectivos diáfanos e poéticos, mas com pouca aderência à realidade. Por serem vagos e de senso comum, são obviamente consensuais, mas o ponto não é esse. O que interessa é como lá chegar e sobre isso nem pio. Os caminhos podem ser variados, mas não passam com certeza por uma direcção totalmente fechada em si mesma, incapaz de discutir as razões profundas dos sucessivos descalabros eleitorais e centrada exclusivamente nos problemas parlamentares, por mais importantes que possam ser. A tudo isto MM acrescenta uma inverdade quando diz que o BE estará onde é preciso. Todos bem sabemos de zonas onde o BE não está nem quer estar. Pior ainda, Catarina M afirmou que voltaria a fazer tudo igual. É o cúmulo da cegueira. Claramente não lhe interessam as causas do afundamento do partido. Com este ponto de início, há a certeza de que o BE nunca irá longe. O sistema agradece reconhecidamente.
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