Veja aqui as cedências e as intransigências da negociação entre Bloco e Governo

24 de outubro 2020 - 15:00

Durante a negociação orçamental, falou-se muito em linhas vermelhas. Das 35 propostas que o Bloco colocou em cima da mesa, manteve 12 e recuou em 19. O governo só acolheu parcialmente três e apenas a uma não colocou reservas.

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Reunião entre Governo e Bloco
Reunião entre Governo e Bloco em maio de 2020. Foto António Cotrim/Lusa

As propostas que o Bloco levou à mesa das negociações foram apresentadas publicamente em várias ocasiões e eram bem conhecidas. Centravam-se no reforço do SNS, na proteção do emprego e dos apoios sociais, e ainda no fim da transferência de dinheiros públicos para o Novo Banco. Dessas 35 propostas, o Governo aceitou incluir uma sem reservas e negociou a inclusão de outras três. Para procurar algum avanço nas negociações, o Bloco secundarizou 19 das suas propostas e manteve 12. Vamos ver quais são, capítulo a capítulo.

Saúde

Tal como na negociação do Orçamento para 2020, ainda antes de se ouvir falar no novo coronavírus, também este ano a defesa do Serviço Nacional de Saúde ocupou o centro das preocupações orçamentais do Bloco de Esquerda. Não surpreende por isso que 14 das 35 propostas entregues a António Costa e João Leão digam diretamente respeito ao setor da Saúde.

Destas 14 propostas, o Governo manifestou abertura para negociar três: Em primeiro lugar, no aumento de vagas para especialidade médica, aceitou que a abertura de vagas dispense o crivo da Ordem dos Médicos, embora sem se comprometer com um número. E propôs também contratar 250 médicos indiferenciados para Saúde Pública com salário no primeiro escalão de internos, apesar do alerta do Bloco de que estes médicos indiferenciados já encontram remunerações muito mais altas como prestadores de serviços ao SNS, pelo que é provável que a medida esteja condenada ao insucesso.

Vagas na especialidades médicas

Em segundo lugar, apesar de recusar a proposta de criar um estatuto de risco e penosidade para os trabalhadores do SNS, o Governo aceitou negociar uma medida temporária com um subsídio de risco por Covid financiado por um programa europeu. Mas nas contas do Governo, esse subsídio só chegará, no máximo, a um quinto dos profissionais, o que corre o risco de vir a aumentar o sentimento de injustiça entre os profissionais de saúde.

Em terceiro lugar, no que respeita às propostas do Bloco para aumentar o número de profissionais do SNS, o Governo apenas garantiu a abertura de concursos, mas sem medidas para promover a efetiva ocupação das vagas. Nas suas contas, é provável que uma em cada três vagas para médicos especialistas fiquem por ocupar, o que pode resultar em menos médicos em várias especialidades. O Governo também coloca dificuldades na contratação de enfermeiros e auxiliares e só se compromete com incentivos para vagas em zonas com especial carência de médicos. Mas o aumento do atual incentivo em 10% por dois anos deverá ter o mesmo insucesso dos aumentos em anos anteriores.

Por seu lado, o Bloco de Esquerda deixou para segundo plano 8 das suas 14 propostas iniciais que o Governo recusou liminarmente: a generalização da possibilidade de dedicação plena nas várias carreiras do SNS, a concretização, prevista para este ano, do Plano Nacional de Saúde Mental, da internalização dos meios complementares de diagnóstico e terapêutica e ainda duas propostas cujo debate ainda decorre em especialidade no Parlamento, sem garantia de aprovação: o das contagens do tempo de serviço dos enfermeiros e dos técnicos superiores de diagnóstico e terapêutica para corrigir injustiças nestas carreiras.

Em três propostas apresentadas a esta negociação, o Bloco não cedeu: a do regime de dedicação plena para médicos, já previsto no Orçamento anterior para chefias de serviços e que ficou por cumprir; a criação da carreira de Técnico Auxiliar de Saúde; e a autonomia das instituições do SNS para contratação para lugares no quadro que estejam vagos, que o Governo quer limitar a contratos com duração de 4 meses.

Emprego

Cedo se percebeu que as medidas que mexem com a legislação laboral seriam as mais difíceis na negociação entre Bloco e Governo. Das 13 propostas colocadas pelo partido na mesa de negociações, o Governo aceitou apenas a inclusão do falso trabalho temporário na lei contra a precariedade e a redução a três do máximo de renovações destes contratos.

Para permitir avanços negociais em algumas medidas, o Bloco não insistiu em seis das propostas que o Governo recusou. São elas o aumento do salário mínimo em 35 euros, a proibição de despedimentos nas empresas com lucros, o fim da possibilidade de renúncia individual à proteção do Código de Trabalho, a aplicação de acordos coletivos a trabalhadores em outsourcing, o fim da possibilidade legal de uma empresa até 250 trabalhadores não fazer contratos permanentes no início de atividade e a redução para seis meses do prazo máximo das renovações de contratos no trabalho temporário.

Aumento do desemprego entre março e junho 2020

Em outras seis medidas, o Bloco não cedeu. Assim, manteve as propostas de aumentar de compensação por despedimento para 20 dias por ano de trabalho e para 30 na cessação de contrato a termo, a obrigatoriedade de manutenção de emprego (proibindo despedimentos e cessação de contratos de trabalho precários) em empresas que recebem apoios públicos, o fim da caducidade unilateral da contratação coletiva, a reposição do princípio legal do tratamento mais favorável ao trabalhador, a eliminação do alargamento do período experimental e a obrigatoriedade de celebração de contratos de trabalho pelas plataformas digitais como a UberEats, Glovo, etc.

Proteção Social

Nesta parte das negociações, das seis propostas apresentadas, o Governo não aceitou nenhuma e o Bloco continuou a insistir em duas: a retoma das regras anteriores a 2012 na ponderação da idade e tempos de desconto para acesso ao subsídio de desemprego, que permitiria proteger pelo menos 50 mil trabalhadores cujo subsídio termina no próximo ano, ou seja, em plena crise; e o fim da penalização dos menores no cálculo do acesso à nova prestação social, estabelecendo na condição de recursos a cobertura de todo o agregado familiar pelo limiar de pobreza.

Limiar da pobreza e subsídios de desemprego

Ainda no que diz respeito a esta nova prestação social, o Bloco não insistiu na proposta de definir como limiar mínimo da prestação metade do valor do Indexante de Apoios Sociais ou o valor da perda de rendimento, quando esta seja inferior a esse valor. O mesmo aconteceu à proposta de aplicar a prestação a todo o ano de 2021 tendo como potenciais beneficiários, em condições de igualdade, todos os trabalhadores que perderam rendimento com a crise e não têm acesso ao subsídio de desemprego. Quer a proposta de restabelecer o Salário Mínimo Nacional como referência para os tetos mínimo e máximo do subsídio de desemprego, como a de alargar a condição de recursos no acesso ao Subsídio Social de Desemprego, retomando regras anteriores sobre capitação, e estender a 2021 a redução dos prazos de garantia definida para 2020.

Novo Banco

Também aqui as divergências eram bem conhecidas. No curso das negociações, o Bloco não insistiu na proposta de colocar os bancos a capitalizarem diretamente o Novo Banco, em vez de ser o Fundo de Resolução a fazê-lo, acrescentando perdas futuras para os contribuintes. Mas manteve a exigência, também recusada pelo Governo, de suspender os pagamentos ao Novo Banco até estar concluída uma auditoria à gestão do Novo Banco sob as orientações do Lone Star.

Capitalização do Novo Banco: as propostas do Governo e as do Bloco