Nas eleições gerais de domingo, 14 de maio, os eleitores turcos vão votar em 600 membros do parlamento e na poderosa presidência do país. Estas eleições tornaram-se intensamente competitivas num país que sofreu uma grave erosão democrática ao longo da última década, mas que pode agora estar à procura de uma mudança.
O presidente turco, e antigo primeiro-ministro, Recep Tayyip Erdogan está a tentar prolongar o seu governo de 21 anos, mas a candidatura unificada da oposição está agora consistentemente à frente nas sondagens. Muitos partidos da oposição concordaram em nomear o líder do Partido Republicano do Povo (CHP), Kemal Kilicdaroglu, como seu candidato, ultrapassando as anteriores divisões.
Kilicdaroglu lidera o CHP desde 2010 e ajudou a liderar algumas das recentes vitórias da oposição nas eleições locais. Pertence à minoria alevita da Turquia, uma tradição islâmica que tem sido perseguida ao longo dos anos, e seria o primeiro líder alevita a ser eleito. A sua nomeação como candidato presidencial não foi fácil, com os líderes dos partidos aliados a preferirem inicialmente o carismático presidente da câmara de Istambul, Ekrem İmamoglu.
Mas Kilicdaroglu conseguiu assegurar o apoio de um vasto leque de partidos que formam agora a Aliança Millet (nação). Estes incluem: o nacionalista İyi, o pequeno partido religioso Felicidade, o partido conservador Democrata e dois grupos dissidentes do Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP) no poder - o partido Democracia e Progresso e o partido Futuro. Desde que a sua candidatura foi confirmada, Kilicdaroglu tem mantido uma vantagem constante, mas estreita, sobre Erdogan nas sondagens. Muita gente se pergunta agora que mudanças fariam Kilicdaroglu e a sua coligação.
O passado e o presente de Erdogan
Em 20 anos de governo do AKP, Erdogan centralizou massivamente o poder, enfraquecendo o estado de direito e os controlos e equilíbrios constitucionais. Desfazer este processo é uma política central para a aliança e foi destacada no projeto de pacote de reforma constitucional que publicaram em novembro passado. Este documento propõe medidas para evitar que futuros líderes acumulem poder como Erdogan fez, bem como para reforçar a independência do poder judicial. O manifesto eleitoral da aliança, publicado em janeiro de 2023, também enfatizou fortemente esses temas.
Ao longo dos anos, o governo do AKP assumiu o controlo da maioria dos meios de comunicação social do país. Além disso, em 2022, foi aprovada uma lei de desinformação de teor vago, que tornou mais fácil para o regime reprimir os seus críticos e reforçar o seu controlo sobre as plataformas online. O líder da oposição e a coligação colocaram a tónica na liberdade de expressão. Kilicdaroglu divulgou recentemente um vídeo na sua conta do Twitter, afirmando que: "Se eu me tornar presidente, vocês serão livres de me criticar". Prometeu também revogar a lei sobre o insulto ao Presidente, que é punível com pena de prisão de um a quatro anos.
A campanha da oposição tem-se centrado em planos para reverter algumas das alterações que Erdogan fez à Constituição turca desde 2002. Isto é amplamente apoiado pelos partidos da coligação, que se opõem ferozmente ao sistema hiper-presidencial introduzido em 2017 e que concentrou o poder nas mãos de Erdogan.
As propostas discutem a reestruturação para um sistema parlamentar e a redução do domínio do executivo. O presidente seria limitado a um único mandato de sete anos, o cargo de primeiro-ministro seria restabelecido e o veto presidencial seria abolido, aumentando o poder do parlamento. Isto é, em parte, uma resposta à extrema personalização do executivo que tem ocorrido sob Erdogan e ao domínio de um único partido que existe desde 2002. Também planeiam alterar o limiar da representação parlamentar de 7% para 3% dos votos, para dar uma oportunidade aos partidos mais pequenos.
Mudança na política externa
A política externa da Turquia também poderá sofrer uma mudança significativa se a Millet ganhar. A relação do país com o Ocidente tem sofrido com Erdogan, com o processo de adesão à UE a estagnar, as tensões com a Grécia e Israel a aumentar e o conflito com as forças curdas apoiadas pelos EUA na Síria. A atual relação calorosa da Turquia com a Rússia também tem sido uma fonte de preocupação nas capitais ocidentais. Os partidos da oposição uniram-se em grande medida em torno de uma agenda pró-ocidental. Comprometeram-se a reiniciar o processo de adesão à UE, a cumprir as decisões do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) e a abandonar posições estratégicas contrárias aos seus parceiros da aliança da NATO.
Não é claro se os direitos humanos irão melhorar para o povo curdo, o maior grupo minoritário da Turquia. Nos últimos anos, Erdogan tem vindo a reprimir as organizações e os ativistas curdos, tendo efetuado mais de 120 detenções de ativistas, jornalistas e artistas curdos apenas algumas semanas antes das eleições. Embora alguns elementos da coligação Millet tenham manifestado opiniões conciliatórias em relação aos curdos, os governos do CHP foram igualmente repressivos no passado e a líder do İyi, Meral Akşener, é uma antiga ministra do Interior da linha dura.
A aliança também se comprometeu a construir casas gratuitas para as pessoas que perderam as suas casas nos terramotos catastróficos na fronteira entre a Turquia e a Síria, onde morreram 50.000 pessoas e onde se acredita que as irregularidades nos regulamentos de planeamento levaram à destruição de muitos edifícios de baixa qualidade de construção.
Kilicdaroglu e a oposição começariam com dificuldades. Há anos que a Turquia atravessa uma crise económica. Com taxas de inflação constantemente elevadas e uma moeda significativamente desvalorizada, as restrições económicas são sentidas em todos os sectores da sociedade turca. A oposição terá uma tarefa extremamente difícil para resolver esta situação. A má situação económica do país tem sido uma das razões pelas quais Erdogan perdeu o seu apoio e os eleitores esperam uma melhoria rápida. O país enfrenta também um enorme trabalho de reconstrução na zona do terramoto, onde milhões de pessoas se encontram agora sem casa.
O AKP colocou cuidadosamente os seus fiéis em todas as partes do Estado que não são suscetíveis de cooperar com um novo regime. Independentemente disso, Millet é uma coligação diversificada de esquerda e direita, unida apenas pela sua oposição a Erdogan, e manter este grupo unido durante um mandato inteiro será um enorme desafio.
Balki Begumhan Bayhan é douorando em Política na Universidade de Coventry. Artigo publicado no portal The Conversation. Traduzido por Luís Branco para o Esquerda.net.