Em toda a Europa Ocidental e no resto do Norte Global, os migrantes fazem uma parte cada vez maior do trabalho agrícola. Embora os problemas causados por esta situação variem de país para país, existem problemas universais, como o facto de os trabalhadores receberem salários mais baixos do que o prometido e as habitações precárias e sobrelotadas que carecem de saneamento e de serviços básicos. De um modo geral, os migrantes trabalham nas zonas rurais e efectuam as tarefas mais difíceis, mais perigosas ou menos bem pagas que a população local se recusa a realizar.
Isto levanta a questão de saber o que leva os trabalhadores a aceitarem estes trabalhos. A investigação social no terreno revelou várias motivações. Entre elas estão os salários que, embora baixos, são muitas vezes superiores aos do local de origem do trabalhador migrante. A agricultura também está repleta de trabalho informal, o que significa que é frequentemente a única fonte de emprego disponível para os migrantes sem autorização de trabalho.
Além disso, certas desvantagens estruturais dificultam o protesto e a exigência de melhorias por parte dos trabalhadores. Entre estas desvantagens contam-se o isolamento ou a falta de conhecimento da legislação local e das formas de organização. Em muitos casos, resulta também do seu estatuto migratório precário, que limita os seus direitos civis e políticos e significa que estão sempre em risco de serem deportados.
As empresas do sector tiram partido destas fragilidades. Criaram um modelo económico extremamente lucrativo, em conluio com os Estados europeus que toleraram (ou mesmo encorajaram) esta estrutura, a fim de impulsionar o negócio e alcançar a autossuficiência alimentar.
A autossuficiência alimentar europeia
A agricultura não é apenas um pilar fundamental de qualquer economia, mas também de toda a sociedade. Alimenta a população e, literalmente, sustenta toda a vida humana. A sua importância transcende o volume de negócios que gera: é o sector primário a partir do qual qualquer sistema económico cresce.
Um sector agrícola produtivo não é apenas a chave para o bem-estar social, é também essencial para garantir a segurança alimentar. Isto foi sucintamente expresso por Oliver Wright, antigo diretor da British Food and Drink Federation, em 2017, após a votação do Brexit. Nas suas palavras, "A alimentação está no centro da segurança nacional. Se não conseguirmos alimentar um país, não temos um país".
Garantir a segurança alimentar e a produção tem sido uma prioridade para a União Europeia desde a sua criação, tendo lançado a Política Agrícola Comum (PAC) para esse efeito em 1962. Esta política tem dado provas ao longo da história, até aos dias de hoje, em que, apesar do aumento da inflação devido à guerra na Ucrânia, a UE ainda pode afirmar que é autossuficiente em termos alimentares.
Como é apoiada a produção?
De acordo com os dados do Eurostat, 94,8 % das empresas agrícolas na UE são familiares, mas estas empresas utilizam apenas 17,6 % da área total cultivada. Os restantes 82,4 % estão nas mãos de empresas muito maiores, classificadas como empresas com 20 ou mais hectares de terra. Só entre 2005 e 2020, desapareceram 1,4 milhões de explorações agrícolas familiares.
A tendência é clara: a maior parte da produção agrícola europeia está atualmente nas mãos de grandes cooperativas e empresas. Estas estão principalmente sediadas em Espanha e Itália, que produzem 45% das frutas e legumes frescos da UE. Esta concentração, que revela a existência de uma divisão europeia do trabalho, foi possível graças à aplicação do quadro da linha de produção fabril à agricultura.
Como é que o trabalho é feito?
A agricultura industrial é, essencialmente, a produção em massa de alimentos. O trabalho é transferido das pequenas empresas familiares para se tornar maioritariamente assalariado. Os tempos de produção são reduzidos ao mínimo e medidos ao pormenor, e a tecnologia e os agroquímicos são usados em grande escala. Além disso, a maior parte da produção ocorre na mesma área geográfica, criando enclaves onde todo o processo - desde a plantação até à embalagem e exportação do produto - está concentrado.
Um exemplo paradigmático de agricultura industrializada é o famoso "Mar de Plástico", em Almería, no sudeste de Espanha, visível até do espaço.
No entanto, o aparecimento deste tipo de produção contrasta com a tendência mundial para o despovoamento rural. Coloca-se a questão de saber como se pode criar um sector tão dinâmico em zonas caracterizadas pelo envelhecimento e pelo declínio da população.
Violações de direitos na Europa
A solução veio sob a forma de mão de obra migrante. Atualmente, os trabalhadores agrícolas vêm principalmente de países vizinhos e menos ricos: Norte-africanos, romenos e africanos subsarianos em Itália; o mesmo grupo e latino-americanos em Espanha; albaneses e sul-asiáticos na Grécia; romenos e outros europeus de Leste na Alemanha; ucranianos na Polónia, etc.
Em Espanha, o enclave agrícola da província de Huelva, no sudoeste do país, foi notícia de primeira página depois de a imprensa alemã ter denunciado a exploração laboral e sexual de trabalhadores sazonais marroquinos. Desde então, este e outros problemas do sector agrícola de Huelva - como a presença de bairros de lata - têm merecido mais atenção por parte da opinião pública.
Embora esta sensibilização dos meios de comunicação social seja positiva, o problema não está isolado numa só região. Foram registadas violações de direitos em toda a Espanha, de Almería a Múrcia, Valência e Lérida.
Situações semelhantes ocorrem em toda a Europa, desde a exploração de migrantes irregulares pela máfia em Itália (conhecida como caporalato) até ao endividamento de tailandeses para encontrarem trabalho na apanha da fruta na Suécia. Situações semelhantes podem também ser encontradas na Grécia, Alemanha, Polónia e Países Baixos.
No entanto, é possível que existam alguns passos no sentido da mudança. O Governo grego anunciou esta semana a intenção de conceder autorizações de residência a 30 000 trabalhadores migrantes, numa tentativa de resolver a escassez de mão de obra interna. Embora a medida torne alguns trabalhadores menos vulneráveis, o seu principal objetivo é salvaguardar a economia nacional da Grécia e não melhorar os direitos dos migrantes: não fará nada para resolver problemas importantes como a falta de habitação, nem melhorará a situação de outros trabalhadores que continuam a chegar para trabalhar na agricultura grega e europeia.
Os países da UE construíram as suas indústrias agro-alimentares com base na exploração do trabalho migrante. Esta mão de obra é absolutamente essencial para que o sector funcione como funciona. Chegou a altura de nós, enquanto sociedades, assumirmos a responsabilidade pelas condições de vida destes trabalhadores, impedir abusos e garantir que gozam dos mesmos direitos humanos básicos que qualquer outro trabalhador.
Juan Castillo Rojas-Marcos é investigador em Estudos Migratórios e Sociologia, Universidade Pontifícia Comillas. Yoan Molinero Gerbeau é investigador em Migrações Internacionais na mesma universidade.
Este artigo foi escrito em colaboração com Carlos Ruiz Ramírez, gestor de projeto da Oxfam Intermón para o projeto europeu SafeHabitus. Artigo publicado em The Conversation. Traduzido por Luís Branco para o Esquerda.net.