O líder parlamentar do Bloco de Esquerda apresentou as principais propostas de alteração ao relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) à TAP. Propostas que "não são uma mudança estrutural do documento, mas são uma resolução das omissões estruturais que o documento tem". E deixou o desafio ao PS: "Se o objetivo é chegarmos à verdade, elas têm de ser aceites".
Antes da apresentação, Pedro Filipe Soares referiu-se às críticas do ministro da Cultura ao trabalho dos deputados da CPI, considerando-os "comentários insultuosos à Assembleia da República". E sublinhou que elas estão em contradição com o que o primeiro-ministro antes afirmara, que o Governo não comentaria os trabalhos da CPI antes da aprovação das conclusões finais. Em seguida, questionou: "Quem é que tem medo das conclusões da CPI? É o Governo, e por isso tentou desviar as atenções deste debate do conteúdo da CPI e das consequências políticas que daí devia retirar".
Por isso, apelou aos jornalistas para que "não se deixem envolver na tática política do Governo" que pretende colocar em segundo plano "aquilo que merece ser discutido: o relatório da CPI e as propostas de alteração a esse relatório".
Mas esta não é a primeira vez que o PS tenta pressionar a CPI, prosseguiu Pedro Filipe Soares, lembrando as suspeitas lançadas pelo líder parlamentar do PS, Eurico Brilhante Dias, a propósito das fugas de informação de documentos sigilosos. "Fez acusações a todos os deputados, técnicos e assessorias, sem qualquer tipo de provas" e, como se veio a demonstrar mais tarde, "sem qualquer tipo de razão".
Contratos de gestão: "Os decisores políticos tinham consciência do incumprimento da lei"
Uma das principais alterações propostas ao relatório final tem a ver com os contratos de gestão com os administradores da TAP, que a relatora diz que é da responsabilidade da administração da empresa e da Unidade Técnica de Acompanhamento e Monitorização do Setor Público Empresarial (UTAM). "Do nosso ponto de vista, as audições permitem tirar a conclusão que os decisores políticos tinham consciência do incumprimento da lei" ao não realizarem os referidos contratos, pois "quer o Ministério das Finanças quer o das Infraestruturas sabiam deste incumprimento legal" E o Governo nada fez para o sanar, "pelo contrário, cada vez que era instado para esse efeito, adiava a resposta".
Outra das propostas tem a ver com assuntos como prémios de gestores e privilégios da administração, em que "existia um espaço de privilégio da administração da TAP e esse espaço não era reportado pelos membros do CA que o Estado lá colocou". Ou seja, "ao contrário do que disseram, o Estado pagou, mas não mandou" no período entre 2017 e 2020.
O Bloco pretende ainda ver clarificado que entre 2015 e 2020, período que antecede a entrada maioritária do Estado no capital social da TAP, existiu uma descapitalização da empresa e "o Estado permitiu isso". Depois, quando vem a pandemia e o plano de restruturação, "a empresa estava em pior condição do que as suas congéneres por causa dessa descapitalização", sublinhou Pedro Filipe Soares.
Outra alteração proposta ao relatório visa o reconhecimento de direitos indevidos ao acionista privado. "O negócio dos fundos Airbus, que mais não é do que a compra da participação social da TAP com o dinheiro da própria TAP, não é referido nesses termos no relatório", aponta o líder parlamentar do Bloco. "Neeleman não só entrou na TAP com dinheiro da própria TAP, como acabou por levar uma indemnização a troco desse negócio inicial".
Conduta política de João Galamba não pode ficar de fora das conclusões
Por outro lado, a versão atual do relatório da CPI "transmite a ideia de que não havia um espaço de privilégio da administração e que o Estado não tinha responsabilidade sobre qualquer tipo de privilégio, a não ser a demissão de Alexandra Reis. Não aceitamos essa conclusão" referiu.
O Bloco discorda ainda da retirada dos acontecimentos de 2023 das conclusões da CPI, que foi criada para avaliar responsabilidade política da tutela da TAP. "s trabalhos da CPI recuaram no tempo, mas o mesmo aconteceu no período posterior, de 2023. É por isso que houve audições que se realizaram, como a do atual ministro João Galamba, que ninguém contestou. Não é aceitável que uma parte dos trabalhos da comissão fique de fora do relatório", nomeadamente o que é relativo à conduta de João Galamba no Ministério das Infraestruturas ou à reunião do Grupo Parlamentar do PS com a CEO da TAL promovida pelo ministro das Infraestruturas, que no entender do Bloco "é ilustrativo da promiscuidade entre partido e interesse público". Ou seja, a conduta política do ministro João Galamba "está inerente à atuação da tutela nesta matéria", que é o objeto da comissão, pelo que as conclusões devem refletir isso mesmo.
Principal conclusão política é que "a TAP não pode ser privatizada"
Questionado pelos jornalistas quanto às principais conclusões políticas que retira dos vários meses de trabalhos da CPI, Pedro Filipe Soares destacou três. A primeira é que "a TAP não pode ser privatizada", pois ficou demonstrado que à vontade privatizadora se ficaram a dever "os grandes ataques que a TAP sofreu e que pesam ainda hoje nas contas" da empresa.
Em segundo lugar, o Bloco conclui que "existiu uma atividade promíscua" entre o Governo, o PS e a TAP. "Dessa atividade foram tiradas consequências políticas por Pedro Nuno Santos e Hugo Mendes, mas não foram tiradas por João Galamba", que no entender do Bloco "não tem condições para continuar no Ministério das Infraestruturas".
E em terceiro lugar, as audições realizadas pela CPI vieram mostrar que "o Estado está fragilizado no seu relacionamento com privados" porque ao longo de décadas enfraqueceu a sua capacidade e competência jurídica. "Agora muitos dos governantes implementam uma governação em outsourcing", entregando a escritórios de advogados externos desde decisões estratégicas até à forma como indemnizar os gestores que afasta. Por isso o Bloco conclui que o Estado "tem de se qualificar para defender o interesse público".