A promessa de "parar os barcos" com que milhares de pessoas arriscam a vida na travessia do Canal da Mancha foi uma das bandeiras do atual primeiro-ministro britânico Rishi Sunak. Para travar essa vontade de chegar às costas britânicas, o governo conservador propôs a deportação dos requerentes de asilo para o Ruanda, país com o qual celebrou acordos para acolher essas pessoas e ali tratar dos seus processos.
A contestação da medida por parte das organizações de defesa dos direitos humanos seguiu para a justiça e agora o Supremo Tribunal confirmou que o plano de Sunak põe em risco os requerentes de asilo, quer por poderem ver os seus processos incorretamente tratados, quer por se arriscarem a ser devolvidos aos países de origem, onde podem sofrer perseguições.
A decisão do Supremo surge poucos dias após a saída da ministra do Interior Suella Braverman, que na terça-feira tornou pública a carta dirigida a Rishi Sunak após ter sido afastada do governo, acusando-o de não ter cumprido as promessas que lhe fizera em troca de aceitar apoiá-lo com aquela pasta ministerial. Uma delas era a de abandonar a jurisdição do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, cujas obrigações eram o principal obstáculo ao avanço da "parceria" com o Ruanda para acolher os migrantes e refugiados que chegava ao Reino Unido em busca de asilo.
"A sua rejeição deste caminho não foi apenas uma traição ao nosso acordo, mas uma traição à sua promessa à nação de que faria "tudo o que fosse preciso" para parar os barcos"", escreveu a agora ex-ministra, demitida na sequência das críticas à direção da polícia por supostamente proteger os manifestantes pró-Palestina e defendendo a proibição destas marchas. Braverman, que é vista como uma forte candidata a suceder a Sunak no Partido Conservador, acusa ainda o primeiro-ministro de não ter um "plano B" para o caso da derrota no Supremo, que agora se confirma, o que para ela significa o fim da "esperança de que haja voos até as eleições".
Reagindo ao anúncio do Supremo, a secção britânica da Amnistia Internacional defende que "o Governo tem agora de pôr fim a um capítulo vergonhoso da história política do Reino Unido". Para a Amnistia, "o acordo com o Ruanda - um país com um historial de graves violações dos direitos humanos, incluindo detenções arbitrárias, tortura e repressão da liberdade de expressão - foi extremamente mal concebido e cruel.
Além do abandono do plano da deportação em voos charter para o Ruanda, a Amnistia defende que o Governo também deve acabar com "a política de recusa de tratamento dos pedidos de asilo das pessoas e com a Lei da Migração Ilegal que consolidou essa política deplorável".
A organização também considera absurda a proposta de abandono da Convenção Europeia de Direitos Humanos. O próprio Supremo diz que mesmo que o Reino Unido abandonasse essa Convenção, as deportações continuariam a ser consideradas ilegais, à luz de outras convenções internacionais sobre refugiados subscritas pelo país. "Trata-se de um princípio fundamental do direito internacional, com o qual o Governo do Reino Unido se tem comprometido repetidamente na cena internacional, em coerência com a reputação deste país de desenvolver e defender o Estado de direito", diz a decisão do Supremo, citada pelo Guardian.