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Reino Unido trava medidas para alcançar neutralidade carbónica

Num discurso que mereceu muitas críticas mesmo antes de começar, por ser feito no dia seguinte à interrupção dos trabalhos parlamentares da Câmara dos Comuns por causa das convenções partidárias, Rishi Sunak anunciou esta quarta-feira que o Reino Unido vai recuar nalguns compromissos da sua política climática. A justificação desta reviravolta, afirmou Sunak, é que entende que o atual caminho para atingir a neutralidade carbónica até 2050 não é "credível e justo", arriscando-se a provocar a oposição de boa parte da população.
Uma das medidas passa pelo adiamento da proibição de venda de veículos a gasolina e gasóleo para 2035, cinco anos mais tarde do que a meta em vigor até agora. Trata-se de uma decisão criticada pelos próprios responsáveis da indústria automóvel do país, que afirmam estarem preparados para essa transição em 2030. Os trabalhistas já tinham anunciado que caso o adiamento se concretizasse, iriam revertê-lo novamente para 2030 se vencerem as próximas eleições.
Outro dos adiamentos para 2035 é o da proibição da instalação de caldeiras a GPL, petróleo ou carvão nas casas fora da rede de gás, bem como a substituição das caldeiras a gás por bombas de calor, que nessas habitações representa um custo acima das 10 mil libras, desta vez acompanhado de um aumento dos subsídios previstos para essa substituição.
Rishi Sunak anunciou também o abandono das medidas que obrigavam os senhorios a aumentarem a eficiência energética das casas, o que se traduz no aumento da fatura energética dos inquilinos, tendo em conta que em Inglaterra e Gales há dois milhões de inquilinos em situação de pobreza energética e que as casas com menor eficiência (classificadas entre D e G) gastam três vezes mais em energia do que as classificadas com um C, que era o objetivo da medida agora abandonada.
Outras medidas que Sunak decidiu erradicar do programa de transição climática são as que taxavam a indústria da carne e da aviação, a proibição de novas explorações de gás e petróleo no Mar do Norte, as de separação do lixo doméstico e de incentivo à partilha de viagens em automóvel.
Questionado pelos jornalistas sobre se este anúncio se deve ao receio de perder as eleições, Rishi Sunak respondeu que já tinha refletido sobre o tema mesmo antes de ser primeiro-ministro, acrescentando que as medidas agora eliminadas farão poupar às famílias britânicas entre 10 mil e 15 mil libras.
Trabalhistas viram no discurso de Sunak um "ato de fraqueza"
Para o ministro-sombra do Ambiente, o trabalhista Ed Miliband, o discurso de Sunak foi "um ato de fraqueza de um primeiro-ministro desesperado e sem rumo, que dança a música de uma pequena minoria do seu partido". Miliband acrescenta que "Liz Truss arruinou a economia e Rishi Sunak está a arruinar o nosso futuro económico" e diz que o adiamento da eliminação progressiva dos automóveis a gasolina e gasóleo irá "acrescentar milhares de milhões de euros em custos para as famílias e prejudicar a confiança dos investidores no Reino Unido, como pudemos ver pela furiosa reação das empresas hoje".
Em reação ao discurso do primeiro-ministro, a presidente da comissão de Ambiente na Câmara dos Lordes, Kate Parminter, diz-se "muito consternada" e prometeu pedir esclarecimentos a Sunak em nome da comissão. Acrescenta que "tanto a indústria como o público precisam de certeza política, consistência e liderança clara na jornada para o net-zero" e que no caso do fim da venda de automóveis a gasolina e gasóleo até 2030, esse anúncio "foi bem acolhido por todos os sectores de atividade de que recebemos testemunho".
"Dado que um terço de todas as reduções de emissões necessárias até 2035 tem de vir de indivíduos e famílias que adotam novas tecnologias, escolhem produtos ou serviços com baixo teor de carbono e reduzem o consumo intensivo de carbono, é difícil ver como é que os nossos objetivos de carbono juridicamente vinculativos serão agora atingidos", concluiu Parminter.
"A humanidade abriu as portas do inferno", diz Guterres
Na sua intervenção de abertura na minicimeira da Ambição Climática, que se realiza em Nova Iorque à margem da Assembleia Geral da ONU, António Guterres voltou a traçar um cenário sombrio sobre o momento atual e o futuro, caso não se façam as mudanças necessárias para travar o aumento da temperatura média global. "A humanidade abriu as portas do inferno" e se nada for feito "vamos a caminho dos 2,8°C de aumento da temperatura, rumo a um mundo perigoso e instável", avisou.
Para Guterres, ainda é possível limitar esse aumento a 1,5°C, construindo "um mundo de ar limpo, empregos verdes e energia verde acessível a todos". Mas para que isso aconteça, não bastam os esforços dos ativistas, povos indígenas, autarcas, governantes ou empresários, é preciso reforçar a solidariedade com os países em desenvolvimento, recuperar o atraso de décadas na transição para as energias renováveis, acabar com os subsídios aos combustíveis fósseis e concretizar a "Agenda da Aceleração" de todas essas medidas propostas pela ONU.
"As promessas enganosas traíram a confiança do público", prosseguiu Guterres, apontando o dedo às empresas que tentaram bloquear a transição para os objetivos net-zero e adiam o corte de emissões poluentes que é necessário para os alcançar. Mas também aos governos que continuam a adiar o prometido financiamento de 100 mil milhões de euros para o fundo de perdas e danos que compense os países mais afetados pelos fenómenos meteorológicos extremos.
Apesar da ausência nesta minicimeira dos líderes dos maiores poluidores mundiais - EUA e China - ela contará com intervenções de 34 chefes de Estado como a Alemanha, França, Canadá, Espanha, Colômbia e Chile. O objetivo da iniciativa é dar algum impulso à próxima COP28 que se realiza em dezembro no Dubai e onde se fará o primeiro balanço do Acordo de Paris.
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