Síria

Rebeldes sírios tomam Damasco e derrubam regime de Assad

08 de dezembro 2024 - 15:09

O rápido avanço dos últimos dias concretizou-se esta madrugada com a tomada da capital. Ao fim de 14 anos de guerra, Bashar al-Assad fugiu do país.

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Festejos nas ruas de Damasco
Festejos nas ruas de Damasco na manhã de domingo. Foto Hasan Belal/EPA

“Damasco foi libertada e o tirano Bashar al-Assad foi derrubado, e os prisioneiros oprimidos nas prisões do regime foram libertados”, disse um porta-voz das forças lideradas pelos islamista do Hayat Tahrir Al-Sham (HTS) em direto na televisão estatal. “Pedimos às pessoas e aos combatentes que protejam todos os bens na Síria Livre… Viva a Síria livre para todos os sírios de todas as seitas”, acrescentou o mesmo porta-voz citado pelo Público.

Ao fim de doze dias de avanço militar em que encontraram pouca ou nenhuma resistência das tropas do governo, a entrada em Damasco não foi exceção. Ao longo do caminho, os rebeldes foram abrindo as portas das prisões onde se encontravam presos políticos, incluindo a prisão de Sednaya, onde se julga que terão morrido pelo menos 30 mil pessoas detidas e sob tortura.

O presidente Bashar al-Assad, cuja repressão sangrenta aos protestos da “primavera árabe” de 2011 deu início a uma guerra civil que matou meio milhão de pessoas e desalojou 12 milhões de sírios, metade dos quais obrigados a procurar refúgio no estrangeiro, está agora em parte incerta, sabendo-se apenas que levantou voo de Damasco no sábado. Um comunicado do Ministério dos Negócios Estrangeiros russo, país que deu apoio político e militar a Assad para esmagar a oposição, diz que saiu do país e deixou instruções para uma “transição pacífica” do poder.

Quem ficou em Damasco foi o primeiro-ministro Mohammad Ghazi al-Jalali , que se afirmou pronto a colaborar com essa transição. “Este país pode ser um país normal que constrói boas relações como os seus vizinhos e o mundo”, disse numa mensagem gravada e citada pelo Middle East Eye, acrescentando depois à televisão Al Arabya que a Síria deve ter eleições livres.

Do lado dos rebeldes do Hay'at Tahrir al-Sham (HTS), o seu líder Ahmed al-Sharaa, mais conhecido por Abu Mohammad al-Jolani, deu ordens aos seus apoiantes para não entrarem nos edifícios públicos, que ficariam sob supervisão do atual primeiro-ministro até à entrega do poder. Mas os apelos já não foram a tempo de evitar a invasão do palácio presidencial e quando chegaram já pouco restava do seu recheio, com o edifício a tornar-se um cenário para as “selfies” das pessoas que esperaram quase 14 anos por este dia.

Este grupo foi fundado em 2012 como um ramo da Al-Qaeda na Síria, tendo abandonado a organização em 2016. Se bem que al-Jolani se tentou depois posicionar como um moderado, muitos países ocidentais ainda incluem a sua organização na lista de terroristas. Agora juntou-se a outras forças com apoio turco para aproveitar a debilidade do regime e dos seus aliados russo, iraniano e o Hezbollah libanês. Erdogan também foi rápido a tirar dividendos do ataque, lançando as forças sírias sob a sua tutela para atacar os curdos e deixar mais de 100 mil desalojados na região que ocupam.

Festa nas ruas, cautela nas chancelarias

Nas ruas de Damasco o ambiente é de festa, que se alarga também ao Líbano e a muitas cidades europeias, em especial na Alemanha, que durante os anos que se seguiram ao início da guerra civil acolheu milhões de refugiados sírios. Nos gabinetes políticos ocidentais, as reações combinam alguma surpresa, mensagens de esperança e palavras de encorajamento para que o novo poder consiga evitar que se instale o caos. A preocupação com a estabilidade da região é mais vincada nas reações de países como a Jordânia, o Egito, o Iraque ou o Catar. Em Israel, Netanyahu anunciou que deu instruções ao exército para tomarem de imediato o controlo dos postos de comando nas zonas-tampão dos Montes Golã, alegadamente com o objetivo de impedir que ali se instalem forças hostis ao estado sionista.

Numa declaração publicada nas redes sociais, a coordenadora do Bloco de Esquerda afirmou que “Bashar al-Assad foi um tirano, o fim da sua ditadura é uma boa notícia. A ascensão ao poder de extremistas religiosos não dá razões para otimismo. Após tanta ingerência e sofrimento, o caminho para a Síria deve ser a autodeterminação e eleições livres - uma saída democrática e de paz”.

Segundo a Al-Jazeera, de Teerão veio um apelo para “pôr termo aos conflitos militares o mais rapidamente possível, prevenir os atos terroristas e iniciar conversações nacionais com a participação de todos os segmentos da sociedade síria, a fim de formar um governo inclusivo que represente todo o povo sírio”. O Ministério dos Negócios Estrangiros iraniano diz que é ao povo sírio que cabe a responsabilidade pelo destino do país “sem imposição estrangeira ou intervenção destrutiva”, embora acrescente que o Irão “não poupará esforços para ajudar a estabelecer a segurança e a estabilidade na Síria”.

Para a secretária-geral da Amnistia Internacional, “o passo mais importante é a justiça, e não a retaliação”. Agnès Callamard apelou às partes envolvidas no atual conflito para que “respeitem plenamente as leis dos conflitos armados”, incluindo “a obrigação de não atacar qualquer pessoa que manifeste claramente a intenção de se render, incluindo as forças governamentais, e de tratar com humanidade qualquer pessoa detida”. E manifestou confiança que “após mais de cinco décadas de brutalidade e repressão, o povo da Síria pode finalmente ter a oportunidade de viver sem medo e com os seus direitos respeitados”.