O ministro Leitão Amaro apresentou na segunda-feira as propostas que o Governo vai levar ao Parlamento para dar corpo às promessas de limitar os direitos dos imigrantes que vêm trabalhar para Portugal. Entre elas estão mudanças na lei da nacionalidade, ao propor passar de cinco para dez anos o tempo mínimo necessário de residência no país para os imigrantes fora da CPLP, enquanto estes verão o tempo aumentar de cinco para sete anos. Outras alterações vão ao encontro de propostas do Chega, como a de criar uma pena acessória de perda de nacionalidade em condenações superiores a cinco anos de pena efetiva ou a nacionalidade dos bebés nascidos em Portugal deixar de ser automática e passar a depender de requerimento por parte dos país, que terão de ter título de residência há pelo menos três anos.
Solidariedade
AIMA quer expulsar imigrantes dos Anjos, apelo pede apoio para impugnar decisão
No que diz respeito ao reagrupamento familiar, um direito que a lei prevê mas que os serviços da AIMA na prática negam, com tempos de espera de vários anos para dar resposta aos pedidos, o Governo propõe agora que apenas após dois anos com título de residência um imigrante possa pedir o reagrupamento familiar do cônjuge. E, mesmo assim, dependente da existência de vagas nos serviços de atendimento, prolongando na prática essa espera. Mas há exceções para os detentores de vistos gold e para os que entram ao abrigo do regime destinado aos “profissionais altamente qualificados”, que não estarão sujeitos a essa espera.
Outra proposta do Governo para limitar a entrada de imigrantes de países da CPLP é deixar de ser possível solicitar o visto da CPLP em território nacional.
Em declarações à RTP, Timóteo Macedo, da associação Solidariedade Imigrante, diz que este pacote de medidas “é um regresso ao século passado em várias matérias, como o reagrupamento familiar e não só. Na questão da nacionalidade é muito grave o que está a acontecer. O Governo está a tomar estas medidas com o intuito de agradar à estrema-direita”, refere o ativista.
“Convido este Governo a emigrar, para sentir na pele o que é ser emigrante. Isso eles não sabem e por isso é que tomam estas medidas tão retrógradas e que são cada vez mais securitárias”, acrescentou Timóteo Macedo.
Imigração
Associações e cidadãos lançam apelo em defesa do direito ao reagrupamento familiar
”Esse discurso de que não somos bem-vindos é claro que cria medo nas pessoas”
Também em declarações à RTP, a presidente da Casa do Brasil reagiu à apresentação das propostas, resumindo-a como “um desmoronar da boa política de imigração que tanto fez para que Portugal fosse reconhecido como país acolhedor”. Na lei da nacionalidade, “é justamente romper com esse paradigma de inclusão e equidade” na sua atribuição, diz Ana Paula Costa, vendo nas medidas uma inversão “do sentido de fazer uma reparação e de criar mais direitos de cidadania para toda a comunidade política, inclusive as pessoas imigrantes”, que agora são penalizadas com o aumento do tempo de residência necessário para efetuar o pedido.
Além disso, estas medidas têm outro impacto, neste caso “retórico, que é horrível porque cria ressentimento social e uma tentativa de separação entre nós e eles: nós - os que pertencemos, os portugueses, os bons; e eles - os imigrantes, os invasores”. E o convívio quotidiano “com esse discurso de que não somos bem-vindos é claro que cria medo nas pessoas”.
Quanto aos anunciados testes de língua e cultura portuguesa, a líder da casa do Brasil diz que os primeiros já existiam para quem vem de fora da CPLP. Quanto aos segundos, questiona: “O que é a cultura portuguesa? É a do norte, é a do Alentejo, é a de Lisboa?”
Uma “política desumana, hipócrita e oportunista” de um “governo perigoso”
Em conferência de imprensa esta terça-feira, Mariana Mortágua também se insurgiu contra esta reforma da lei da imigração considerando-a “desumana, hipócrita e oportunista”.
Para ela, “é desumano impedir famílias de se reunirem, desrespeitando o direito internacional”, sendo qualificada como “uma política cruel que não gostaríamos que fosse aplicada a nenhum de nós”. “Tenho a certeza que o ministro Leitão Amaro não gostaria que se visse impedido de receber a sua família se algum dia fosse obrigado a emigrar”, adiantou.
A deputada bloquista considera ainda que esta é “hipócrita” porque “as exigências que são pedidas para todos aqueles que querem residir e ter nacionalidade portuguesa se fossem aplicadas a todos os portugueses, provavelmente não seriam cumpridas”. Ou seja, “não podemos exigir a outros aquilo que não se exige a quem já tem a nacionalidade” já que “ter nacionalidade portuguesa não é um privilégio, é um compromisso, é um respeito que temos de comunidade”.
Para além disso as medidas do executivo são “oportunistas” porque “um governo que não tem princípios, que não tem valores, que não acredita em nada, que ontem dizia que o reagrupamento familiar era uma medida importante de humanismo e de integração dos imigrantes e que hoje impede esse reagrupamento familiar, que nem existe em grande número em Portugal, apenas para ceder à extrema-direita, é um governo perigoso”.
A coordenadora bloquista não poupou nas palavras, insistindo que “quem não acredita em nada é perigoso e esse é o caso do Primeiro-Ministro Luís Montenegro” que “está disposto a ceder ao discurso da extrema-direita, está disposto a adotar as medidas do Chega em nome de uma disputa eleitoral”.
As medidas do executivo de direita são “perigosas para o país” porqu “legitimam, valorizam um discurso de extrema-direita que não resolve nenhum problema no país.” Ao mesmo tempo, o governo ainda não falou sobre saúde, educação, sobre baixos salários e apresenta “uma única política, a imigração sem resolver nenhum problema, apenas por disputar votos com a extrema-direita”.
O Bloco de Esquerda opõe-se assim às medidas frontalmente, considerando que são “uma corrida para o abismo que só vai levar a política cada vez mais a deslocar-se à direita”.