“Quando atravessamos um período muito difícil, o pior que podemos fazer é colocar a cabeça na areia e não nos perguntarmos se as soluções que estamos a construir servem o país ou não”, afirmou Catarina Martins esta segunda-feira na entrevista conduzida por Miguel Sousa Tavares na TVI. A coordenadora bloquista foi perentória: “O Bloco de Esquerda não quer nenhuma crise política. O primeiro ministro já o disse, e eu acompanho, que não é o Orçamento que determina se há ou não uma crise política”.
Catarina Martins defendeu, por outro lado, que “precisamos de ter um orçamento do Estado que seja capaz de responder ao país”. A dirigente do Bloco frisou que devem ser asseguradas duas questões prementes: que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) tenha capacidade suficiente para responder não só à covid, mas também para prestar os cuidados de saúde gerais necessários à população; e que seja garantido o apoio a quem perdeu tudo com a crise. Ora, o “que nos está a ser dito é que no próximo ano vai haver menos apoio social do que houve este ano e que os hospitais vão ter menos meios do que tiveram este ano”, destacou.
No que respeita à verba disponibilizada no próximo ano para o apoio social extraordinário, Catarina Martins lembrou que a ministra do Trabalho afirmou no Parlamento que, no apoio às empresas que não pagaram TSU quando estavam em lay-off, "enquanto os trabalhadores pagaram na mesma, o Governo gastou 500 milhões de euros”, que equivale ao montante que não entrou nos cofres da Segurança Social. Já o valor que o governo tem neste Orçamento para todo o apoio social extraordinário no próximo ano não ultrapassa os 450 milhões.
Sobre a falsa questão de que os números apresentados pelo Bloco e pelo Governo divergem, Catarina Martins esclareceu que o partido se baseia nos dados oficiais do próprio Governo. Conforme assinalou a coordenadora bloquista, em 2021 tivemos dois orçamentos: o Orçamento do Estado inicial e, como este não foi suficiente, um Orçamento Suplementar que aumentou a despesa da Saúde. O Orçamento do Estado para 2021 apresentado pelo Governo contempla uma verba o SNS que é inferior ao computo geral de 2020, ou seja, tendo também em consideração o Orçamento Suplementar.
"Se existiu um orçamento suplementar é porque o SNS precisava desse dinheiro”
“O Governo diz que sobre isto temos razão, opta é por comparar com o orçamento inicial de 2020 e não tem em conta o orçamento suplementar. Se existiu um orçamento suplementar é porque o SNS precisava desse dinheiro”, vincou Catarina Martins.
A coordenadora bloquista acrescentou ainda que em causa não está somente o dinheiro, mas também as regras. Ou seja, “como é que nós garantimos que, face à disponibilidade financeira que existe, o dinheiro é gasto da melhor forma para defender as pessoas”.
Catarina Martins lembrou que não estamos a ser capazes de substituir os médicos que se reformam e que temos tido, ao longo dos últimos anos, médicos recém-formados que vão parar ao privado por opção, enquanto abrem em Portugal concursos no SNS que ficam vazios. Exemplo disso é o facto de 87% das vagas dos concursos abertos no Alentejo no ano passado terem ficado vazias, sem nenhum médico a concorrer, e de vários serviços estarem a fechar porque as vagas não são preenchidas. “Estamos sempre a perder capacidade”, alertou a dirigente bloquista, defendendo que “são precisas regras para combater esta realidade”.
A coordenadora do Bloco de Esquerda apontou ainda que, entre os médicos que são contabilizados como sendo do SNS, figuram prestadores de serviços que não contribuem para a organização dos serviços e médicos que estão a fazer horários de 20 horas. De acordo com a OCDE, existem, na realidade, cerca de 19 mil médicos no SNS em Portugal, o que representa uma média de 1,9 médicos para cada 100 mil habitantes, quando a média da OCDE é de 3,8.
Para contrariar esta realidade, o Bloco propõe medidas de três tipos diferentes. Por um lado, aumentar as vagas de especialidade. No nosso país, existem médicos que ficam indiferenciados porque a Ordem dos Médicos impõe limites à sua formação. Estes profissionais devem ter formação para entrarem no SNS, em vez de exercerem como prestadores de serviços, que entram para os cálculos mas não ajudam a organizar nenhum serviço. Devem ser ainda dados passos significativos para garantir a exclusividade no SNS. Outra questão premente para o Bloco passa por criar a carreira de Técnico Auxiliar de Saúde para mais de 28 mil assistentes operacionais do SNS que se encontram hoje sem carreira específica. Estes profissionais desempenham funções muito duras e que acarretam grandes riscos, recebendo como contrapartida pouco mais do que o salário mínimo nacional, lembrou Catarina.
Catarina Martins elogiou o trabalho desenvolvido pelos profissionais do SNS: “Merecem todo o nosso apoio. Toda a nossa gratidão”, vincou.
Bloco apresentará na especialidade “nem mais nem menos do que as medidas pelas quais vêm lutando até agora"
Sobre o anúncio do sentido de voto do Bloco no Orçamento do Estado para 2021, a coordenadora bloquista afirmou que “a clareza sobre o que pensamos sobre o Orçamento é muito importante, e é por isso que o Bloco diz que não se pode comprometer com um orçamento que faz com que o SNS para o ano esteja mais frágil e que haja menos proteção social quando o país mais precisa. A clareza é melhor mais cedo do que mais tarde para se encontrarem as soluções.
O Bloco vai apresentar na especialidade “nem mais nem menos do que as medidas pelas quais vêm lutando até agora. Para que quem perdeu tudo com a crise tenha apoio para que o SNS funcione, para que se responda ao país”, avançou.
Em cima da mesa estão “medidas que são tão pequenas e tão fundamentais como acabar com o despedimento barato, que tem sido a desgraça de tantos trabalhadores”, ao qual o próprio PS se opôs quando o mesmo foi aprovado no tempo da troika. Ou deixar de “premiar más práticas laborais, em que não se defende emprego e salário”, por parte de empresas que, contando com apoios públicos, acabam por puxar “a economia e o país para baixo”.
Questionada sobre o futuro da TAP, Catarina Martins manifestou a sua preocupação face “a uma certa inconsistência numa política que se já sabe que vai dispensar 1600 trabalhadores da aviação civil”, ao mesmo tempo que mantém o aeroporto do Montijo. “É preciso um plano para a TAP, mas é preciso mais. É preciso ter uma visão para os transportes no país e é preciso ter uma visão para os trabalhadores que permita até a sua reconversão para outras áreas, porque há muito know how instalado. É preciso que Portugal tenha uma estratégia para o dia seguinte”, enfatizou a dirigente bloquista.