PPP na Saúde: O desespero que se vê na hora do adeus

24 de março 2025 - 11:44

Ao contrário do que andam há muito a vender PSD, CDS e IL, foram os privados que quiseram sair das PPP. Com bons motivos: nunca tiveram lucros! Como pode então o Governo obrigar os privados a aceitarem as PPP? Só há uma forma: pagando muito acima do preço que o Estado paga hoje aos hospitais do SNS.

porBruno Maia

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Ministra da Saúde
Ana Paula Martins, ministra da Saúde. Foto de Rodrigo Antunes/Lusa

Assim de saída e de fininho, o governo demissionário lançou cá para fora a intenção de entregar 5 hospitais e 174 centros de saúde a parcerias público-privadas (PPP). Exatamente quando não sabemos, na medida em que lhes restam menos de 2 meses para gerir a grande confusão que os próprios criaram. Apesar da intenção revelar a verdadeira fúria privatizadora de uma direita que não sobreviveu mais do que um ano, uma noticia à qual foi dada pouca atenção revela muito mais sobre o tema. Óscar Gaspar, o representante máximo dos hospitais privados portugueses, veio logo afirmar que “os grupos privados saíram traumatizados” das PPP na saúde. Que era preciso um namoro longo e intenso para estes quererem voltar às PPP. 

Óscar Gaspar tem razão. Em primeiro lugar, como o próprio indica, e ao contrário do que andam há muito a vender PSD, CDS e Iniciativa Liberal, foram os privados que quiseram sair das PPP. Com bons motivos: nunca tiveram lucros! E embora possam, numa fase inicial, ter retirado benefícios das parcerias (maior porosidade do SNS com os seus próprios hospitais, passagem de profissionais e doentes para o privado), a verdade é que anos de prejuízo acumulado não compensam. Por isso disseram a Marta Temido que ou o Estado pagava mais pelos serviços, ou iam-se embora. Só que se o Estado pagasse mais, era o Estado a acumular prejuízos. Ou perde um ou perde o outro, nem poderia ser de outra forma! Caíram de podre as PPP na saúde, aqui como no Reino Unido! 

Em segundo lugar, as afirmações de Gaspar explicam o óbvio: os privados não estão interessados em novas PPP, o que torna tudo ainda mais sinistro. Reparem, o governo está a dizer aos privados que lhes vai oferecer hospitais públicos, quando os próprios dizem que não os querem, aos quais o governo responde: ai queres, queres, porque eu vou-tos dar! E é aqui que entra a parte do preconceito ideológico que a direita tanto alarde. Ora se as PPP prejudicaram os utentes e o SNS e ao mesmo tempo foram desvantajosas para os privados, que não as querem de volta, com que argumento é que a direita lança agora esta proposta? Com o preconceito ideológico de que tudo o que é público é mau e tudo o que é privado é bom. Mesmo quando a realidade desmente o preconceito. Faz lembrar a história dos milionários que escreveram uma carta a pedir para pagarem mais impostos e o governo norte-americano responde-lhes que não, que lhes vai baixar ainda mais os impostos, contra a sua própria vontade! Parece surreal? É mesmo!

Como pode então o governo obrigar os privados a aceitarem as PPP? Só há uma forma: pagando muito mais, muito acima do preço que o Estado paga hoje aos hospitais do SNS.

Tomemos o caso de Braga como exemplo. Desde o fim da PPP que o Hospital está a produzir mais 39% de consultas e cirurgias, que os índices de satisfação dos utentes são excelentes e que os profissionais do hospital já afirmaram publicamente que não querem a PPP de volta. Não há nenhum motivo objetivo para a PPP voltar. A não ser a fúria que a direita tem em distribuir o dinheiro do Estado pelos seus amigos do privado! Tudo isto, não esquecendo que a história das PPP são imparáveis cobranças indevidas ao Estado, manipulação de atos clínicos por motivos de gestão financeira, multas por desvio de doentes dispendiosos para hospitais públicos, entre muitas outras tropelias. A única PPP que ainda resta, o Hospital de Cascais, ainda está sob investigação por ter adulterado o sistema de triagem e as notas de alta para cobrar mais dinheiro ao Estado.

Veja-se o caso dos centros de saúde e unidades de saúde familiar (USF). Já existem USF modelo B que provaram ser custo-efetivas, com bons resultados em saúde e económicos. Porque quer este governo entregar unidades com tão bons resultados ao privado? A direita espera que os parceiros privados sejam capazes de dar condições salariais e de carreira aos profissionais, que o próprio Governo não quer dar aos profissionais do SNS. Isto criará condições de desigualdade entre os dois setores, que levará cada vez mais profissionais a optar pelo setor privado. Esta receita da direita já é antiga e tem, ocasionalmente, sido posta em prática também pelo Partido Socialista: degrada-se um serviço que o Estado presta para o vender fácil ao privado. 

A questão que fica sempre é: porque está o governo a decidir distribuir dinheiro a grupos privados de saúde, quando poderia decidir investi-lo diretamente no SNS? Se eu fosse de direita, até poderia dizer que era por “preconceito ideológico” contra os serviços públicos. Mas sabemos que é bem mais do que isso e que há clientelas privadas que o PSD tem de satisfazer neste lucrativo e promissor negócio da doença. E apenas com 2 meses de governo de gestão pela frente, estão desesperados por cumprir com compromissos tão nobres!

Bruno Maia
Sobre o/a autor(a)

Bruno Maia

Médico neurologista, ativista pela legalização da cannabis e da morte assistida