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Obrigado, Bernie Sanders

"Se vai haver uma guerra de classes neste país, já é tempo da classe trabalhadora ganhar essa guerra". Estas foram as palavras de Bernie Sanders na campanha em agosto passado, quando tentava conquistar a presidência. Se alguém dissesse em 2015 que este tipo de política ganharia duas vezes milhões de votos numa eleição nacional na América, ninguém teria acreditado.
Antes de Bernie Sanders, o socialismo na América não estava nas margens, ele tinha sido quase exterminado. O radicalismo de esquerda do início do século XX – da militância sindical e a ascensão da Primeira Guerra Mundial às campanhas de Eugene Debs, Woody Guthrie, Paul Robeson e a Frente Popular durante a Segunda Guerra Mundial – foi desenraizado pelas purgas de Joseph McCarthy nas décadas de 40 e 50. Quando o Movimento dos Direitos Civis surgiu, socialistas como Bayard Rustin e até o próprio Martin Luther King Jr. foram forçados a esconder suas cores.
Bernie Sanders tornou novamente possível que qualquer um diga que é um vermelho na América atual. Desde o início de sua primeira campanha presidencial em 2015, ele orgulhosamente usou o rótulo "socialista democrático", falou abertamente sobre o capitalismo e dispensou as vulgaridades liberais sobre a classe média para se referir diretamente aos trabalhadores como o eleitorado da sua campanha. Nos próximos dias e semanas, haverá muitas tentativas de dizer que foi por isto que ele perdeu, que ele deveria ter moderado ou usado terminologia mais agradável. Mas a verdade é que esta determinação de romper com décadas de ortodoxia política nos Estados Unidos fez de Bernie Sanders uma figura histórica cujo nome será lembrado muito tempo depois do término desta campanha.
Embora isto seja frequentemente esquecido, Bernie Sanders sempre foi um de nós. Muitos dos jovens ativistas que foram politizados ao lado dele nos tumultos da década de 1960 caíram no liberalismo convencional. Bernie não. Ele juntou-se à “Young People´s Socialist League”, a ala jovem do sucessor do Partido Socialista de Eugene Debs, e envolveu-se em lutas anticapitalistas. Ele cresceu numa Brooklyn que ainda tinha conexões com um passado mais radical, particularmente dos filhos de imigrantes judeus; numa época em que os Yíddish “soapboxers” agitaram a revolta nas esquinas das ruas e judeus socialistas como Meyer London foram eleitos para o Congresso. Até a década de 1930, o Partido Trabalhista Americano, apoiado por trabalhadores judeus, tinha um considerável poder político na cidade.
Mas foi em Vermont que Bernie Sanders fez sua a política socialista. No início dos anos 70, ele ingressou na União da Liberdade, de tendência socialista, e gradualmente se tornou uma figura política em todo o estado. O programa do partido não era um liberalismo requentado. Defendia um imposto de 100% sobre os mais ricos da América. "Sou a favor da propriedade pública de serviços públicos, bancos e grandes indústrias", disse ele à Burlington Free Press enquanto fazia campanha numa eleição governamental em 1976 – comentários pelos quais ele foi atacado durante esta campanha presidencial, mas que nunca os deixou de assumir.
Embora Bernie Sanders tenha deixado a Liberty Union em busca de um caminho independente que o levaria a tornar-se mayor de Burlington, ele nunca abandonou as suas políticas socialistas. Em 1979, fez um documentário sobre a vida de Eugene Debs, o último socialista a ganhar apelo popular em massa numa eleição presidencial. Na década de 1980, além de se tornar um mayor extremamente popular, Sanders dedicou um tempo considerável a opor-se à guerra ilegal dos “Contra” de Reagan na Nicarágua, os esquadrões da morte apoiados pelos EUA em El Salvador e ao genocídio na Guatemala.
Comício de Bernie Sanders em Chicago. Foto publicada na sua página Facebook.
Mais uma vez, ele foi atacado por isso durante as recentes campanhas presidenciais. E, novamente, ele recusou alterar a sua posição, dizendo ao New York Times: “fiz o meu melhor para impedir a política externa americana, que durante anos derrubou governos na América Latina e instalou regimes fantoches.”
Bernie Sanders não era, por outras palavras, uma figura da política americana convencional que foi radicalizada ou empurrada para a esquerda pelas circunstâncias. Ele não passou os seus primeiros anos, como Elizabeth Warren, como jovem republicano. Ele não veio de uma dinastia liberal rica como Franklin Delano Roosevelt. Ele também não adotou um discurso populista folclórico por cálculo eleitoral como John Edwards em 2008.
Bernie Sanders foi um rebelde ao longo da vida contra o capitalismo – alguém que passou décadas envolvido no trabalho meticuloso de construir uma carreira política que melhoraria a vida dos trabalhadores e representaria uma ameaça ao sistema que os explora. Nas suas campanhas presidenciais, ele poderia ter escolhido um caminho mais fácil para a presidência, que não levantasse questões sistémicas fundamentais ou defendesse a América operária contra a máquina milionária corporativa que dirige o Partido Democrata. Em vez disso, ele escolheu abrir um espaço para o socialismo.
Os seus críticos dirão que Bernie Sanders foi derrotado duas vezes nas primárias democratas. Isso é verdade. Depois de mais de uma geração em que os trabalhistas foram derrotados e a esquerda foi lançada para as margens, Bernie Sanders não conseguiu construir um movimento que pudesse derrotar a classe dominante mais poderosa do mundo. Mas ele chegou perto. Depois das primárias de Nevada, brevemente ele pareceu poder ganhar a nomeação – até que as forças combinadas políticas, empresariais e da comunicação social da elite liberal fecharam a porta.
O que os políticos nunca entenderão sobre Bernie Sanders é que, ao longo de sua carreira, ele viu a política como algo mais do que o prémio da luta partidária. Ele entendeu que o poder político real vinha da organização das pessoas da classe trabalhadora e da construção de um movimento. É por isso que ele passou os últimos cinco anos construindo não apenas uma campanha, mas uma revolução política. E essa revolução tem muitos legados – da eleição de figuras como Alexandria Ocasio-Cortez, Ilhan Omar e Rashida Tlaib ao crescimento dos socialistas democratas da América para a maior organização socialista dos Estados Unidos desde os anos 1930; e desde a ampla adoção de leis de salário mínimo de US $ 15 e o crescimento dos movimentos do Medicare for All e Green New Deal até o fortalecimento de sindicatos de esquerda como o National Nurses United e o American Postal Workers Union.
Mas o legado mais importante da revolução política de Bernie Sanders foi tornar o socialismo outra vez uma força na política americana. A maioria dos jovens apoiantes de Bernie teria que voltar aos dias dos bisavós, para que alguém pudesse dizer isso. É uma conquista verdadeiramente extraordinária. Agora, a maioria dos jovens na América - América! - preferem o socialismo ao capitalismo. Obrigado, Bernie Sanders. Por tudo.
Ronan Burtenshaw é editor do Tribune. Texto publicado na revista Jacobin. Tradução de Gonçalo Russo para o Esquerda.net.
Comentários
Bernie
S
Claro, só é pena não ter conseguido criar uma linha de transmissão do testemunho para as gerações mais novas. Esse tem sido o principal problema da esquerda.
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