Bernie Sanders preocupa o poder, mas não as pessoas

03 de março 2020 - 17:48
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Enquanto as multinacionais manifestam preocupação com a agenda progressista de Sanders (e, em certa medida, de Warren), os que trabalham para elas simpatizam. Por Vicente Ferreira no blogue Ladrões de Bicicletas.

Bernie Sanders
Bernie Sanders. Foto publicada na sua página no Facebook.

A surpresa tomou conta dos analistas e meios de comunicação dos EUA nas últimas semanas. À medida que avança a campanha presidencial norte-americana e se vão contando votos nas primárias democratas, começa a tornar-se evidente que Bernie Sanders é o candidato que reúne maior apoio entre os eleitores. Depois de um início atribulado no Iowa, onde teve mais votos mas a contagem foi atrasada e se levantaram dúvidas sobre a aplicação utilizada, Sanders venceu os dois estados seguintes (New Hampshire e Nevada), ficou em segundo lugar na Carolina do Sul e as sondagens apontam para que saia com a liderança reforçada depois das votações de hoje nos 14 estados que vão a votos na chamada "Super Terça-Feira".

O Financial Times procurou perceber de onde vem o apoio ao senador de Vermont, que se apresenta como socialista num país onde a palavra costumava ser proibida. A conclusão a que chegou foi clara: Sanders tem a sua base de apoio nos trabalhadores e nas classes baixas e médias do país. O artigo aponta para a particularidade de o candidato reunir apoio expressivo entre trabalhadores de empresas digitais como o Facebook, Twitter, Google, Amazon, Tesla ou Uber, as mesmas que se opõem aos seus planos de taxar as multinacionais, aumentar o salário mínimo e ser mais exigente na regulação de aspetos como a proteção da privacidade.

Enquanto as multinacionais manifestam preocupação com a agenda progressista de Sanders (e, em certa medida, de Warren), os que trabalham para elas simpatizam. O caso da Amazon, conhecida pelas péssimas práticas laborais e pelos baixos salários, mostra bem esta tendência. É um dos aspetos que distingue as candidaturas de Bernie e de Joe Biden ou Michael Bloomberg, os candidatos mais fortes entre os centristas e os eleitores moderados, sobretudo após as desistências de Pete Buttigieg, Amy Klobuchar ou Tom Steyer.

A diferença torna-se ainda mais evidente quando se olha para quem contribui para as duas campanhas: Biden recolhe doações dos mais ricos, tendo o apoio de Wall Street, enquanto que Sanders construiu toda a campanha sem aceitar dinheiro de milionários e baseando-se em pequenas contribuições (só no final de 2019 foram mais de 34 milhões de dólares recolhidos entre quase 2 milhões de pessoas, como referido pelo Daniel Oliveira num artigo do Expresso).

As primárias democratas estão cada vez mais centradas na disputa entre o campo progressista representado por Sanders e os centristas apoiados pelo núcleo do partido. Há quatro anos, ganharam os segundos (na altura, com a candidatura de Hillary Clinton) e o resultado foi a eleição de Trump. Veremos o que acontece este ano.


Artigo de Vicente Ferreira no blogue Ladrões de Bicicletas.

 

Vicente Ferreira
Sobre o/a autor(a)

Vicente Ferreira

Economista