Legislativas 2025

“O voto também serve para mudar”. A experiência de uma campanha porta a porta

06 de maio 2025 - 14:13

Por todo o país, militantes e apoiantes do Bloco de Esquerda percorrem as ruas das suas cidades, batendo porta a porta e falando com as pessoas. Entre quem trabalha, ouvem-se problemas na habitação e no custo de vida, e descobre-se uma nova forma de fazer política.

PARTILHAR
Porta a porta
Campanha porta a porta. Fotografia de Rafael Medeiros.

No sábado de manhã, um grupo de militantes do Bloco de Esquerda encontra-se na Praça Paiva Couceiro, em Lisboa, para dar início à campanha porta a porta. Já quase todos tiveram formação, os que não tiveram recebem-na no local. Nunca se vai sozinho, não se entra nas casas das pessoas, não se insiste quando não querem abrir a porta, identificam-se sempre como voluntários e militantes em nome do partido.

Segundo o guião, a conversa começa com “Olá, bom dia! Estamos aqui a apoiar o Bloco de Esquerda”, mas as variações fazem parte. Cada um fará ao seu estilo e como se sente mais confortável. Paira no ar algum desconforto com a frontalidade do modelo porta a porta. É a possibilidade de receber respostas azedas, negas ou confrontações mais agressivas. Mas a política é assim, ouvir o que se quer e o que não se quer, e por isso depois de repetida rapidamente a formação, os militantes seguem em pares para começar.

Porta a porta
Campanha porta a porta. Fotografia de Tiago Resende.

Uns seguem pela Avenida General Roçadas, outros pela Rua da Penha de França. Passadas as primeiras interações, o desconforto dissipa-se. Mesmo as pessoas que não concordam com as propostas do Bloco de Esquerda, não antagonizam quem está a fazer campanha. Umas vezes dizem que não estão interessados, outras aceitam um panfleto por cortesia. Há portas que se abrem para longas conversas e há portas que não têm ninguém em casa. Noutras as pessoas falam através da porta, mas têm medo de abrir ou não conseguem ouvir e não abrem. Faz parte.

De forma geral, as interações são positivas. Manuel e Dina vão percorrendo a Rua da Penha de França e encontram elogios pela campanha porta a porta, simpatizantes e indecisos. Um rapaz já sabia que o Bloco ia fazer campanha porta a porta e fica feliz de ser dos primeiros no país a receber a visita. Depois de uma conversa de um quarto de hora, fica um panfleto em troca da promessa de um voto.

Na sub-cave de um dos prédios, os dois militantes encontram uma mulher, na casa dos cinquenta anos. Abre a porta e parece que tinha estado a dormir, respondendo de forma desligada às questões que lhe são colocadas. Mas quando lhe perguntam sobre os seus problemas, a inquilina vai ganhando energia. Explica que paga muito de renda para um apartamento sem condições, que está tudo muito caro. “Já houve uma pessoa sem abrigo a viver aqui no vão da escada”, lamenta, ilustrando a dimensão da crise de habitação. É uma pessoa desiludida com a política, mas durante aquela conversa os seus problemas foram ouvidos e compreendidos, um pequeno passo na direção certa.

Um pouco mais à frente, noutro prédio, Manuel e Dina batem à porta de um casal. “A minha principal preocupação é a imigração”, diz o homem, que abre primeiro a porta. É uma resposta para a qual os militantes estão preparados, o tema da imigração tem-se colocado no centro do debate político, arrastado pela extrema-direita. Pouco depois chega a mulher, que admite “gostar muito do que diz o Ventura”.

Campanha Porta a Porta
Fotografia de Rafael Medeiros.

Só que Manuel apercebe-se que ela veste a farda da Repsol e aproveita para mudar de tema. “Trabalha por turnos?”, pergunta. A resposta é invariavelmente que sim. “O Ventura nunca falou disso nem nunca vai falar, pode até ir ver ao programa dele, não está lá nada”, repica o militante. De facto, no programa do Chega para 2024, a palavra “turno” e a expressão “trabalho por turnos” aparecem um total de zero vezes. E a inquilina confirma que nunca o ouviu a falar do tema.

Quando a conversa regressa à imigração, os militantes do Bloco de Esquerda não se escondem. “Achamos que o que divide o país não é imigrantes e nacionais, é uns que não trabalham e têm tudo, e outros que trabalham e têm pouco ou nada”, rematam, e o casal tende a concordar. Apesar de tudo, foi uma conversa franca e cordial, e quando fecham a porta Manuel comenta: “Creio que ficou a pensar”.

Noutros bairros, há outras conversas. Na semana seguinte, em Chelas, Catarina e Rodrigo encontram, entre as pessoas com quem falam, uma mulher que ocupou aquela casa durante o Processo Revolucionário em Curso. Era uma casa que fazia parte de um bloco construído para os agentes da PIDE, mas aquela mulher, como várias outras, acabaram por ocupar as casas depois da extinção da polícia política. Na Tapada das Mercês, Cristina e Hugo encontram uma mulher que trabalha por turnos determinada em votar no Partido Socialista, mas favorável às propostas dos tetos às rendas, da proteção de quem trabalha por turnos e de taxar os mais ricos. Depois de falarem sobre cada um dos temas e de discutirem as suas preocupações sobre estas medidas, deixam-lhe o panfleto apesar de reconhecerem “que já tem o seu voto decidido”, Mas a inquilina responde que “o voto também serve para mudar”.

Porta a porta
Francisco Louçã a fazer porta a porta em Braga. Fotografia de Esquerda.net.

Na cooperativa dos moradores da Boavista, no Porto, Nádia e Ana tocam à campainha para entrar no prédio. “Olá, sou a Nádia do Bloco de Esquerda”, apresentou-se. Quando a inquilina abriu a porta, julgava que estava a abrir à vizinha do 1.º Esquerdo. Mas nem isso impediu que a conversa continuasse, porque a residente acabou a dizer que também era de esquerda e que tinha feito parte da União Democrática Popular, partido que esteve na fundação do Bloco de Esquerda.

Justiça fiscal

Porquê taxar os ricos?

21 de abril 2025

Em Braga, Beatriz e Teresa fazem porta a porta na rua D. Pedro V, no centro. Também aí, numa das lojas, encontraram uma antiga militante do Partido Socialista Revolucionário, que também fundou o Bloco de Esquerda e acabou por ficar tão contente que confirmou o voto no Bloco. “Não precisam de me convencer mais, é em vocês que vai cair o meu voto”.

Um pouco por todo o país, as histórias multiplicam-se. Em Aveiro, Leiria, Faro, Beja, Coimbra, Setúbal, Viseu, os militantes e apoiantes do Bloco de Esquerda que se empenham na campanha porta a porta ganham experiência a fazer campanha onde as pessoas moram. Até os dirigentes nacionais e deputados participam. Há várias conversas, umas boas, outras más, outras nem uma coisa nem outra. Mas em todas se aprende alguma coisa, se fala com quem trabalha em Portugal, e se constrói um pouco mais de esperança.