O que os israelitas não perguntarão sobre os palestinianos libertados em troca dos reféns

25 de novembro 2023 - 20:32

A lista dos palestinianos que se preparam para ser trocados pelos israelitas devia provocar uma reflexão sobre o papel do encarceramento massivo durante a ocupação. Artigo de Orly Noy.

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Jovem palestiniano preso em Hebron em 2021, após confrontos na cidade de Hebron, na Cisjrrdânia.
Jovem palestiniano preso em Hebron em 2021, após confrontos na cidade de Hebron, na Cisjrrdânia. Foto Abed Al Hashlamoun/EPA

Hoje cedo, Israel e o Hamas finalizaram os detalhes de um acordo para pausar as hostilidades na Faixa de Gaza, quase sete semanas após o início da guerra. O acordo inclui um cessar-fogo de quatro dias e uma troca de 50 reféns israelitas por 150 “prisioneiros de segurança” palestinianos, com a possibilidade de haver novas trocas posteriormente. Esses são termos que o Hamas teria oferecido a Israel há semanas, nas fases iniciais da guerra, mas o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu preferiu realizar um ataque total à Faixa sitiada, matando mais de 14.000 palestinianos, antes de considerar um acordo – mesmo em detrimento da segurança e do bem-estar dos reféns israelitas.

Israel publicou os nomes de 300 prisioneiros palestinianos que pondera libertar como parte do acordo ou após a libertação de mais reféns israelitas, a fim de permitir recursos legais nos tribunais israelitas contra a libertação de indivíduos específicos. Todos os reféns e prisioneiros a serem trocados nesta fase são mulheres e menores de idade. Ainda assim, muitos entre a direita israelita, e talvez no público em geral, acreditam que o governo está a fazer uma concessão significativa ao libertar perigosos “terroristas” para o bem dos poucos reféns.

Lendo a lista de prisioneiros palestinianos programados para libertação, a primeira coisa que chama a atenção é a idade deles. A grande maioria deles  – 287 – tem 18 anos ou menos, incluindo cinco a partir de 14 anos, o que levanta a questão: como um garoto de 14 anos se torna um “prisioneiro de segurança”?

Os nomes na lista incluem supostos membros de fações políticas palestinas como Hamas, Fatah, Jihad Islâmica e Frente Popular para a Libertação da Palestina (FPLP), além de muitos que não são afiliados a nenhum grupo. Nenhum foi condenado por homicídio. Alguns foram condenados por tentativa de homicídio, enquanto a maioria foi acusada de crimes menos significativos, incluindo um grande número que foi preso por atirar pedras. Um deles, um adolescente de 17 anos, está atrás das grades há dois anos por atirar pedras a um veículo da polícia israelita em Jerusalém – a mesma cidade onde colonos judeus podem realizar motins contra palestinianos que raramente terminam em investigações, muito menos prisões.

Acima de tudo, a lista é um impressionante testemunho de como a detenção e a prisão são centrais para a ocupação e o controle de Israel sobre os palestinianos. De acordo com dados do grupo israelita de direitos humanos HaMoked, em novembro de 2023, Israel mantinha 6.809 “prisioneiros de segurança”. Destes, 2.313 cumprem pena de prisão; 2.321 ainda não foram condenados na Justiça; 2.070 estão detidos administrativamente (presos por tempo indeterminado sem julgamento ou devido processo legal); e 105 são “combatentes ilegais” que foram presos durante os ataques do Hamas em 7 de outubro no sul de Israel.

Quase todos os 300 palestinianos que estão a ser considerados para libertação são prisioneiros relativamente novos, detidos nos últimos dois anos. As exceções são 10 mulheres de Jerusalém e da Cisjordânia que estão presas desde 2015-17, a maioria delas acusadas de tentar ou cometer ataques à facada contra as forças de segurança israelitas – alguns dos quais terminaram sem qualquer ferimento, enquanto outros causaram ferimentos leves a moderados.

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Tudo isto, recorde-se, é supervisionado pelo mesmo sistema judicial que, entre inúmeros outros exemplos, decidiu arquivar o processo contra um colono israelita que esfaqueou um jovem palestiniano até à morte em maio de 2022 porque “não foi possível descartar a versão [do suspeito] de que agiu em legítima defesa”. É o mesmo sistema que, em julho deste ano, absolveu um polícia israelita que matou a tiros Iyad al-Hallaq, um palestiniano autista, apesar de testemunhos claros e evidências em vídeo provarem que ele estava desarmado e não fez nenhum tipo de ameaça.

Isso acresce ao facto de que os “prisioneiros de segurança” palestinianos são julgados num sistema judicial militar separado que possui uma taxa de condenação entre 95% e 99%. A clemência, aos olhos do regime do apartheid israelita, é um direito reservado apenas aos judeus.

Enquanto os judeus que se revoltam, atacam e até matam palestinianos estão imunes a processos, a lista de prisioneiros recorda-nos que os palestinianos podem ser presos por atacado, com base apenas na “intenção” de realizar um ato violento. Uma das pessoas da lista, uma mulher de 45 anos de Jerusalém, está presa há mais de dois anos porque “foi apanhada na Cidade Velha com uma faca na mão” e “disse que pretendia realizar um ataque”. Enquanto isso, o ministro da Segurança Nacional de Israel pede aos judeus que se armem enquanto distribuem armas como doces, e muitos israelitas de direita estão a escrever inúmeras mensagens, em público e privado, anunciando alegremente a sua intenção de “assassinar o maior número possível de árabes”.

Às vezes, a “intenção” nem aparece na lista de acusações. Um jovem de 18 anos de Jerusalém foi “preso junto com outros porque gritou ‘Allahu Akbar'”. Uma jovem de 18 anos da Cisjordânia está presa há meses por “incitação no Instagram”. Entre o público israelita, em contraste, apelos explícitos por genocídio são considerados uma maneira legítima de elevar o moral nacional, enquanto palestinianos com cidadania israelita podem ser presos por postar algo tão simples quanto uma foto de shakshuka (1) ao lado da bandeira palestiniana.

Das acusações listadas, apenas algumas estão relacionadas ao uso de armas e abertura de fogo contra as forças israelitas (e mesmo nesses casos, não houve mortes). A grande maioria dos incidentes envolve atirar pedras ou cocktails molotov, disparar fogos de artifício e causar “desordem pública”. Valeu a pena deixar reféns, mulheres e crianças israelitas definharem em Gaza por mais algumas semanas para continuar aprisionando um jovem que ousou gritar “Deus é grande?”


Orly Noy é editora do portal Mekomit (link is external), ativista política e tradutora de poesia e prosa farsi. É presidente do conselho executivo do B'Tselem e ativista do partido político Balad. Artigo publicado em +972 Magazine (link is external). Traduzido por Waldo Mermelstein para o Esquerda Online. Editado para português de Portugal pelo o Esquerda.net.

Nota:

(1) Shakshouka é um prato de ovos escalfados num tipo de molho de tomate. O molho de tomate tem azeite, pimentão, cebola e alho. Originário do norte da África, foram trazidos pelos judeus que vieram para Israel, principalmente de Marrocos.