Parar a guerra em Gaza

Além de ter morto milhares de crianças e civis palestinianos na resposta aos ataques mortíferos do Hamas, Israel violou o direito humanitário e levou ao colapso da vida da população da Faixa de Gaza. Reunimos aqui algumas análises de autores israelitas e palestinianos sobre as consequências imediatas e futuras do conflito. Dossier organizado por Luís Branco.

12 de novembro 2023 - 12:24
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Esta semana assinalou-se um mês desde que milhares de combatentes enviados pelo Hamas e outros grupos romperam as barreiras que separam Gaza do resto do território, lançando-se em ações armadas contra militares israelitas e a população civil dos kibbutzin próximos e de um festival de música que decorria na zona. A matança que se seguiu deixou 1.400 mortos, constituiu o maior falhanço de segurança da história de Israel e mergulhou a sociedade num trauma que aprofundou a divisão e alimentou o ódio.

A resposta do Governo de Netanyahu foi ainda mais brutal, com o início dos bombardeamentos contínuos e indiscriminados sobre a população civil de Gaza, a pretexto de querer atingir os comandos do Hamas, ao mesmo tempo que bloqueou o acesso a água, comida e medicamentos naquele território onde vivem sitiadas mais de dois milhões de pessoas e cerca de metade são crianças. Os números das autoridades de Gaza e das agências internacionais apontam para mais de dez mil mortos ao fim do primeiro mês dos bombardeamentos, num momento em que começou a invasão terrestre. Ao longo do mês, com a complacência dos EUA e de boa parte dos restantes países ocidentais, Israel ignorou os apelos do secretário-geral da ONU para um cessar-fogo que permitisse fazer chegar ao território a ajuda humanitária, com o seu diplomata nas Nações Unidas a acusar António Guterres de ter como prioridade "ajudar os terroristas".

Ao longo das últimas semanas, o Esquerda.net tem acompanhado a evolução do conflito, com destaque para as mobilizações em todo o mundo que exigem o fim dos massacres e as vozes da esquerda israelita que recusam a escalada da guerra e da retórica da extrema-direita religiosa que ocupa o poder no seu país.

Neste dossier, publicamos uma entrevista feita esta semana com a eurodeputada Marisa Matias, que critica a "posição envergonhada" do Governo, as declarações de Marcelo que "envergonharam o país" e o "duplo padrão" da posição da União Europeia no que respeita a israelitas e palestinianos.

Também esta semana, o premiado jornalista israelita Haggai Matar, diretor executivo da revista +972, faz um primeiro balanço do que o ataque de 7 de outubro e a resposta militar significou para a sociedade em Israel, considerando-o um momento histórico que veio mudar o equilíbrio de poder entre israelitas e palestinianos e vai mudar o curso dos acontecimentos daqui para a frente.

A jornalista, escritora e ativista feminista Samah Salaime, fundadora da ONG Arab Women in the Center - AWC, que promove o estatuto da mulher e o combate a violência doméstica em várias cidades, conta como no último mês Israel está a castigar os cidadãos árabes do país pelo crime de pertença ao povo palestiniano. A escalada das ameaças não poupa cidadãos comuns nem figuras públicas, com notícias de muitas detenções por publicações nas redes sociais.

A partir da sua experiência na ajuda humanitária na Faixa de Gaza, o diretor da agência da ONU para os refugiados da Palestina, Phillipe Lazzarini, escreveu um artigo na imprensa internacional com o título "A História julgar-nos-á a todos se não houver um cessar-fogo em Gaza", em que descreve a situação testemunhada pelos funcionários da sua agência, que então já tinha perdido 35 trabalhadores, muitos deles mortos com as famílias em suas casas.
 
O conceituado historiador israelita Ilan Pappé, autor de  "A limpeza étnica da Palestina em 1948", parte da declaração de António Guterres que teve como resposta da diplomacia israelita a exigência da sua demissão - de que os ataques de 7 de outubro não surgiram do vazio - para alertar que um novo tipo de alegação de antissemitismo pode estar agora em cima da mesa. Depois de Israel ter feito pressão para que a definição de antissemitismo fosse alargada de forma a incluir críticas ao Estado israelita e o questionar da base moral do sionismo, agora, contextualizar e historicizar o que está a acontecer pode também desencadear uma acusação de antissemitismo, avisa o historiador. O debate sobre a estigmatização da contextualização do conflito e a limitação do enquadramento da discussão é também o tema da reflexão escrita pela filósofa e feminista norte-americana Judith Butler logo após o ataque do Hamas.

Michel Warschawski, jornalista e figura histórica do movimento pacifista israelita, defende nesta entrevista que o princípio de igualdade entre as comunidades de Israel e Palestina é essencial para que se possa pensar numa verdadeira coexistência. E refere que apesar do isolamento das vozes pela paz no seu país, que diz ter sido ainda pior entre 1967 e a guerra do Yom Kippur, as vozes da razão que se levantam são em primeiro lugar as das famílias e entes queridos dos reféns e das vítimas dos massacres perpetrados pelo Hamas em 7 de outubro.

É isso que relatou também a líder da organização pela paz B'Tselem, Orly Noy, num artigo onde refere vários testemunhos e conclui que Israel abandonou o Sul num crime colossal e não pode redimir o seu crime com o sangue de inocentes em Gaza. Nos primeiros dias que se seguiram a esses massacres e ao início dos bombardeamentos, destacámos a conversa de Catarina Martins com Shahd Wadi, ativista palestiniana radicada em Portugal, no podcast Contra Regra.

Noutro artigo deste dossier, o investigador Gilbert Achcar questiona-se sobre o objetivo político da invasão terrestre de Gaza, agora em andamento, recordando o discurso de Netanyahu na ONU duas semanas antes dos ataques de 7 de outubro onde brandiu um mapa do Médio Oriente mostrando um Grande Israel que incluía Gaza e a Cisjordânia.

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