A legislação portuguesa sobre cooperativismo
As cooperativas eram reguladas pelo Código Comercial aprovado pela carta de lei de 28/6/1888. Depois do 25 de Abril de 1974 o decreto-lei 454/80 de 9/10 (Código Cooperativo) passou a regular o regime de constituição e de actividade das cooperativas. Foi posteriormente alterado pelo decreto-lei 238/81 de 10/8, lei 1/83 de 10/1, decreto-lei 335/83 de 16/7, decreto-lei 31/84 de 21/1, decreto-lei 230/88 de 5/7, decreto-lei 403/86 de 3/12, decreto-lei 399/86 de 27/11. A lei 51/96 de 7/9 deu nova redacção ao Código Cooperativo, que foi depois alterado pelo decreto-lei 343798 de 6/11, decreto-lei 131/99 de 21/9, e decreto-lei 76-A/2006 de 29/3. A lei 119/2015 de 31/8, com entrada em vigor em 30 de Setembro de 2015, deu nova redacção ao Código Cooperativo.
As cooperativas dos diferentes sectores de actividade foram reguladas, quanto às suas especificidades, por leis especiais:
As cooperativas de consumo pelo decreto-lei 311/81 de 18/11, que foi substituído pelo decreto-lei 523/2012, alterado pelo decreto-lei 76-A/2006 de 29/3.
As cooperativas de comercialização pelo decreto-lei 311/81 de 18/11 que foi substituído pelo decreto-lei 522/99 de 10/12.
As cooperativas agrícolas pelo decreto-lei 394782 de 21/9 que foi substituído pelo decreto-lei 335/99 de 20/8, depois alterado pelo decreto-lei 22/2001 de 3/1, e pelo decreto-lei 23/2001 de 30/1. Subdividem-se em cooperativas agrícolas de produção, de compra e venda, de máquinas, mútuas de seguro, rega, assistência técnica, vitivinícola, leiteira, frutícola hortícola e florícola, florestal, olivícola, pecuária e agrícola, podendo uma cooperativa, excepto se for de produção, desenvolver mais do que uma actividade.
As cooperativas de crédito agrícola pelo decreto-lei 231/82 de 17/6, alterado pelo decreto-lei 316/85 de 2/8, pelo decreto-lei 87/88 de 10/3, depois substituído pelo decreto-lei 24/91 de 11/1, alterado pelo decreto-lei 230/95 de 12/9, pelo decreto-lei 102/99 de 31/3, pelo decreto-lei 76-A/2006 de 29/3 e pelo decreto-lei 142/2009 de 16/6.
As caixas agrícolas que quiseram ter como seu objecto o crédito agrícola mútuo das cooperativas de crédito agrícola puderam fazê-lo nos termos do aviso do Banco de Portugal nº 6/99 de 29/12.
As cooperativas de construção e habitação pelo decreto-lei 218/82 de 2/6, depois alterado pelo decreto-lei 502/99 de 19/11 e pelo decreto-lei 76-A/2006 de 29/3. Ao regime de financiamento das cooperativas de construção e habitação passaram a ser aplicáveis a portaria 692/85 de 17/9, a portaria 302/88 de 12/5, decreto-lei 202-B/86 de 22/7, decreto-lei 37/88 de 5/2, decreto-lei 77/89 de 3/3, decreto-lei 234/95 de 13/9, decreto-lei 145/97 de 11/6 e decreto-lei 162/93 de 7/5.
As cooperativas de produção pelo decreto-lei 309/81 de 16/11.
As cooperativas de artesanato pelo decreto-lei 303/81 de 12/11.
As cooperativas de pescas pelo decreto-lei 312/81 de 18/11.
As cooperativas culturais pelo decreto-lei 313/81 de 19/11.
As cooperativas de solidariedade social pelo decreto-lei 7/98 de 15/1, tendo pelo decreto-lei 101/97 de 13/9 sido estendidos a elas os direitos, os deveres e os benefícios, designadamente fiscais, das Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS).
As cooperativas de serviços pelo decreto-lei 323/81 de 4/12.
As cooperativas de ensino pelo decreto-lei 441-A/82 de 6/9. Pela portaria 257/94 de 29/4 estas cooperativas foram equiparadas a IPSS para efeito de apoios financeiros para aquisição de equipamentos.
O regime de benefícios fiscais das cooperativas foi regulado pelo decreto-lei 456/80 de 9/10, que foi substituído pela lei 85/98 de 16/12, alterada pela lei 393/99 de 1/10, pela lei 3-B/2000 de 4/4, pela lei 30-C/2000 de 29/12.
Têm direito a ser declaradas pessoas colectivas de utilidade pública, nos termos do decreto-lei 425/79 de 25/10, as cooperativas que não prossigam fins económicos lucrativos, nomeadamente as culturais, as que prossigam iniciativas no âmbito da segurança social, e as cooperativas de consumo que negociem exclusivamente com os seus associados.
O estatuto das pessoas colectivas de utilidade pública foi regulado pelo decreto-lei 460/77 de 7/11. O registo das pessoas colectivas de utilidade pública foi regulado pelo decreto-lei 57/78 de 1/4. O decreto-lei 65/83 de 4/2 possibilitou a requisição de funcionários públicos e de trabalhadores de serviços públicos personalizados no caso de serem eleitos para o exercício de funções de direcção em pessoas colectivas de utilidade pública, incluindo consequentemente cooperativas reconhecidas como pessoas colectivas de utilidade pública.
Em 1976, pelo decreto-lei 902/76 de 31/12, foi criado o Instituto António Sérgio para apoiar as iniciativas no âmbito do cooperativismo em conformidade com os princípios cooperativos da Aliança Cooperativa Internacional. O decreto-lei 63/90 de 20/2 deu novos estatutos ao Instituto António Sérgio, tendo este diploma sido posteriormente alterado pelo decreto-lei 183/90 de 20/2 e pelo decreto-lei 204/92 de 2/10.
O decreto regulamentar regional 11/79/A de 17/4 da Região Autónoma dos Açores criou o Instituto Regional de Apoio ao Sector Cooperativo, depois alterado pelo decreto regional 20/82/A de 3/5. As cooperativas, sendo pessoas colectivas, estão sujeitas a registo no Registo Nacional de Pessoas Colectivas, que foi reorganizado pelo decreto-lei 144/83 de 31/3, que sofreu posteriores e sucessivas alterações.
O decreto-lei 31/84 de 21/1 possibilitou a constituição de cooperativas de interesse público, também designadas régies cooperativas. Essas cooperativas são pessoas colectivas constituídas nos termos do Código Cooperativo que, para prossecução dos seus fins, associam o Estado e outras pessoas colectivas de direito público e cooperativas ou utentes dos bens e serviços produzidos. O nº 3 do artigo 1 deste decreto-lei foi declarado inconstitucional com força obrigatória geral pelo Tribunal Constitucional por acórdão publicado no Diário da República, 1ª série, de 24/4/1989. Posteriormente este decreto-lei foi alterado pelo decreto-lei 76-A/2006 de 29/3.
Porque as normas do Código Cooperativo são muito pormenorizadas, os estatutos das cooperativas podem ser redigidos de forma simplificada, remetendo, no que não for específico de cada cooperativa, para o disposto no Código Cooperativo.
O cooperativismo quis ser alternativa ao sistema económico capitalista
O cooperativismo nasceu com a revolução industrial. Então os salários mal davam para alimentar as famílias operárias, camponeses emigrados dos campos para as cidades à procura de melhores condições de vida. Não havia legislação limitadora das jornadas de trabalho que só se interrompiam para curtas refeições e escassas horas de sono.
Em Manchester, Inglaterra, 28 operários organizaram-se procurando cooperar uns com os outros para trabalhar sem depender de patrão. Instalaram-se num armazém, em 21 de Dezembro de 1844, no bairro de Rochdale e chamaram a sua organização de produção “Sociedade dos Honestos de Rochdale”. Fixaram regras baseadas em princípios de justiça, equidade e igualdade entre os seus membros, que continuam a ser as adoptadas pelo cooperativismo em todo o mundo. Os pioneiros de Rochdale aspiravam a que o cooperativismo substituísse progressivamente, sem convulsão social e política, o sistema capitalista de produção industrial por sistema de produção industrial cooperativo.
Na sequência dessas ideias defendeu-se que produção fosse organizada com base na cooperação dos trabalhadores sob forma de sociedades cooperativas que vendessem por preços justos os bens produzidos sem falsificação nem outras fraudes às cooperativas dos consumidores dos centros urbanos.
A fraude na produção sempre foi intrínseca à produção capitalista. Por isso os 28 operários de Rochdale se denominaram «os honestos». E uma das primeiras cooperativas de produção de pão denominou-se «Panificadora Verídica», porque era frequente a falsificação do pão, incluindo por incorporação de pó de calcário branco, que, sendo muito mais barato que a farinha de trigo, não alterava a cor nem o gosto do pão e fazia- pesar mais.
Como se sabe o sistema de produção concorrencial capitalista, buscando em primeiro lugar o lucro, além de tentar reduzir os salários e outros benefícios sociais, sempre procura falsificar os bens que produz e a segurança dos trabalhadores e ambiental no processo de fabrico. Há, relativamente a isso, que citar o conhecido exemplo da fábrica de produtos químicos tóxicos da empresa norteamericana Union Carbide, em Bhopal, Índia, que, em 3 de Dezembro de 1984, com a redução drástica das despesas de manutenção do seu equipamento fabril, causou fuga massiva de gases venenosos que mataram imediatamente mais de 3.000 pessoas e depois mais dez mil que morreram em consequência disso, tendo ainda causado a outros muitos milhares de habitantes da região graves doenças crónicas. Recentemente (Setembro de 2015) descobriu-se que o grande grupo alemão de produção de automóveis, Volks Wagen, para aumentar significativamente o lucro, vendeu muitas centenas de milhares de automóveis fraudulentamente certificados os gases de escape que libertam como de baixa poluição, embora sendo muito superior. Estes são exemplos do que é frequentemente prática intencional do capitalismo; procura ganhar dinheiro de qualquer modo, não hesitando em recorrer a meios desonestos e mesmo criminosos.
A este projecto de desenvolvimento socialmente justo e sem fraudes da produção industrial e agrícola e da organização do consumo faltou o indispensável apoio político.
Eram e são os detentores do capital que determinam a constituição dos governos, apoiando os candidatos a governantes que lhes dão garantias de defender os seus interesses, e fazendo cair do poder os que as não dão.
O desenvolvimento industrial exige grandes capitais que são controlados pelos bancos que necessariamente pertencem aos mais ricos e são por eles geridos. Os bancos não se dispuseram a financiar as sociedades cooperativas, porque os interesses que defendem eram os das classes pobres fornecedoras de trabalho de baixo custo e porque, sendo constituídas por pessoas necessariamente sem bens, não davam garantia de reembolso do capital que os bancos se dispusessem a emprestar.
As classes dominantes nos países em que o capitalismo se foi desenvolvendo, porque as organizações cooperativas não se propunham acabar com a produção industrial capitalista, não perseguiram criminal e policialmente o cooperativismo. Em vez disso admitiram-no, enquadrando-o legalmente e mesmo concedendo-lhe apoios, não para substituir o sistema capitalista de produção industrial, mas para organizar a produção industrial e a de serviços sobretudo o consumo, nos grupos sociais menos integrados económica e socialmente, nomeadamente nas áreas rurais e nos bairros urbanos mais pobres.
As revoluções sociais e políticas que se propuseram eliminar a produção industrial capitalista também não optaram por organizar, nos países em que tiveram o poder, com base em estruturas cooperativas de produção, de modo a dar voz a todos os produtores, e o poder ser definido a todos os níveis com base no princípio de cada pessoa um voto.
As revoluções sociais e políticas que se propuseram eliminar a produção industrial capitalista também não optaram por organizar, nos países em que tiveram o poder, com base em estruturas cooperativas de produção, de modo a dar voz a todos os produtores, e o poder ser definido a todos os níveis com base no princípio de cada pessoa um voto. Tê-lo-ão feito por autodefesa contra o activo combate político, económico e mesmo militar que os países de economia industrial capitalista activamente organizaram contra os países que substituíram por revolução o sistema de produção baseado na propriedade privada dos grandes meios de produção, como aconteceu na Rússia em 1917, no Vietname depois da retirada militar dos japoneses no fim da segunda guerra mundial, da China em 1949 e de Cuba em 1959. Nestes países o cooperativismo foi apoiado, mas também só para dar resposta a debilidades organizacionais de produção. Privilegiou-se, em vez disso, a organização da produção industrial e de serviços em estruturas produtivas geridas segundo o modelo da produção industrial capitalista, mas sob a direcção de chefias designadas pelo poder político.
Porque ambos os modelos (capitalista e socialista) de organização social e política remeteram a organização cooperativa da produção e do consumo para funções económicas e sociais marginais, o modelo cooperativo continua a assegurar função económica e social. Só os regimes fascistas atacaram radicalmente as estruturas cooperativas, quando as não podiam dominar politicamente. Em Portugal para a forte organização cooperativa designada “Sindicato das Cooperativas do País” foi nomeada pelo governo autoritário salazarista, em 1932, comissão liquidatária, tendo pelo decreto nº 21.957 datado de 8 de Dezembro de 1932 sido posto prazo de 15 dias à administração do Sindicato das Cooperativas do País para entregar à comissão liquidatária a sua escrita.
Em Portugal a cooperação entre os agricultores criadores de vacas de leite evoluiu desde muito antes do 25 de Abril de 1974 até se estruturar em uniões de cooperativas que asseguraram e continuam a assegurar a recolha, a industrialização e a distribuição de leite e de produtos lácteos produzidos no país. Para isso contribuiu significativamente a política seguida, em relação ao leite, logo depois do 25 de Abril, de liquidação da estrutura corporativa agrícola (a Corporação da Lavoura) com transferência das suas funções económicas a nível concelhio (os grémios da lavoura) e a nível regional (as federações dos grémios da lavoura) para estruturas cooperativas a criar então ou já existentes.
Como no sector do leite a organização cooperativa tinha significativo desenvolvimento, sobretudo no centro litoral (união das cooperativas leiteiras da Beira Litoral) e no norte litoral (união das cooperativas de entre Douro e Minho), foram transferidas para estas organizações as estruturas de recolha e tratamento de leite criadas nessas regiões pelas respectivas federações regionais dos grémios da lavoura.
Quando, após o 25 de Abril, sobretudo depois de o quarto governo provisório ter publicado a legislação de enquadramento da reforma agrária, os trabalhadores agrícolas das grandes propriedades do sul do país ocuparam e passaram a cultivar as terras a ela destinadas, eles adoptaram a forma cooperativa de organização da produção apesar de alguma resistência inicial da organização política que mais consistentemente as apoiava.
Nas médias empresas industriais e de serviços que depois do 25 de Abril deixaram de pagar aos seus trabalhadores os salários e eles em consequência se organizaram para manter a produção, o poder político favoreceu em 1975 a intervenção do Estado na sua gestão, mesmo quando os trabalhadores manifestaram preferência por se organizarem autonomamente sob forma cooperativa. Nessa área é de referir o caso da pequena empresa instaladora de pequenos aparelhos de ar condicionado, a Telhado e Pereira, Lda., com sede e instalações na Rua do Arco do Carvalhão em Lisboa. Organizou-se em 1976 como cooperativa operária de produção. Conseguiu assim sobreviver à crise que tinha atravessado. Expandiu a sua actividade e veio a criar em edifício próprio unidade industrial em Carnaxide, a FNAC (Fábrica Nacional de Ar Condicionado), que se desenvolveu, chegando a vender cerca de 80% dos pequenos e médios aparelhos de ar condicionado instalados no país. A má gestão do seu dirigente principal, que concentrou os poderes de gestão, levou à sua falência em 1992.
Na construção de habitação própria também a organização cooperativa teve e continua a ter função relevante.
Noutros sectores de produção as cooperativas continuam a ter função de relevo, como no artesanato, na cultura, no ensino, na solidariedade social e nos serviços.
As 82 cooperativas de crédito agrícola abrangem hoje quase todo o país. Estão organizadas na Caixa de Crédito Agrícola Mútuo criada em 1984 funcionando, no essencial, como balcões locais.
As alterações ao regime jurídico das cooperativas pela lei 119/2015 de 31/8
Não são significativas as alterações introduzidas ao regime jurídico das cooperativas pelo Código Cooperativo aprovado pela lei 119/2015 de 31/8, mantendo os ramos do sector cooperativo.
Os órgãos eleitos das cooperativas passam designar-se de modo diferente. Dispõe o artigo 28:
“1 – A administração e fiscalização da cooperativa podem ser estruturadas segundo uma das seguintes modalidades:
- Conselho de administração e conselho fiscal;
- Conselho de administração com comissão de auditoria e revisor oficial de contas;
- Conselho de administração executivo, conselho geral e de supervisão e revisor oficial de contas.
2 – Nos casos previstos na lei, em vez de conselho de administração ou de conselho de administração executivo pode haver um só administrador e em vez do conselho fiscal pode haver um fiscal único.
3 – Nas cooperativas que se estruturem segundo a modalidade prevista na alínea a) do nº 1 e que estejam legalmente obrigadas à certificação legal de contas, é obrigatória a existência de um revisor oficial de contas que não seja membro do conselho fiscal.
4 – As cooperativas com administrador único não podem seguir a modalidade prevista na alínea b) do nº 1.”
É de realçar que o legislador (governo PSD/CDS) optou por alterar as designações dos órgãos sociais das cooperativas (direcção e conselho fiscal) para as aproximar das usadas pelas sociedades comerciais, o que é indiciador da vontade de introduzir no cooperativismo valores do capitalismo.
O mandato dos titulares de órgãos sociais continua a ser de 4 anos, sendo imperativo, mas conta-se como ano completo o da eleição. Passa a ser vedada a eleição para os órgãos sociais e para a mesa da assembleia geral por mais de 3 mandatos, podendo dos estatutos constar número máximo de mandatos menor. A perda de mandato pelos titulares dos órgãos das cooperativas foi alargada à violação grave dos deveres funcionais.
São também alargadas as incompatibilidades na eleição para titulares dos órgãos da cooperativa que tenham mais de 20 membros se os candidatos forem casados entre si ou vivam em união de facto. Nas mesmas condições é vedada a simultânea eleição para órgão de administração e órgão de fiscalização. Prevê-se que em todos os órgãos das cooperativas o presidente tenha voto de qualidade.
As convocatórias para a assembleia geral serão publicadas preferencialmente em jornal do distrito, da região administrativa ou autónoma em que a cooperativa tenha a sua sede com periodicidade não superior a 15 dias. Nas cooperativas com menos de 100 membros a publicação da convocatória terá que ser feita por escrito e via postal registada, ou entregue por protocolo, isto é contra nota de recebimento assinada por quem recebe, podendo ainda ser feita por via electrónica a enviar contra recibo de leitura aos membros que previamente dêem o seu consentimento.
Admite-se que os estatutos prevejam a atribuição de mais do que um voto a cada cooperador, o que contraria os princípios cooperativos, desde que a cooperativa tenha mais do que 20 membros e não seja de produção operária, de artesanato, de pescas, de consumo ou de solidariedade social. O número de votos máximo por cooperador é de 3 nas cooperativas até 50 cooperadores, e de 5 nas cooperativas com mais de 50 cooperadores. O direito a voto plural não pode ser usado em votações sobre a redacção dos estatutos, fusão, cisão, dissolução, filiação da cooperativa em união, federação ou confederação, proposição de acção contra administradores e titulares do órgão de fiscalização e respectiva desistência ou transacção.
É admitida a atribuição de direito de voto a investidores na cooperativa, podendo cada investidor ter direito a mais do que 1 voto nas condições fixadas nos estatutos, o que também contraria os princípios cooperativos. Mas os investidores na cooperativa não podem, em conjunto, ter mais que 30% do total dos votos dos cooperadores.
A administração das cooperativas até 20 cooperadores pode ser exercida por um único titular, que designará substituto. Nas que tiverem mais que 20 cooperadores a administração é exercida por um presidente e dois vogais.
É vedado aos administradores da cooperativa e aos titulares do seu órgão de fiscalização:
“a) Negociar, por conta própria, directamente ou por interposta pessoa, com a cooperativa, sem prejuízo da prática dos actos inerentes à qualidade de cooperador;
b) Exercer actividade concorrente com a da cooperativa, salvo mediante autorização da assembleia geral;
c) Aproveitar oportunidades de negócio da cooperativa em benefício próprio, salvo autorização da assembleia geral.”
O órgão de fiscalização das cooperativas até 20 cooperadores será composto por um único titular; se tiver número de cooperadores superior terá um presidente e dois vogais. Se a cooperativa estiver legalmente obrigada a certificação das suas contas, o órgão de fiscalização incluirá revisor oficial de contas ou sociedade de revisores, desde que não sejam membros do conselho fiscal. É prevista a existência de comissão de auditoria a eleger pela assembleia geral composta por parte dos membros do conselho de administração e revisor oficial de contas, que não podem ter funções executivas nem de representação em actos executivos. Os titulares da comissão de auditoria não podem ser destituídos senão por justa causa.
No caso de nos estatutos se prever a existência de conselho de administração executivo, deve ele informar trimestralmente o conselho geral e de supervisão da política de gestão que se propõe seguir, da situação da cooperativa, da evolução da sua actividade, do relatório completo da actividade de gestão no exercício anterior, de outros factos que possam influenciar significativamente a actividade e dos resultados da gestão.
O conselho geral e de supervisão da cooperativa tem as competências previstas para o conselho fiscal. O revisor oficial de contas verifica a regularidade dos livros e dos registos contabilísticos, a exactidão dos documentos de prestação de contas, a correcção da avaliação do património e dos resultados. Os administradores respondem pelos danos causados à cooperativa pelos seus actos ou omissões com desrespeito dos seus deveres legais, estatutários, fixados por regulamento interno, ou por deliberação da assembleia geral, e também aos credores da cooperativa. Os directores executivos, os gerentes e os outros mandatários têm responsabilidades semelhantes. A responsabilidade dos administradores é solidária. Os titulares dos órgãos de fiscalização e o revisor oficial de contas respondem em termos semelhantes pelo não cumprimento dos seus deveres. As cooperativas são de responsabilidade limitada, isto é só o seu património responde pelas suas obrigações, sem prejuízo de responsabilidade civil por má gestão ou má fiscalização pelos titulares dos correspondentes cargos, admitindo-se a responsabilidade ilimitada se constar dos estatutos.
O capital social das cooperativas é variável, com o mínimo de 1.500 euros, sendo composto pelas entradas de cada cooperador. O capital social é representado por títulos nominativos de capital de 5 euros ou de múltiplos de 5 euros. A entrada de cada cooperador não pode ser inferior a 3 títulos de capital. A transmissão de títulos de capital pode ser feita mediante autorização do órgão de administração da cooperativa, sendo essa autorização limitada às condições que forem fixadas nos estatutos. No caso de um cooperador falecer, os títulos a que houver tido direito transmitem-se aos seus herdeiros ou legatários, devendo ser averbados em nome deles.
Se não for admissível a transmissão de títulos de capital por morte, os herdeiros têm direito ao reembolso do valor dos títulos.
As cooperativas não podem adquirir os seus títulos de capital senão gratuitamente. Os títulos de capital podem dar direito a juros se os estatutos o previrem, desde que o encargo correspondente não ultrapasse 30% dos resultados anuais líquidos da cooperativa. Os cooperadores que se demitirem podem ser reembolsados pelo valor nominal dos títulos de capital que hajam realizado no prazo que for fixado nos estatutos ou, se não for fixado, no de um ano.
Os estatutos podem condicionar o reembolso de títulos de capital acima de montante superior a certa percentagem do capital social. Prevê-se a possibilidade de obrigatoriedade de jóia de admissão nas cooperativas. Prevê-se também que a assembleia geral delibere o reforço do capital social mediante a emissão de títulos de investimento ou de obrigações, podendo ser subscritos por não cooperadores. Os títulos de investimento, que são nominativos e transmissíveis, podem dar direito a remuneração anual segundo critérios a fixar. Os títulos de investimento poderão ser convertíveis em títulos de capital, e ser emitidos com prémios de emissão. Os títulos de investimento são considerados equiparados a obrigações de sociedades comerciais.
Os títulos de investimento podem ser emitidos por subscrição pública. Os subscritores de títulos de investimento poderão eleger representante com direito a assistir às reuniões do órgão de fiscalização da cooperativa, se a assembleia geral da cooperativa o decidir. Neste caso, a decisão da assembleia geral é irrevogável. Estas normas sobre o capital das cooperativas contrariam os princípios do cooperativismo, permitindo que terceiros que investirem na cooperativa partilhem o poder social sem serem cooperadores.
Os excedentes anuais líquidos de operações realizadas com cooperadores poderão retornar aos cooperadores em conformidade com o previsto nos estatutos, em regulamento ou por decisão da assembleia geral.
As uniões de cooperativas podem constituir-se com pelo menos duas cooperativas. Na assembleia geral da união o número de votos de cada cooperativa será determinado pelos estatutos em função do número de cooperadores ou segundo outro critério, desde que tenha a aprovação maioritária dos membros da união. Os órgãos de administração e fiscalização da união serão compostos por pessoas singulares membros das cooperativas integrantes da união. As federações agrupam cooperativas, podendo também agrupar uniões desde que do mesmo ramo cooperativo.
As confederações de cooperativas resultam do agrupamento a nível nacional de cooperativas de grau superior ao primeiro, podendo excepcionalmente agrupar cooperativas de primeiro grau. A fusão, a cisão, a transformação, a dissolução e a liquidação das cooperativas é admissível nos termos previstos no Código Cooperativo.
À Cooperativa António Sérgio para a Economia Social (CASES) compete fiscalizar a utilização da forma cooperativa com respeito pela lei. Compete à CASES receber:
- Cópia dos actos de constituição e de alteração dos estatutos, até 30 dias após o registo;
- Cópia dos relatórios anuais de gestão e dos documentos anuais de prestação de contas, até 30 dias após a sua aprovação;
- Cópia do balanço social, quando, nos termos legais, for obrigatória a sua elaboração, até 30 dias após a sua elaboração, que lhe serão obrigatoriamente remetidos;
Compete-lhe ainda:
Emitir, anualmente, credencial comprovativa da legal constituição e regular funcionamento das cooperativas (o apoio técnico e financeiro às cooperativas por parte de entidades públicas fica dependente da credencial emitida pela CASES).
Requerer, através do Ministério Público, junto do tribunal competente, a dissolução das cooperativas que:
- Não respeitem, na sua constituição ou funcionamento, os princípios cooperativos; ou
- Utilizem sistematicamente meios ilícitos para a prossecução do seu objecto; ou
- Recorram à forma de cooperativa para alcançar indevidamente benefícios fiscais ou outros atribuídos por entidades públicas.
E requerer, junto do serviço de registo competente, o procedimento administrativo de dissolução das cooperativas cuja actividade não coincida com o objecto expresso nos estatutos.
Às cooperativas constituídas até à entrada em vigor do Código Cooperativo publicado em 31 de Agosto de 2015 é aplicável o disposto nele, mantendo-se todavia as denominações dos seus órgãos.
As maiores alterações ao Código Cooperativo de 1996 infringem a Constituição
O novo Código Cooperativo de 31 de Agosto de 2015 introduz alterações significativas ao regime legal das cooperativas, que são:
- A admissão na cooperativa de membros investidores não cooperadores com direito a voto, podendo ter mais do que um voto (art. 20) na assembleia geral.
- A atribuição a não cooperadores, que forem investidores por títulos de capital e por títulos de investimento na cooperativa, do direito de integrar os órgãos sociais dela (art. 20, 4, f).
- Os cooperadores poderem ter direito a mais do que um voto na assembleia geral (art. 41).
- Admissão da existência de comissão de auditoria e revisor oficial de contas e de administração executiva e conselho geral e de supervisão (art. 28).
- Possibilidade de as cooperativas emitirem títulos de investimento (art. 91), incluindo por subscrição pública, que podem ser subscritos por pessoas estranhas à cooperativa, sendo semelhantes a obrigações com direito a remuneração do capital investido, a prémio de reembolso, a conversão em títulos de capital, a prémio de emissão com direito dos seus titulares a passar a ser membros da cooperativa (arts. 91 e seguintes). Os subscritores de títulos de investimento podem fazer-se representar no órgão de fiscalização da cooperativa (art. 94) por decisão da assembleia geral irrevogável.
Estas normas podem levar à descaracterização dos princípios do cooperativismo que todavia no Código Cooperativo são afirmadas com ênfase (art. 3). A admissão de excepções ao princípio de cada cooperador ter um voto; de só os cooperadores terem voz e voto na assembleia geral; de os titulares de títulos de investimento, membros investidores, terem direito a voto na assembleia geral, podendo cada um ter mais que um voto; a possibilidade de os títulos de investimento serem convertíveis em títulos de capital com direito dos seus titulares a ser membros da cooperativa; a faculdade de os subscritores de títulos de investimento poderem fazer-se representar no órgão de fiscalização por decisão irrevogável da assembleia geral da cooperativa; são significativas infracções aos princípios cooperativos que poderão levar a que as cooperativas caiam em mãos de investidores interessados em controlá-las, e que a forma cooperativa seja usada por investidores privados para usufruir de benefícios fiscais e de apoios ao investimento concedidos ou a conceder à economia ao sector cooperativo e social de propriedade dos meios de produção previsto no art. 82 da Constituição.
Porque as normas referidas do novo Código Cooperativo esbatem a distinção de regime legal entre o sector cooperativo e social dos meios de produção e o sector privado cuja existência distinta é garantida pelo art. 82 da Constituição, as normas referidas infringem a Constituição.