Face ao grande avanço da indústria automóvel chinesa no fabrico dos veículos elétricos e na tecnologia das suas baterias, mas também ao grande atraso europeu na implantação de infraestruturas para carregamento público destes veículos, o que afasta os consumidores dos veículos 100% elétricos, a indústria automóvel europeia aposta na venda dos veículos híbridos plug-in (PHEV), que combinam o motor a combustão com baterias elétricas de baixa autonomia.
União Europeia
Indústria automóvel quer despedir enquanto aumenta lucros
porLuís Branco
Desta forma, os fabricantes e o poder político europeu podem dizer que estão a cumprir as metas de descarbonização e usar o argumento verde no marketing de venda destes automóveis. Mas um relatório agora publicado pelo grupo de pressão que representa em Bruxelas muitas ONG ambientalistas, o Transport & Environment (T&E), tirou a máscara aos números anunciados pelas marcas automóveis.
Nos testes realizados a 800 mil veículos vendidos entre 2021 e 2023, dos quais 127 mil matriculados em 2023, a organização verificou que as emissões de dióxido de carbono (CO2) são quase cinco vezes superiores ao anunciado. E a diferença tem vindo a crescer, de 3,5 vezes em 2021 para 4,9 vezes em 2023.
Com o escândalo do “dieselgate” ainda na memória da indústria e dos consumidores, a T&E explica que desta vez não se trata de manipulação dos resultados das emissões em laboratório. O motivo da diferença da redução de poluição dos veículos PHEV em relação aos movidos exclusivamente a combustíveis fósseis entre o anunciado - menos 75% - e o real - menos 19% - está no chamado “fator de utilidade”, o parâmetro que calcula qual a fatia de condução feita em modo elétrico. Atualmente, os fabricantes assumem à partida que a fatia de utilização apenas do modo de condução elétrico é de 84% pra 70 quilómetros de autonomia, quando na realidade ela é apenas de 27%.
Os reduzidos ganhos ambientais dos veículos híbridos plug-in não são uma surpresa. Já em 2020 a Federação Europeia de Transportes e Ambiente dizia que eles chegavam até a poluir mais do que os veículos movidos apenas combustíveis fósseis.
“Fator de utilidade” será corrigido, mas ainda distante do valor real
Mas mesmo quando os condutores pensam estar a conduzir apenas em modo elétrico, o motor a combustão é chamado a auxiliar, com emissões de 68gCO2/km, e fornece potência para quase um terço do percurso em modo elétrico, o que representa mais custos na bomba de gasolina do que pensavam quando compraram o carro PHEV. O resultado final dos testes na estrada é que a diferença nas emissões dos PHEV é muito pouca em comparação com os híbridos convencionais ou mesmo com os carros a gasolina e gasóleo.
A T&E diz que a correção prevista do “fator de utilidade” para 54% em 2025/2026 e para 34% em 2027/2028 é bem-vinda, mas ainda assim os testes indicam que as emissões reais ficarão 18% acima do que os números oficiais usados na publicidade e que justificam o dinheiro gasto em apoios públicos e descontos fiscais a estes carros, sem que haja grande proveito ambiental.
No caso português, o Governo acaba de aumentar o limite de emissões de CO2 de 50 para 80 gramas por quilómetro para incluir os híbridos plug-in nos benefícios fiscais do Imposto Sobre Veículos em 2026, uma medida que pode vir a custar 100 milhões de euros em despesa fiscal, aponta o semanário Expresso.
Automóveis híbridos são “desastre ambiental”, revela estudo sobre emissões reais
Quanto aos veículos conhecidos como EREV (Extended-range electric vehicle), que prometem maior autonomia com baterias maiores e carregamentos rápidos, a T&E diz que o problema é o mesmo dos PHEV, pois dependem do motor a combustão para conseguir esse longo alcance. Os modelos comercializados na China têm depósitos maiores de combustível e a T&E vê poucos benefícios para a Europa na entrada destes modelos, com reduzido interesse da indústria e uma cadeia de abastecimento dominada pela China.
Indústria quer atrasar meta de redução de emissões dos automóveis na UE
Face aos apelos do lóbi da indústria automóvel alemã para enfraquecer as metas definidas para a transição elétrica do parque automóvel, prolongando a venda dos PHEV para lá de 2035 e enfraquecendo as correções ao “fator de utilidade”, a T&E alerta que “se fosse aceite, prejudicaria o caminho da UE para a neutralidade climática, ao permitir a venda de veículos híbridos disfarçados de veículos com emissões zero, possibilitando que estes representassem 100% das novas vendas mesmo após 2035”.
O grupo quer que a Europa aposte a sério nos veículos 100% elétricos para criar novos empregos ao longo da cadeia de valor. “Para evitar que a indústria automóvel europeia
tenha um futuro condenado, baseado em tecnologia híbrida desatualizada e ineficaz, a UE deve manter-se
firme durante a próxima revisão regulamentar”, mantendo as metas para 2030 e 2025 e recusando a abertura de novas categorias para estes veículos PHEV. Além disso, recomenda que a revisão do “fator de utilidade” se fala de dois em dois anos, para fechar o intervalo entre os consumos anunciados e os reais.
Neste período de transição até 2035, a T&E recomenda que os critérios para apoios públicos e fiscais aos PHEV sejam direcionados às viaturas com motor elétrico com o triplo da potência do motor a combustão, com autonomia mínima de 200 quilómetros em 2030, com capacidade de carregamento rápido (DC) acima de 100kW e com um depósito de combustível de 15 litros no máximo, isto para encorajar os condutores a carregarem a bateria e depender menos do motor a combustão.