Foi no Bar Espiga, perto do Jardim da Cordoaria do Porto, que os militantes e simpatizantes do Bloco de Esquerda encheram a sala e esgotaram as cadeiras para uma conversa sobre a crise de habitação e os problemas de quem arrenda ou compra casa em Portugal. “Decidimos que dedicaríamos esta noite a uma conversa de café sobre um assunto que tem marcado esta eleição”, disse Marisa Matias.
A deputada do Bloco de Esquerda explicou que “em nenhuma campanha houve tanta gente a vir falar connosco sobre uma questão tão específica, tão complexa e tão vasta como esta”. No distrito do Porto, o novo estilo de campanha que o Bloco inaugurou permitiu que houvesse um maior contacto com pessoas em situações precárias de habitação.
“Nesses vários encontros conhecemos a história do Emílio, que nas Eirinhas está a lutar contra um despejo completamente ilegal”, disse. “Conhecemos também a Vânia, que me escreveu uma mensagem no Facebook, e que está aqui hoje“.
A sala “é um bocadinho o retrato do que está a ser esta campanha”: gente que “nunca vimos” mas com quem “partilhamos tantas lutas”. “As pessoas querem falar connosco para partilhar as situações que estão a viver para ter soluções”, concluiu a cabeça-de-lista pelo círculo eleitoral do Porto.
Foi precisamente Vânia que tomou primeiro a palavra. Mora em Miragaia, onde cresceu. Em 2016, a sua avó faleceu e comunicou à diocese a vontade de ficar com a casa onde moravam todas. “A diocese disse que era impossível vender o prédio porque foi doado, e nós acreditámos na palavra da Igreja”, explicou. Em 2017 ficou a morar na casa mas sem contrato de arrendamento, apenas com contrato verbal.
Já em 2021, gastou 25.000€ a fazer obras, tendo de recorrer a um empréstimo. Acontece que pouco depois recebeu uma comunicação da diocese a dizer que havia um contrato pronto a assinar, que Vânia negou porque era apenas um contrato de três anos. A 4 de outubro de 2024, recebeu uma carta da diocese a dizer que o prédio tinha sido permutado. “Fiquei incrédula”, admitiu. Como não quis sair, a nova proprietária considerou que a inquilina estava lá ilegalmente e agora tem ordem verbal para sair de casa em 2026.
Em janeiro de 2025, Vânia ficou a conhecer mais dois prédios em Miragaia que foram permutados, bem como várias casas nas Eirinhas. “Miragaia sempre foi um pouco esquecido”, disse a moradora, que agradeceu a Mariana por “ter sido a única” que ouviu os problemas destas pessoas.
Depois foi a vez de Lara, de 18 anos, dar o seu testemunho. Foi morar com os pais para a Póvoa e no ano passado a senhoria entregou-lhes uma ordem de despejo. “Vi-me um bocado perdida. É assim a vida de alguém que mora numa casa arrendada”, explicou. “É sempre um bocado incerta a vida dos meus pais”.
A falta de proteção aos inquilinos é uma das denúncias que o Bloco de Esquerda faz sobre a crise de habitação. O partido defende uma maior fiscalização dos contratos e das situações de arrendamento e proteções no caso de cessação de contratos. “A ideia dos tetos às rendas é bastante interessante, temos de dar um primeiro passo para que as coisas aconteçam”, concluiu Lara.
Pedro, de Celorico, disse que veio estudar para a Universidade de Letras da Faculdade do Porto. “Quando fui colocado na faculdade estive um mês à procura de casa e o mais barato que consegui arranjar foram 470 euros por um quarto”. Os pais tentaram fazer o esforço, mas em janeiro teve de mudar novamente de casa por não conseguir pagar.
“Não encontrava nada a menos de 500€, e mesmo essas ninguém me respondia de volta”, disse. “Tive de ir para uma residência onde pago 650€ por mês, mas vou ter de sair porque continuo sem ter dinheiro para pagar”. Agora, vai ter de cancelar a matrícula e ir trabalhar, com um futuro hipotecado.
Uma campanha para dar voz
Mariana Mortágua tomou a palavra, agradecendo a quem veio partilhar a sua história e dizendo que no ano anterior esteve num comício em Guimarães que foi interrompido por uma mulher que queria falar. “Ela contou a sua história, ia ser despejada e não conseguia encontrar uma casa e interrompeu o comício do Bloco para o dizer”, explicou. “Pensámos nisto e quisemos fazer uma campanha para dar voz a estas pessoas”. Disso são exemplo os contactos porta a porta e este tipo de sessões, em que as pessoas podem contar a sua experiência pessoal.
Nas ilhas do Porto, a coordenadora do Bloco de Esquerda entrou na casa de uma inquilina que tinha “bocados da casa podres” e não consegue arranjar alternativa. “Só foi possível conhecê-la e criar uma relação com ela através da campanha porta a porta”, explicou. "Agora estamos a acompanhar o caso".
“Nós queremos ser isto, um partido que dá voz e que fala dos problemas das pessoas, da realidade das dificuldades de todos os dias”, afirmou a dirigente bloquista. “Esta campanha vai mudar o Bloco de Esquerda e mudar a política: precisamos menos de encenações e demonstrações vazias de poder e precisamos mais de contar as histórias de quem sofre e vive em Portugal”.
Legislativas 2025
Mariana e Louçã em comício para “juntar, juntar, juntar” contra a direita
É “uma campanha com muita festa, muita alegria, mas também com emoção”, e com propostas que são “a cola disto tudo”. O compromisso é que cada deputado e deputada do Bloco de Esquerda “vai levar a habitação ao parlamento”.
Denunciar, combater, dar voz, mas “também mudar a vida”. E isso é compreender “que somos um povo que partilha problemas” e que “o problema da habitação é transversal à sociedade portuguesa”.
Segundo Mariana Mortágua, as campanhas de ódio “não falaram de propostas”, como se “este mundo não existisse”. “Falam apenas de ódio e têm debates inteiros a falar sobre a grande economia, sobre o milésimo de crescimento do PIB, sobre o milagre económico de baixar impostos às grandes empresas”, disse. “Mas não sobre a vida das pessoas”.
O Bloco de Esquerda faz um apelo ao voto porque passou “uma vida inteira a defender as pessoas, quem trabalha, quem precisa de habitação” e tem “um compromisso inabalável de responder pelo nosso povo”, a um país “solidário e grande”.