Mariana Mortágua iniciou a noite de keffiyeh aos ombros, num comício onde houve mais gente do que lugares. Sobre a ânsia de “mudar de vida”, a coordenadora do Bloco de Esquerda aborda a melancolia de um país triste de ditadura, que foi Portugal durante a ditadura e que é retratado no filme “Mudar de vida” de Paulo Rocha. “O 25 de Abril criou um salto para o futuro”, defendeu a dirigente bloquista. “Se nós voltamos sempre ao 25 de Abril é porque ele nos lembra que nada está garantido para sempre. Temos de lutar pelas conquistas todos os dias”.
“Em 2025, tantos anos depois, mudar de país é o destino de milhares de jovens. Mudar de país é a única forma que pessoas que têm um futuro impossível arranjam para fugir. O mesmo aconteceu com a geração da troika, da pandemia, da inflação, da guerra, da crise da inflação. Essa geração vê-se hoje sem carreira, sem casa, sem futuro”, explicou Mariana Mortágua. “Essa geração a quem foi negada uma possibilidade de futuro tem ainda de se reconciliar com o nosso país”.
Por querer um futuro diferente, o Bloco propõe “mudar de vida aqui”, e isso significa “mudar o país”. Essa é “a única forma de combater a extrema-direita, que tem um plano de dividir para reinar”. É “usar o egoísmo como forma de organização da sociedade”.
Mas Mariana Mortágua admite que “o Bloco também tem um plano”. Se o plano da direita é dividir, o plano do Bloco é “juntar, juntar, juntar”. É “olhar para as pessoas e ver o que nos une em vez do que nos divide. O que nos faz um povo”. Nessa ânsia, o partido junta todas as gerações. E “é por isso que Francisco Louçã é candidato por Braga”.

É “quando o ataque é mais forte” que “temos a obrigação de ir buscar todos e todas as que já votaram no Bloco de Esquerda, as que já foram deputadas pelo Bloco de Esquerda”. O voto do Bloco é “um voto solidário”, em que as gerações votam num futuro melhor para toda a gente.
A coordenadora do Bloco de Esquerda aproveitou para trazer ao comício o tema do trabalho por turnos, que por isso mesmo foi eleito como uma das prioridades da campanha. “É o símbolo de um país que leva a vida a correr, que não tem fim-de-semana, que trabalha à noite, que trabalha, trabalha, trabalha e não tem dinheiro para viver como quer”, afirmou Mariana Mortágua. O trabalho por turnos “lembra-nos que em cada um de nós há trabalho, o que nos torna comuns”.
Legislativas 2025
Mariana com Ana Drago: Bloco “responde aos grandes desafios do futuro”
Na política de Pepe Mujica, ex-presidente do Uruguai que faleceu esta terça-feira, a dirigente bloquista vê um programa para toda a esquerda com base no trabalho e na solidariedade. Com uma campanha a acelerar e a crescer, a coordenadora do Bloco de Esquerda afirmou que se está a criar “um movimento” que representa toda a solidariedade. Contra esse movimento, a extrema-direita tem atacado a candidatura de Francisco Louçã, porque “André Ventura sabe que Francisco Louçã no parlamento representa essa força”, concluiu Mariana Mortágua.
“Ninguém é feliz sozinho”
Ovação em pé, música e abraços. Foi assim que Francisco Louçã entrou em palco. A primeira coisa que fez foi prometer novo comício às pessoas que tiveram de ficar fora da sala por falta de lugar. Mudando de assunto, volta ao ano de 1871 para falar d'As Farpas de Eça de Queiroz e Ramalho Ortigão, que fala das dificuldades do regime português da altura, com toda a sua pobreza e “decadência”.
“Foi uma descrição do fim de uma monarquia, veio uma república com muitas eleições. Tivemos depois a ditadura, ficou a tristeza, como se fosse um país condenado”, explicou. Desse regime, disse Sara Barros Leitão que “aqueles que querem justiça e igualdade têm de estar preparados para lutar tão ferozmente como aqueles que querem tirania”.
Cinquenta e um anos depois, “querem-nos convencer que há um país condenado”, admitiu o fundador do Bloco de Esquerda. Por um lado pelo “abismo económico” de uma economia de turismo, baixos salários e sem condições. Por outro, porque “tivemos sempre interesses económicos instalados no poder político, mas há qualquer coisa que está a mudar agora”. O que há de novo é que “as clientelas criam partidos” e Francisco Louçã disse que “criaram dois recentemente”.
O economista aproveitou o discurso sobre o poder económico para falar da Spinumviva e da promiscuidade do poder político, acabando a falar do outro fator para um país que querem “condenado”. A “parlapatice” de quem “esquarteja o país” e submete o poder político a esse poder económico com “negócios extraordinários”.
Legislativas 2025
Mariana e Rosas visitam Forte de Peniche e apelam a uma “grande luta pela liberdade”
No lado oposto estão os casos de pobreza extrema, os casos de mulheres que vivem em vãos de escadas ou o caso de Ana Paula, a quem ameaçaram retirar o filho à nascença por não ter casa. “Essa é a nossa gente”, disse Francisco Louçã.
Passando às razões para votar no Bloco de Esquerda, o fundador do partido sublinhou que sem ser Mariana Mortágua, nenhum líder político “falou da Europa nem da responsabilidade que a Europa tem em Gaza”. Fome, mortes de jornalistas e de profissionais de saúde, crianças assassinadas, são a denúncia de um genocídio na Palestina.
“Não aceitamos uma humanidade zombie, um desconhecimento, uma ignorância, uma ocultação, uma cumplicidade”, afirmou Francisco Louçã. “Gaza é a nossa gente, e o reconhecimento do Estado da Palestina, o fim do embargo, e a condenação dos crimes de guerra de Netanyahu são o único ponto de partida que a Europa pode ter nesta tragédia”.
Mudando de tema, Louçã salientou que as eleições serão determinadas pelas esquerdas. “Quem se cruza com o Bloco de Esquerda sabe o que lhes deu o Bloco de Esquerda”. O fim do corte das pensões, a redução das propinas, o passe social nas áreas metropolitanas, o princípio das carreiras longas na Segurança Social, o direito ao casamento gay, a paridade na política, e muitas outras medidas fizeram o legado do Bloco de Esquerda.
Mas a primeira mudança que o Bloco de Esquerda fez, e que Francisco Louçã lembra, é a transformação da violência doméstica num crime público. Uma medida “que salvou milhares de vidas e protegeu milhares de mulheres e crianças”.
“Juntámos o povo que era preciso”, lembrou o fundador do partido, que acrescenta uma última razão para o voto no Bloco de Esquerda no dia 18 de maio. “Nós temos um voto que garante e que sabe o que faz”, disse. “O voto no Partido Socialista não garante um governo do Partido Socialista, por uma razão muito evidente: ninguém sabe o que é um governo do Partido Socialista”.
Na imigração, na economia, nos direitos sociais, na habitação, “não sabemos o que o Partido Socialista quer”. E quem vota no Partido Socialista, vota também para um governo da AD apoiado pelo Partido Socialista, por outro lado, “pedir o apoio da AD para um governo do Partido Socialista é trair os seus eleitores”.

“Peço a cada um que vote no que quer. Um governo que na segunda-feira comece a trabalhar em colocar tetos às rendas, é esse o voto no Bloco de Esquerda”, disse. Na saúde, na educação, na habitação, onde forem precisas soluções à esquerda, “é esse o voto no Bloco de Esquerda”.
Elogiando Mariana Mortágua, o cabeça-de-lista do Bloco de Esquerda pelo círculo eleitoral de Braga diz que a atual coordenadora do partido “fez mais pela igualdade do que qualquer partido político”. Essa é “a esquerda que não fica à espera e que tem orgulho na liberdade”.
O Portugal da inclusão, da diversidade, do respeito, da força é o “povo do Bloco de Esquerda”, segundo Francisco Louçã. “A mim marca-me uma certeza: ninguém é feliz sozinho. Numa política que faz comunidade, a beleza da fraternidade é aquilo que permite responder ao nosso povo”.
“Tirar um deputado ao Chega e à AD apetece-nos muito, mas a liberdade pode e deve dar ao Bloco mais votos do que à Iniciativa Liberal em Braga”, conclui o ex-coordenador do partido. “Votar no Bloco de Esquerda é a continuação de um combate que não pára.”
Legislativas 2025
Contra o projeto da direita, Mariana perguntou “quem tem medo da liberdade?”
“Libertar o trabalho e libertarmo-nos do trabalho”
José Soeiro foi o apresentador da noite, e começou por citar Pepe Mujica dizendo que “a humanidade precisa de trabalhar menos, ter mais tempo livre e ser mais pé no chão”. Lembrou o ex-presidente do Uruguai que faleceu esta terça-feira e celebrou a sua luta e a sua vida, concluindo com “viva Pepe Mujica”.
Numa conversa cujo mote foi o trabalho, o dirigente e ex-deputado do Bloco de Esquerda abriu a noite falando das suas contradições, da exploração de trabalhadores imigrantes, da precariedade e da falta de condições de trabalho. Lembrou que o trabalho não tem sido central nas campanhas eleitorais e definiu-o como prioridade do Bloco de Esquerda.
Aproveitou também para falar sobre o futuro do trabalho, que significa “libertar o trabalho e libertarmo-nos do trabalho” e dizendo que é preciso pensar o trabalho através da ecologia e dos cuidados para conseguir alcançar esse fim. Foi com esse mote que introduziu no comício Sara Barros Leitão, encenadora, dramaturga, e atriz.
Sara, que criou a estrutura Cassandra, trouxe para o arranque da sessão a sua experiência laboral e como a sua experiência enquanto atriz fala de trabalho. “A arte tem um poder de falar sobre o mundo a partir dos olhos dos invisíveis”, disse. “São os invisíveis que não conseguem escrever a sua própria história, mas que a transformam na arte”.
Relembrou os seus trabalhos que contam a história do Sindicato do Serviço Doméstico, que foi registado pelo marido de uma das fundadoras do sindicato, e perguntou: “quantas histórias sobre trabalho ficaram por contar?”.
“Acho que o teatro não tem na sua história uma tradição de representar o trabalho, só no final do século XIX é que começa a entrar nas peças, Brecht escreve muitas peças sobre trabalho”, disse a artista. “É curioso perceber como é que representamos estas questões e como é que a questão do trabalho vai entrando na nossa vida, porque o trabalho é também uma forma de vermos o mundo”.
Depois, foi a vez de João Teixeira Lopes, ex-deputado do Bloco de Esquerda e sociólogo, entrar em palco. Juntando-se à mesa redonda com Sara Barros Leitão e José Soeiro, Teixeira Lopes aproveitou para falar sobre como “o trabalho é fazer sociedade”. A partir de uma análise marxista do trabalho, o sociólogo diz que ver o trabalho como laço social é “uma pedra no charco” da extrema-direita.
“O capitalismo quer vigiar-nos cada vez mais, quer punir-nos quando saímos da norma, mas quer também fragmentar-nos. E nós hoje estamos muito isolados, ainda que pensemos que estamos conectados. Mas há uma pressão enorme mas nos meter num casulo, em que percamos tempo à volta das arquiteturas da personalidade esquecendo os outros”, explicou.
À volta do trabalho, como à volta do fogo, é possível criar um coletivo. É possível, como diz Chico Buarque, “juntar os cacos e fazer a luta”. “É possível encontrar ligação a outras pessoas e fazer a luta toda”, defendeu João Teixeira Lopes. E essa luta não é uma questão de cálculo, é ir para a rua e mostrar o que a esquerda é: “uma plataforma de alegria”.