“Neutralidade carbónica em 2030 é a única política claramente alinhada com a ciência climática”

03 de outubro 2020 - 11:06

Dia 5 de outubro há ocupação pacífica no Marquês de Pombal em nome de soluções urgentes para a crise climática. Em entrevista ao esquerda.net, a ativista do Climáximo Maria Mesquita fala dos objetivos da iniciativa e critica as metas ambientais do Governo.

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Maria Mesquita, ativista da Climáximo
Maria Mesquita, ativista da Climáximo. Foto de Sofia Alves.

A ação marcada para 5 de Outubro em Lisboa está inserida na mobilização internacional “Climate Care Upsrising”. Podes falar um pouco do que se vai passar no dia 5?

O Climate Care Uprising é uma chamada à ação a nível Europeu, para exigir uma transição das nossas sociedades para um modelo económico focado nos Cuidados. Isto significa cuidar do planeta, combatendo a crise climática, mas também cuidar uns dos outros, através de bons Serviços Nacionais de Saúde, por exemplo. Em Portugal, os Anti-corpos são uma chamada à ação. Pretendemos, no sentido literal, colocar os nossos corpos ao serviço dos princípios em que acreditamos. Ações de desobediência civil não violentas têm demonstrado, ao longo da história, serem uma ferramenta importante no avanço das causas sociais.

Vamos marchar do Jardim Amália Rodrigues até à rotunda do Marquês de Pombal e vamos ocupar a rotunda de uma forma pacífica, replicando algumas das imagéticas da revolução republicana. Queremos reivindicar a “res publica” – a coisa pública, que é de todos e todas e que não devia pertencer a ninguém. Vamos manifestar-nos contra os vírus da maximização do lucro e de todos os sistemas sociais que alimentam a discriminação entre e dentro dos povos, para descontaminar a economia e regenerar as nossas sociedades. A nossa ação é divulgada publicamente e todas as pessoas, com ou sem experiência, são bem-vindas a participar.

O manifesto “Nós Somos os Anti-Corpos”, que serve de base a estas iniciativas, diz que “a civilização como a conhecemos está fatalmente doente”. Qual é a cura que propõem?

Não é uma cura nova, a cura passa por cuidarmo-nos mutuamente. Nós sabemos que é preciso atacar o vírus, não só os sintomas. Um Serviço Nacional de Saúde forte pode proteger-nos das doenças e das pandemias, tal como um Serviço Nacional do Clima poderá salvaguardar um planeta habitável. Um sistema equitativo de Segurança Social pode apoiar todas as pessoas em necessidade, tal como uma economia orientada para os cuidados pode garantir uma vida solidária para todas. Uma habitação digna não só possibilita confinamento e distanciamento físico em tempos de corona, mas também nos protege das tempestades que se preveem com o caos climático.

Garantir energias renováveis e transportes públicos gratuitos para cada pessoa aumenta a nossa resiliência como sociedade para crises económicas, assim como para a crise climática. Um plano massivo de emprego público pode tirar centenas de milhares de pessoas do desemprego e da precariedade e ao mesmo tempo garantir uma transição justa com empregos socialmente úteis.

Mais concretamente, temos três Reivindicações de Emergência:

  • Neutralidade carbónica em 2030: Zero emissões líquidas de gases com efeito de estufa em 2030;
  • Serviços Básicos Incondicionais: Garantir saúde, educação, habitação, alimentação, energia renovável e transportes de forma gratuita e no setor público, para todas as pessoas;
  • Limite Máximo ao Rendimento: Para fazer uma transição energética e garantir serviços públicos para todas as pessoas é preciso dinheiro, e não podem ser as pessoas que menos têm a pagar. Propomos fixar um novo escalão de IRS máximo, aplicado aos rendimentos acima dos 150.000 euros anuais brutos, com a taxação fixada em 99%. Este terá de ser acompanhado de medidas de combate à evasão fiscal.

Na semana passada houve nova greve climática estudantil e o ministro do Ambiente disse que esta era “a melhor das causas”, mas que os estudantes também deviam reconhecer que Portugal foi o primeiro país a decidir ser neutro em carbono em 2050. Podemos esperar até lá?

A resposta é simples: não. Não podemos esperar. Aquilo que a ciência nos diz é muito claro. Para manter o aumento da temperatura média global abaixo dos 1.5ºC temos que cortar as emissões mundiais de gases com efeito de estufa em 50% até 2030. Não o fazer, significa garantir o colpaso climático e o colapso social que o acompanha. Secas, cheias, ondas de calor, incêndios devastadores, colheitas falhadas, fome, centenas de milhões de refugiados climáticos.

Os países com maior responsabilidade histórica nas emissões e na destruição das estruturas socio-económicas nos outros países através do colonialismo têm que cortar mais rápido para garantir uma distribuição equitativa dos cortes. Em países como Portugal, isto significa, no mínimo, uma redução de 70 a 90% das emissões reais atuais até 2030. Daí que a única política claramente alinhada com a ciência climática e com o objetivo de sobrevivência da civilização humana, é a Neutralidade Carbónica em 2030.

A luta ambiental alcançou recentemente uma grande vitória, com o fim dos contratos de exploração de gás e petróleo no país. Qual achas que será a próxima vitória deste movimento?

Há várias frentes na luta pela Justiça Climática em Portugal. Uma grande vitória localizada seria o cancelamento do projeto do novo Aeroporto no Montijo, por exemplo. Outra seria a garantia de empregos dignos, no setor público, em áreas como energias renováveis, eficiência energética e transportes públicos, para todos os trabalhadores das centrais a carvão que vão fechar em breve. Mas pensando numa escala maior, que é o que se exige para combater a crise climática, as 10 medidas da campanha Empregos para o Clima são 10 batalhas muito concretas que apontam o caminho para o movimento. Mencionando apenas três: um dia por semana para requalificação profissional dos trabalhadores dos setores poluentes; criação de uma empresa pública de energias renováveis; expansão da rede ferroviária nacional e internacional.