Era a primeira noite eleitoral significativa desde a reeleição de Trump para a presidência há nove meses. E o resultado foi uma derrota em toda a linha para ele, apesar do carácter local dos escrutínios e de vários deles acontecerem em zonas tradicionalmente mais hostis aos republicanos.
Os Democratas venceram as corridas para governador da Virgínia e de Nova Jérsia, para além da muito mais mediatizada eleição para a Câmara Municipal de Nova Iorque, onde o socialista Zohran Mamdani passou de figura desconhecida a uma referência nacional.
E se a vitória em Nova Jérsia foi de continuidade, a da Virgínia significou mudar de cores um estado que tinha anteriormente votado conservador. Com o Estado federal em shutdown, ou seja com as despesas públicas congeladas por um tempo que já é um recorde absoluto, com funcionários públicos “não essenciais” mandados para casa e com a administração Trump a ameaçar diretamente de despedimento muitos deles e prestações sociais suspensas, muitos analistas leram aqui uma rejeição direta do presidente, não obstante todas as questões locais envolvidas.
O próximo grande passo eleitoral serão as eleições intercalares do próximo ano. Aí estará em disputa muito mais: a Câmara dos Representantes, o controlo do Senado, e portanto as condições de governabilidade do chefe de Estado, para além de dezenas de eleições para governadores e Câmaras. Neste contexto, os Democratas tiveram esta terça-feira ainda outra vitória que poderá passar despercebida: o seu plano para redesenhar o mapa dos distritos eleitorais na Califórnia venceu nas urnas, um sinal de sentido contrário à engenharia eleitoral de larga escala que o campo da direita está a conseguir implementar em muitos pontos do país e que definirá em grande medida as eleições de novembro de 2026 e as seguintes.
E se olharmos mais para a frente, para as presidenciais de 2028, há ainda outro resultado menos divulgado que também pode ser importante. Os três juízes do Supremo Tribunal da Pensilvânia que se recandidataram venceram a reeleição, pelo que os Democratas vão manter a maioria num órgão que será decisivo para avaliar questões como direitos de voto, distritos eleitorais e contestações de resultados e num estado cujo resultado é considerado determinante para essas eleições.
O fenómeno Mamdani confirmou-se
Mas quase todas as atenções, nacionais e internacionais, estavam centradas no resultado das eleições para “mayor” de Nova Iorque. E os eleitores da maior cidade norte-americana corresponderam às expetativas com uma afluência às urnas que não se via pelo menos há mais de 50 anos.
Numas eleições em que o candidato republicano pouco ou nada contava, as grandes fortunas da cidade, o próprio presidente da República e Elon Musk apostaram todas as fichas na campanha do ex-governador democrata Andrew Cuomo que pretendia voltar à vida política depois de 13 denúncias de assédio sexual o terem obrigado a afastar-se há quatro anos.
Mamdani, candidato muito mais jovem, nascido no Uganda, filho de país indianos e muçulmano, ganhou-lhe surpreendentemente a corrida pela nomeação democrata mas ele insistiu como candidato independente. Voltou a ganhar-lhe esta noite com mais de um milhão de votos ultrapassando a soma dos seus opositores.
Trump, para além do apoio explícito a Cuomo, tinha decido apresentar-se como personagem maior desta campanha ao jurar que iria cortar a atribuição de financiamento à cidade caso Mamdani ganhasse e ao apelidá-lo de “comunista”. Isto quando, na sua plataforma política, este se limita a apresentar propostas tão simples como aumentar impostos para as grandes empresas e as grandes fortunas, um congelamento das rendas, a gratuitidade de creches e de transportes públicos.
Daí que um lugar especial no discurso de vitória no novo mayor estivesse reservado para o chefe de Estado dos EUA: “se alguém pode mostrar a uma nação traída por Donald Trump como derrotá-lo, é a cidade que o criou. E se há alguma forma de aterrorizar um déspota, é desmantelando as próprias condições que lhe permitiram acumular poder. Isto não é apenas sobre como parar Trump, é sobre como parar o próximo”, afirmou, antes de se lhe dirigir diretamente, desafiando-o: “aumenta o volume”.
E acrescentou sobre um dos temas fetiche do presidente de extrema-direita: “Nova Iorque continuará a ser uma cidade de imigrantes, uma cidade construída por imigrantes, impulsionada por imigrantes e, a partir desta noite, liderada por um imigrante. Por isso, ouça-me, Presidente Trump, quando digo isto: para chegar a qualquer um de nós, terá de passar por todos nós”.
Insistiu ainda que: “aqui, acreditamos em defender aqueles que amamos, sejam imigrantes, membros da comunidade trans, uma das muitas mulheres negras que Donald Trump demitiu de um cargo federal, uma mãe solteira ainda à espera da redução do preço dos alimentos ou qualquer outra pessoa em situação de vulnerabilidade”. Para ele, “Nova Iorque deixou de ser uma cidade onde se possa propagar islamofobia e ganhar umas eleições” e “neste momento de obscuridade política, Nova Iorque será a luz”.
Na rede social que é sua propriedade, Donald Trump reagiu dizendo que os republicanos tinham perdido as eleições, segundo os especialistas, porque Trump não constava nos boletins de voto e por causa do shutdown. E, enquanto Mamdani falava, publicou uma última mensagem esta noite, em maiúsculas e equívoca: “e assim começa”.