O bilionário Elon Musk utilizou a sua rede social para atacar o juiz do Supremo Tribunal Federal do Brasil Alexandre de Moraes, questionando o porquê de “tanta censura” no Brasil. Em seguida insinuou que houve manipulação eleitoral, sugerindo que não iria acatar as decisões do Supremo e pedindo, por fim, o “impeachment” de Moraes.
Como resposta, Musk foi incluído por este na lista de investigados no inquérito que apura a existência de milícias digitais que difundem fake news e práticas golpistas.
A Folha de São Paulo reproduziu a correta declaração do ministro do STF Alexandre de Moraes: “A conduta do X configura, em tese, não só abuso de poder económico, por tentar impactar de maneira ilegal a opinião pública, mas também flagrante induzimento e instigação à manutenção de diversas condutas criminosas praticadas pelas milícias digitais”.
O acontecimento levou a um recrudescimento do debate sobre a regulamentação das redes sociais, o papel da rede social X e do próprio Elon Musk. É facto que a extrema-direita no Brasil continua a polarizar, o que tem provocado uma profunda divisão da burguesia que se expressa no atual embate. E ganhou escala com a participação direta de Musk, um dos principais expoentes internacionais da extrema-direita da burguesia.
Elon Musk, poderoso e autoritário
O dono da rede X tem um projeto de poder. Segundo a lista da revista Forbes, Elon Musk é a segunda pessoa mais rica do planeta, com fortuna estimada em 195 bilhões de dólares. Musk é proprietário de diversas empresas e além da X, que comprou quando ainda se chamava Twitter, controla a SpaceX (voltada para o setor espacial), a Starlink (empresa de satélites), a Tesla (a sua principal empresa, do ramo dos automóveis elétricos) .É proprietário ainda da XAI, Neuralink, The Boring Co, além de ter tido participação na OpenAI e Picpay, que demonstram em conjunto o peso e o poder de Musk.
Controverso nas redes sociais, oriundo de uma família sul-africana que apoiava o apartheid, Musk é responsável por memes racistas, apologia ao nazismo e fake news sobre a eleição nos Estados Unidos. Os seus projetos para a disputa espacial apontam para algo que até então era uma peça distópica ou de ficção científica – como a comédia “Não olhe para cima” – da construção de colónias espaciais para os super-ricos. Igualmente assustadora é a sua perspctiva para a criação de chips cerebrais, especialidade da Neuralink.
Como se pode ver, Musk é um personagem central dos tempos atuais, um agitador e conspirador da extrema-direita mundial. Na América do Sul, os seus interesses são políticos e comerciais, desestabilizando governos de cunho democrático e ampliando a exploração do lítio, material-chave para o desenvolvimento das baterias de carros elétricos.
Musk teve uma participação fundamental no golpe de estado contra Evo Morales na Bolívia, declarando “Vamos dar um golpe em quem quisermos! Lidem com isso”, numa publicação na sua rede social.
Esta tensão é a expressão da divisão da burguesia. Um setor está disposto a avançar para posições fascistas: tem Musk, a ala direita do sionismo e Trump como cabeças visíveis. O outro setor – que Moraes expressa no Brasil – não quer retroceder nas conquistas civilizacionais e não aposta num projeto autoritário. Pelo menos não considera a necessidade de projetos de autoritarismo para levar adiante a manutenção do sistema no atual estágio da relação de forças entre as classes sociais.
Qual liberdade?
O discurso de Musk, ao estilo de “apito de cachorro”*, agita sobre o conjunto da população a ideia de “liberdade” contra a suposta tirania do STF. É parte do discurso de Bolsonaro e Trump contra as eleições; o conceito de “liberdade” é fundamental para Milei, que se auto-intitula o máximo “libertário” para enfrentar as mediações do Estado. Mas não deve existir liberdade para quem conspira contra a liberdade de organização das lutas dos trabalhadores. Com o nazi-fascismo na sua versão atual não se negocia.
Sob o manto de Musk, o bolsonarismo tenta sair da situação defensiva em que se encontra depois da derrota eleitoral e do fracasso do golpe de 8 de janeiro. Tiveram êxito na mobilização nacional que fizeram na Avenida Paulista, embora não tenham alterado a relação política de forças. Com Musk ganharam fôlego nas redes.
A esquerda socialista não pode assistir e ser mera testemunha. Deve entrar com força no combate e postular-se com uma política independente. Uma política que não se limite ao terreno eleitoral. Deve ser também ser uma resposta internacional, como até mesmo a extrema-direita tem dado. Esta resposta deve ser organizativa e ter a mobilização de rua como método central. Esse é o sentido da Conferência Internacional Antifascista que acontecerá no mês que vem em Porto Alegre.
Trata-se de um primeiro passo.
* Apito de cachorro, ou política do dog whistle, é uma mensagem política que emprega linguagem em código que parece significar uma coisa para a população em geral mas tem um significado mais específico e diferente para um subgrupo-alvo. A expressão é tradução literal do inglês, dog-whistle politics. A analogia com os apitos de cachorro é feita pois as suas frequências situam-se acima da capacidade de audição humana, mas podem ser ouvidas pelos cães.
Israel Dutra é sociólogo, Secretário de Movimentos Sociais do PSOL, membro da Direção Nacional do partido e do Movimento Esquerda Socialista (MES/PSOL).
Roberto Robaina é dirigente do Movimento Esquerda Socialista (MES), vereador e presidente do PSOL de Porto Alegre
Texto publicado originalmente na revista Movimento. Editado para português de Portugal pelo Esquerda.net.