MP suspeita que Lacerda Machado corrompeu chefe de gabinete de Costa

08 de novembro 2023 - 11:43

Contratado pelo fundo de investimento britânico por detrás do megaprojeto dos data centers em Sines, o advogado e consultor é suspeito de usar a sua influência para conseguir o favorecimento do Governo à empresa. Três dos cinco detidos já tinham sido apanhados no Galpgate.

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Diogo Lacerda Machado
Diogo Lacerda Machado ouvido em maio na Comissão Parlamentar de Economia. Foto André Kosters/Lusa

A imprensa desta quarta-feira passa em revista os mandados das buscas realizadas na véspera na residência oficial do primeiro-ministro e em vários outros escritórios e residências, que dão mais pormenores sobre as suspeitas do Ministério Público que acabaram por provocar a demissão do primeiro-ministro António Costa.

Segundo o semanário Expresso, os três procuradores do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) apontam a existência de reuniões suspeitas entre Lacerda Machado e Vítor Escária, o chefe de gabinete do primeiro-ministro, tanto na residência oficial em São Bento como na sede do PS. Afonso Salema, administrador da Start Campus, a empresa do projeto dos data centers, também participava nesses encontros onde o objetivo era conseguir que o Governo desbloqueasse os interesses da empresa. O Diário de Notícias acrescenta que os procuradores queriam também fazer buscas à sede do PS, o que acabou por não acontecer.

Além destas reuniões, os encontros ocorriam também durante almoços e jantares pagos pelos donos da Start Campus ao ministro das Infraestruturas, João Galamba, e ao presidente da Agência Portuguesa do Ambiente, Nuno Lacasta. Para o Ministério Público, a contratação de Lacerda Machado para consultor da Start Campus deve-se à sua proximidade com o primeiro-ministro, de quem é amigo e padrinho de casamento, e com o chefe de gabinete de António Costa, o que lhe daria capacidade de influência para pressionar outros membros do Governo e entidades públicas. Segundo o Observador, também o ministro Duarte Cordeiro, titular da pasta do Ambiente desde março de 2022, é suspeito de ajudar a empresa. No caso deste projeto dos data-center, o Ministério Público acredita conseguir provar que tanto a dispensa de procedimento de Análise de Impacto Ambiental da primeira fase do projeto, como a Declaração de Impacto Ambiental favorável com condições, não terão cumprido a lei.

O nome de João Galamba aparece em todos os casos sob investigação, o que inclui também o projeto falhado do consórcio nacional para o hidrogénio verde - que juntava GALP, EDP, Vestas e Martifer -, juntando aqui o ex-ministro do Ambiente João Matos Fernandes ao lote de suspeitos que não foram constituídos arguidos. Neste caso os factos dizem respeito ao início de 2020, com o Ministério Público a suspeitar que o então ministro e o seu secretário de Estado João Galamba teriam imposto ao empresário holandês que apresentou o projeto original a entrada da REN, EDP e Galp no seu consórcio, acabando depois por excluí-lo da lista de projetos elegíveis a financiamento comunitário.

Suapeitas nas explorações mineiras de Boticas e Montalegre

No caso da exploração do lítio em Boticas, a investigação suspeita por um lado que os investidores internacionais da empresa Savannah tiveram de aceitar a entrada da Galp no capital da empresa e os estabelecimento de uma parceria entre a Northvolt e a Galp, através da ação concertada de Matos Fernandes, Galamba e Rui Oliveira Neves, então administrador da petrolífera e agora detido nesta operação por causa do negócio do data center de Sines. Por outro lado, dizem ter indícios que Galamba terá ajudado a empresa a tentar convencer a autarquia de Boticas a não se opor ao projeto das minas de lítio no concelho em troca do financiamento de uma estrada no valor de 20 milhões de euros, o que acabou por não acontecer. Apesar dos pareceres técnicos negativos à ampliação da mina do Barroso, a APA acabou por dar parecer favorável, condicionado a várias alterações.

No que diz respeito à exploração mineira em Montalegre, o essencial das suspeitas já tinha sido revelado numa reportagem do programa "Sexta às Nove" da RTP em 2019, com uma série de irregularidades na concessão da exploração à empresa Lusorecursos, que não detinha os direitos de prospeção. Segundo o Observador, o gestor da Lusorecursos, Ricardo Pinheiro, será suspeito de alegada corrupção ativa para ato ilícito de titulares de cargos políticos, e terá contratado informalmente em 2018 o ex-secretário de Estado da Internacionalização Jorge Costa Oliveira para exercer influência junto dos ex-colegas de Governo a favor da concessão. O Ministério Público acredita que as irregularidades que encontrou na Declaração de Impacto Ambiental aprovada há pouco mais de um mês tenham nascido desses contactos junto dos decisores políticos.

Apanhados no "Galpgate" voltam a encontrar-se

A saída do Governo de Jorge Costa Oliveira ficou a dever-se a um caso que três dos cinco detidos na operação de terça-feira têm em comum: o "Galpgate", relacionado com o recebimento de viagens e bilhetes por parte da petrolífera para irem assistir aos jogos do Europeu de futebol de 2016 em França.

São eles o chefe de gabinete de Costa, Vítor Escária, o autarca socialista de Sines, Nuno Mascarenhas e Rui Oliveira Neves, agora vogal da administração da Start Campus e sócio da firma de advogados Morais Leitão. Na altura, todos optaram por pagar uma multa para evitar o julgamento.

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