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Montenegro: derrota de Dukanović “abre portas” à crise?

O ato eleitoral do passado dia 30 de agosto, no Montenegro, saldou-se pela perda da maioria parlamentar por parte do partido do presidente Milo Đukanović e seus aliados. As principais forças políticas oposicionistas manifestaram a sua vontade de formar um governo de coligação, mas pouco as une para além da sua oposição ao atual chefe de Estado e “pai” da independência do país, que se separou da Sérvia em 2006.
Um pequeno Estado balcânico
A república do Montenegro é um pequeno país dos Balcãs, com apenas cerca de 14 mil Km2 de superfície e pouco mais de 620 mil habitantes, dos quais perto de 180 mil vivem na capital, Podgorica (lê-se “Podgoritsa”). É limitado, a sul, pelo mar Adriático; no extremo sudoeste, numa estreita faixa (14 Km), pela Croácia; a oeste, pela Bósnia e Herzegovina; a norte, pela Sérvia; a nordeste, pelo Kosovo e, a este e sueste, pela Albânia. O seu território é, em grande parte, montanhoso, sendo o seu relevo predominantemente calcário. A sua costa é a continuação da costa dálmata croata: alta e escarpada, mas com várias enseadas e estreitas planícies, onde se situam algumas praias, em geral ainda bem preservadas, embora a pressão turística tenha aumentado bastante nos últimos anos e já existam alguns “resorts”.
Vários “senhores” e um território que se foi alargando
Tal como sucede com os restantes países balcânicos, o Montenegro possui uma história conturbada.
Tendo integrado o Império Bizantino, o seu território foi conquistado, no sec. XI, por tribos eslavas, que estabeleceram três principados. No século seguinte, estes foram incorporados no vizinho reino da Sérvia. Com o enfraquecimento deste, pressionado pelos otomanos, o principado de Zeta, no sul, recuperou a independência, com a atual designação, derivada do monte Lovćen, então coberto por uma densa floresta. Contudo, em 1496, também ele cai nas mãos dos turcos. Já grande parte da costa adriática integra a república de Veneza.
No sec. XVI, os montenegrinos conseguem uma certa autonomia no seio do Império Otomano e, em 1515, tem início a constituição de uma monarquia teocrática, regida por um príncipe-bispo (o “vladika”). Este era, simultaneamente, príncipe do Montenegro e membro da Igreja Ortodoxa Sérvia, com o título de metropolita (equivalente a bispo) do Montenegro e do Litoral. Cetinja, na montanha, era a capital dessa entidade política. A monarquia, da dinastia Petrović-Niegoš, era hereditária, apesar de os “vladikas” serem, obrigatoriamente, celibatários, sendo o trono transmitido do tio para um dos seus sobrinhos, escolhido por uma assembleia de representantes dos principais clãs.
A partir do sec. XVIII, o Montenegro, então resumido ao centro-sul do seu território atual, torna-se, de facto (mas não “de jure”) independente do Império Otomano. No início do sec. XIX, as invasões francesas levam o Montenegro a solicitar o apoio russo. Com este, não só repele os franceses, mas também conquista algum território, a norte de Cetinja.
Em 1852, o “vladika” Danilo II aboliu a monarquia teocrática e secularizou o Estado. Torna-se príncipe, com o título de Danilo I, e deixa de ter funções eclesiásticas. Algo a que não serão estranhas as pressões da nova burguesia no sentido da liberalização. Em 1855, outorga o Código de Danilo, que estabelecia os princípios de uma monarquia constitucional, embora, na prática, o absolutismo continuasse a vigorar. Entretanto, em 1858, o país obtém uma grande vitória sobre os turcos e expande-se para a zona central do atual território, conquistando, entre outras, a importante cidade de Nikšić. Em 1860, Danilo é assassinado, subindo ao trono Nicolau I.
Em 1876, os montenegrinos revoltam-se contra o domínio otomano. Com o apoio russo e sérvio, vencem a guerra e, em 1878, conquistam aos turcos grande parte daquelas que são hoje as regiões setentrional e oriental do país, entre as quais se conta a atual capital, Podgorica, de onde são expulsos os respetivos habitantes albaneses. Derrotados pela Rússia, os otomanos reconhecem, no Congresso de Berlim, a independência do Montenegro, bem como da Sérvia e da Roménia.
O início do século XX inicia-se com tensões entre os apoiantes do príncipe, próximos da aristocracia, e a burguesia liberal, adepta da união com a Sérvia. Em 1910, Nicolau I proclama o reino do Montenegro, do qual será o primeiro e único rei.
Em 1912/3, participa, ao lado dos sérvios, na guerra contra os otomanos, primeiro, e os búlgaros, depois. No final do primeiro conflito, ganha mais alguns pedaços de território, a este e a sueste, na maioria habitados por albaneses.
Quando rebenta a 1ª guerra mundial, em 1914, o Montenegro coloca-se, desde logo, ao lado da Sérvia, atacada pela Áustria-Hungria. Em 1916, o país é ocupado pelas forças austro-húngaras, que são expulsas em 1918, com o apoio dos Aliados, com destaque para os franceses e os sérvios. Na sequência desta, conquista a baía de Kotor, no sudoeste, então na posse daquele império.
Nesse mesmo ano, logo após o final do conflito, realiza-se, em Podgorica, uma assembleia, ainda hoje envolta em larga controvérsia, não apenas pela presença de tropas sérvias no país, mas também pelo seu modo de eleição pouco democrático. Esta decidiu a integração do país na Sérvia, para depois, como parte desta, integrar o Reino dos Sérvios, Croatas e Eslovenos (Jugoslávia, a partir de 1929), regido pela dinastia sérvia dos Karađorđević.
Em 1941, a Alemanha nazi e a Itália fascista invadem a Jugoslávia. O Montenegro fica, em grande parte, sob ocupação italiana, que cria um reino fantoche, dirigido por um oportunista, já que a família real montenegrina recusou esse papel. A Itália anexou a baía de Kotor e a Albânia, então um protetorado italiano, a região de Ulcinj, no sueste, onde vive uma importante minoria albanesa. Em 1943, com a rendição da Itália, o país é ocupado pela Alemanha, mas, no ano seguinte, os alemães são expulsos pelos resistentes “partisans”.
O partido comunista assume o poder e o Montenegro torna-se, em 1945, uma das seis repúblicas constituintes da nova federação socialista jugoslava, liderada por Tito. Em homenagem a este, Podgorica adota a designação de Titogrado, até recuperar o antigo nome em 1992.
Nesse ano, e ao contrário do que sucedeu com Eslovénia, Croácia, Macedónia e Bósnia-Herzegovina, o Montenegro decide manter-se parte da Jugoslávia, numa nova federação em conjunto com a Sérvia. Nas guerras balcânicas de 1991-95, o país mantém-se ao lado dos sérvios, apoiando-os na Bósnia e na Croácia. Envolvem-se em operações contra os bósnios muçulmanos na primeira e forças montenegrinas bombardearam a cidade croata de Dubrovnik na segunda.
Contudo, em 1998, o seu presidente, Milo Đukanović, até aí próximo do líder nacionalista sérvio Slobodan Milosević, rompe com este e aproxima-se do Ocidente, em troca de apoio económico dos EUA e da UE. Começa a falar de independência e adota, como moeda, o marco alemão, substituído, em 1999, pelo euro, ainda hoje a moeda do país.
Nesse mesmo ano, ocorre a chamada guerra do Kosovo, em que aviões da NATO, sem mandato da ONU, bombardeiam a Jugoslávia, em apoio aos rebeldes albaneses kosovares. Contudo, o Montenegro é relativamente poupado, apenas sendo aí bombardeados alvos militares, ao contrário do que sucedeu na Sérvia, em que foram atingidos alvos civis.
Em 2003, após a queda de Milosević, três anos antes, é assinado um acordo constitucional entre sérvios e montenegrinos, que estabelece uma federação paritária, sob a nova designação de Sérvia-Montenegro. Nele se prevê, ainda, a possibilidade de realizar um referendo sobre a independência montenegrina num prazo mínimo de três anos.
Este realiza-se em 2006, tendo a UE estabelecido que, para reconhecer a independência, o “sim” teria de obter um mínimo de 55% dos votos. Com 55,5% de votos favoráveis, o Montenegro voltou a ser independente, facto reconhecido pelo governo sérvio, que aceitou os resultados da consulta. No ano seguinte, foi aprovada uma nova Constituição.
Em 2012, o país foi aceite como candidato à UE, tendo iniciado as respetivas negociações de adesão. Por fim, em 2017, aderiu à NATO.
Um “mosaico” étnico, linguístico e religioso variado
Tendo o atual território montenegrino conhecido várias dominações e sendo o resultado de um conjunto de sucessivas conquistas, o país apresenta uma grande diversidade de populações, tanto do ponto de vista étnico como linguístico e religioso. Para a caraterização da sua população, utilizarei, com adaptações, os dados dos últimos censos, datados de 2011.
De acordo com eles, a nível étnico, apenas 45% dos seus habitantes se declaram montenegrinos. Dos restantes, cerca de 29% identificam-se como sérvios, 12% como bósnios/muçulmanos, 5,5% como albaneses, 1% como croatas, outros tantos como roma (ciganos) e 1,5% de outras nacionalidades. Por seu turno, cerca de 5% não responderam à questão.
Os que se declaram montenegrinos vivem, principalmente, no centro-sul, em especial na área de Cetinja, onde são amplamente maioritários. Mas também constituem a maioria em grande parte do centro e sul e, em menor grau, no centro-norte do país. Já os sérvios predominam nas regiões do noroeste, em algumas áreas do nordeste e no extremo sudoeste, na parte ocidental da baía de Kotor, e têm algum peso no restante norte e centro-norte e na zona costeira de Budva, do sul. Por seu turno, os bósnios muçulmanos estão concentrados no extremo nordeste do território, sendo maioritários em Rožaje, e também aparecem noutras áreas do norte do país e na região de Bar, no sul. Já os albaneses são maioritários no leste e sueste do país, em especial na zona de Ulcinj. Por seu turno, a pequena minoria croata só tem expressão em Tivat, na parte oriental da baía de Kotor, enquanto os restantes grupos étnicos estão relativamente espalhados pelo território.
No referendo de 2006, a quase totalidade dos sérvios opôs-se à independência, tal como cerca de 1/3 dos que se declaram montenegrinos. A opção independentista venceu, não apenas com o apoio dos restantes 2/3, mas, em especial, graças ao apoio esmagador de bósnios, albaneses e croatas.
Do ponto de vista linguístico, 42,5% declara falar a língua sérvia e apenas 37% diz exprimir-se em montenegrino. Por sua vez, 6% assumem o bósnio como seu idioma e 5,5% o albanês. Finalmente, 2% consideram que a sua língua é o servo-croata, 1% o roma, 0,5% o croata e 1% outra. Há, ainda, 4,5% que recusaram responder.
Apenas na zona de Cetinja o montenegrino é a língua da maioria da população, enquanto em Podgorica e Bar é a mais falada, mas não chega aos 50%. Por seu turno, o bósnio e o albanês predominam nas regiões onde estes grupos são maioritários. No resto do país, é o sérvio que tem maior expressão.
Recorde-se que, antes da dissolução da Jugoslávia, o servo-croata era o idioma mais falado na Sérvia, Montenegro, Croácia e Bósnia-Herzegovina, sendo escrito no alfabeto cirílico nas duas primeiras e no latino nas segundas. Com a separação, as diferenças regionais foram enfatizadas, tendo surgido, então, oficialmente, quatro línguas diferentes: sérvio, croata, bósnio e montenegrino. De acordo com a Constituição do país, este último pode ser escrito em qualquer um dos alfabetos, sem privilégio para nenhum deles.
Já no que se refere à religião, há uma menor heterogeneidade. Assim, 72% (na maioria, montenegrinos e sérvios) declaram-se ortodoxos, enquanto 19% (a quase totalidade dos bósnios e a maioria dos albaneses) se afirmam muçulmanos e 3,5% (croatas e um número significativo de albaneses) católicos. Há, ainda, 1,5% que se dizem fiéis de outras religiões, 1,5% de ateus e agnósticos assumidos e 2,5% que não responderam.
Um sistema político parlamentarista mitigado
Do ponto de vista político, o Montenegro é, essencialmente, uma república parlamentarista, embora o chefe de Estado disponha do poder de vetar leis.
O Presidente é eleito para um mandato de cinco anos, através de um sistema maioritário a duas voltas, apenas podendo desempenhar dois mandatos, seguidos ou interpolados. Possui relativamente poucos poderes, sendo o seu cargo, em grande parte, de natureza simbólica e cerimonial. Contudo, pode vetar legislação, embora, se o Parlamento a voltar a aprovar por maioria absoluta, seja obrigado a promulgá-la.
O poder executivo reside, assim, no governo, cujo primeiro-ministro é nomeado pelo PR de acordo com os resultados eleitorais. Para ser investido, necessita de ter o apoio da maioria absoluta dos parlamentares.
O Parlamento (Skupština) detém o poder legislativo. É unicameral, sendo constituído por 81 membros, eleitos para um mandato de quatro anos. Pode aprovar uma moção de censura ao executivo, por maioria absoluta dos seus membros. Nomeia, ainda, os juízes dos tribunais superiores, sob proposta do chefe de Estado.
O sistema eleitoral
Os deputados são eleitos através de um sistema de representação proporcional. Existe apenas um único círculo nacional, sendo os mandatos atribuídos através do método de Hondt.
Existe uma cláusula-barreira de 3% dos votos válidos. Porém, para os partidos representativos das minorias étnicas bósnia, albanesa e croata é de 0,7%, tendo as forças políticas (num máximo de três) que não obtenham votos suficientes para eleger deputados pela via normal, direito a um mandato se atingirem esse valor. Para a minoria croata, se nenhum dos seus partidos atingir aquela percentagem, ela baixa para 0,35%, embora apenas uma lista possa aceder à representação parlamentar por essa via.
O contexto eleitoral
Estas eleições realizaram-se num clima de grande tensão política, com fortes acusações de corrupção e autoritarismo ao partido governamental, liderado pelo presidente Milo Đukanović, por parte da oposição e de organizações internacionais.
Após as legislativas de 2016, as forças oposicionistas iniciaram um boicote aos trabalhos parlamentares.
Em 2018, a eleição presidencial foi contestada, com a oposição a acusar o governo de controlar as principais instituições do país, incluindo a Comissão Nacional Eleitoral, e a comunicação social.
Após vários escândalos de corrupção, envolvendo altos responsáveis governamentais e importantes figuras do partido do governo, terem chegado ao conhecimento público, no início de 2019, rebentaram protestos populares, apoiados pela oposição, cujos parlamentares assinaram um Manifesto pelo Futuro, no qual ameaçavam boicotar as eleições legislativas seguintes.
No final, do ano, os protestos subiram de tom, quando o governo transferiu os bens da Igreja Ortodoxa Sérvia para o Estado montenegrino, o que foi visto, não como uma medida de laicização, mas, antes, como uma forma de jogar com o nacionalismo montenegrino antisérvio para ganhar apoio popular.
Análise dos resultados eleitorais
Analisemos, agora, as forças políticas em presença e os respetivos resultados eleitorais.
O Partido Democrático dos Socialistas (DPS), liderado pelo presidente Milo Đukanović e que apresentou como candidato à liderança do governo o primeiro-ministro Duško Marković, foi o mais votado, com 35,0% dos votos, que lhe valeram a conquista de 30 mandatos. Uma quebra relativamente a 2006, em que obtivera 41,4% e 36 lugares.
Fundado em 1991, com origem na viragem social-democrata da Liga dos Comunistas do Montenegro, esteve continuamente no poder desde então. Sob a liderança de Momir Bulatović, desenvolveu uma relação estreita com o líder nacionalista sérvio Slobodan Milosević, defendendo a união com a Sérvia e apoiando-a nas guerras desta na Croácia e na Bósnia-Herzegovina.
Em 1997, Bulatovivić é demitido da liderança e substituído por Milica Pejanović, levando o primeiro a abandonar o partido e a criar uma nova formação política. No ano seguinte, o então primeiro-ministro, Milo Đukanović, assume a liderança do DPS.
Este muda a sua linha política, rompendo com o líder sérvio, passando a defender a independência do país. Mais tarde, passa a defender a integração na UE e na NATO. Embora se mantenha na Internacional Socialista, dá-se, igualmente, uma viragem liberal no plano económico. Contudo, mantém a defesa do secularismo do Estado e é tolerante no plano dos costumes.
Na prática, estamos perante uma formação centrista, de cariz populista, assente no nacionalismo montenegrino, pró-ocidental, e que se encontra ao serviço do líder e das suas práticas clientelares.
Tal como nas eleições anteriores, as suas listas integravam dois candidatos do pequeno Partido Liberal do Montenegro (LP), tendo sido reeleito um: o seu líder, Andrija Popović.
O DPS foi o mais votado em 15 das 24 municipalidades em que se divide, administrativamente, o país. Sem surpresa, os seus melhores resultados ocorreram na zona de Cetinja, “berço” da nacionalidade, e nos municípios do nordeste onde vive uma percentagem elevada de população bósnia. Ao invés, os mais fracos surgem nas áreas onde o peso dos sérvios é maior, em especial no norte e no extremo sudoeste.
Em segundo lugar, ficou a principal força oposicionista: a aliança pró-sérvia Para o Futuro do Montenegro (ZBCG), liderada pelo independente Zdravko Krivokapić, que obteve 32,6% dos sufrágios e elegeu 27 deputados.
Estamos em presença de uma aliança com três componentes, duas coligações e um partido, que se coligaram neste ato eleitoral.
A principal coligação é a Frente Democrática (DF), constituída por várias formações da direita radical e da extrema-direita, a quem couberam 20 dos parlamentares da ZBCG. Dela fazem parte a Nova Democracia Sérvia (NSD), muito ligada à respetiva Igreja Ortodoxa, que ficou com nove dos eleitos da DF; o Movimento pela Mudança (PzP), populista e eurocético, que conseguiu cinco; o Partido Democrático Popular (DNP), que obteve os mesmos cinco, e o Verdadeiro Montenegro (PCG), outra formação populista, que elegeu um.
Todos estes partidos são ultraconservadores, homofóbicos, islamofóbicos e anti-imigrantes, estando na linha das correntes populistas e nacionalistas da nova extrema-direita. Opuseram-se à independência do país e assumem uma linha claramente pró-sérvia e pró-russa.
A segunda coligação denomina-se Movimento Popular (ND) e a ela couberam apenas três dos eleitos da ZBCG. É menos radical, embora seja igualmente pró-sérvia. Os seus dois principais componentes são o direitista Montenegro Unido (UCG), a quem couberam dois desses três parlamentares e o social-democrata Partido dos Trabalhadores (RP), que elegeu um. A eles se juntam os extraparlamentares Partido Democrático Sérvio (DSS), democrata-cristão, e o eurocético e o pró-russo Partido da Unidade Democrática (DSJ). Todos eles são próximos da Igreja Ortodoxa Sérvia e partilham as suas posições ultraconservadoras em matéria de costumes, em especial a homofobia.
Por fim, o Partido Socialista Popular do Montenegro (SNP) é a terceira componente, tendo-lhe cabido quatro dos 27 deputados da ZBCG.
Este já foi a principal força da oposição montenegrina à independência do país, tendo sido fundado por Momir Bulatović, em 1998, a partir da fação pró-sérvia e anti-independentista do DPS, que abandonou o partido após a viragem pró-ocidental de Đukanović.
Em 2001, após a queda de Milosević, a linha moderada e pró-UE, liderada por Pedrag Bulatović, conquistou o poder interno, levando o fundador a abandonar o partido.
Após a independência, em 2006, o SNP sofreu uma hecatombe eleitoral e Srđan Milić assumiu a liderança, adotando uma linha social-democrata e claramente pró-UE.
Contudo, a estrondosa derrota nas legislativas de 2016 levou à liderança Vladimir Joković, que adotou uma linha social-conservadora e abertamente pró-sérvia, que apoiou os protestos da Igreja Ortodoxa Sérvia, em 2019, e se traduziu em várias alianças à direita, que culminaram com a adesão à ZBCG.
Esta ainda teve o apoio de duas pequenas formações extraparlamentares ideologicamente antagónicas, mas que têm em comum a oposição à independência e o apoio à união com a Sérvia ou ao regresso da Jugoslávia: o ultranacionalista Partido dos Radicais Sérvios (SSR), da extrema-direita, e o Partido Comunista Jugoslavo do Montenegro (JKP), titista. Somou, ainda, o suporte do Conselho Nacional dos Sérvios do Montenegro (SNSCG).
A ZBCG venceu em sete municipalidades. Ao invés do seu principal opositor, a aliança obteve os seus melhores resultados nas regiões do noroeste, nordeste e extremo sudoeste, maioritariamente habitadas por sérvios, tendo triunfado também na zona turística de Budva, no sul, onde estes existem, igualmente, em número apreciável. Compreensivelmente, onde as populações daquela origem étnica têm pouca expressão, como em Cetinje, os resultados foram fracos. Mas os seus piores desempenhos ocorreram nos municípios habitados, em grande parte, por bósnios ou albaneses, áreas onde teve votações residuais.
No terceiro lugar, com 12,5% dos votos e 10 deputados, ficou a coligação centrista Paz é a Nossa Nação (MNN), liderada por Aleksa Bečić.
Trata-se de um conjunto de forças políticas pró-UE, que se opõem à estratégia de manipulação das divisões étnicas, tanto do DPS como da DF. Contudo, o seu apoio situa-se, em especial, entre os setores mais moderados da comunidade sérvia.
A sua principal componente é o partido dos Democratas do Montenegro (DCG), de Bečić, uma formação de centro-direita, liberal-conservadora, que ficou com nove dos 10 eleitos da lista. Vem, depois, a conservadora Aliança Democrática (DEMOS), liderada por Miodrag Lekić, antigo líder da DF, que completa a representação parlamentar da coligação. Integraram, ainda, a aliança a social-democrata Nova Esquerda (NL), o Partido Unido dos Pensionistas e dos Deficientes e a ONG liberal Sociedade de Investigação Política (DZIP).
A distribuição geográfica do seu voto não apresenta um padrão tão definido como o das duas maiores forças políticas. Os seus melhores resultados ocorreram em algumas zonas maioritariamente habitadas por sérvios, como o extremo sudoeste e o noroeste, mas também teve bons desempenhos em quase todo o sul (em especial, na estância balnear de Budva) e no centro, incluindo a capital, Podgorica. Noutras zonas sérvias do norte e nordeste e em Cetinje, as votações foram mais baixas. Contudo, os piores resultados ocorreram nas áreas de maioria bósnia ou albanesa, onde obteve percentagens residuais.
Na quarta posição, ficou a coligação de centro-esquerda Preto e Branco (CnaB), liderada por Dritan Abazović, que conseguiu 5,5% dos votos e a eleição de quatro parlamentares.
A sua principal formação, à qual pertencem os quatro eleitos, é o Movimento Cívico Unido Ação Reformista (URA), de Abazović. Trata-se de uma força política multiétnica (o seu líder é de etnia albanesa), social-liberal, ecologista e pró-UE.
As restantes integrantes foram o pequeno Partido da Justiça e da Reconciliação (SPP), étnico bósnio, ativo no Sanđak, tanto no norte montenegrino como no sudoeste sérvio, o regionalista Boka Fórum, da baía de Kotor, e um grupo de intelectuais independentes, agregados numa associação designada CIVIS.
Na sua distribuição territorial, existe um amplo contraste entre o norte e o sul. Sendo uma força política com maior implantação entre o eleitorado urbano mais culto e mais aberto, os seus melhores resultados ocorreram em Cetinje e Podgorica, bem como nas áreas mais turísticas do sul, em especial na zona da baía de Kotor. Ao invés, teve fracos resultados nas regiões rurais do norte e centro-norte, quer nas habitadas maioritariamente por sérvios, quer, principalmente, naquelas onde predomina a maioria bósnia.
Seguiram-se os Social-Democratas do Montenegro (SD), de Ivan Brajović, com 4,1% dos sufrágios e três eleitos.
A sua criação, em 2015, resultou de uma cisão no Partido Social-Democrata (SDP), após a sua direção ter rompido com Đukanović. Os SD foram aqueles que preferiram manter a sua aliança tradicional com o DPS. Ideologicamente, estão no centro, com ligeiro pendor de centro-esquerda.
Sendo uma força pertencente ao campo presidencial, não surpreende que os seus melhores resultados surjam no extremo nordeste, nas áreas de maioria bósnia, registando ainda bons desempenhos em Cetinja e Bar (onde o nacionalismo montenegrino é mais forte) e nas zonas habitadas por albaneses.
Logo de seguida, vem o Partido Bósnio (BS), com 4,0% dos sufrágios e igualmente três parlamentares.
Estamos em presença de um partido étnico, social-conservador e pró-UE, que defende os interesses da minoria bósnia do país. Liderado por Rafet Husović, resultou da fusão, em 2006, de quatro pequenas formações.
Como seria de esperar, só existe verdadeiramente onde o grupo étnico que representa tem alguma expressão. Por isso, os seus melhores resultados ocorreram no norte do país, em especial no extremo nordeste, tendo vencido no município de Rožaje, situado nesta última região. Conseguiu, ainda, alguns votos no leste e no sueste.
Pouco acima da cláusula-barreira, com 3,1% dos votos, que lhe valeram dois parlamentares, ficou o Partido Social-Democrata do Montenegro (SDP), liderado por Draginja Vuksanović, até hoje a única mulher que foi candidata à presidência do país.
Fundado em 1993, como força de oposição, situa-se, ideologicamente, no centro-esquerda. É pró-UE, sendo membro de pleno direito do Partido dos Socialistas Europeus.
Após a rutura de Đukanović com Belgrado e a sua viragem pró-ocidental, tornou-se aliado daquele e do DPS, tendo sido uma das forças políticas que mais apoiou a opção pela independência do país, no referendo de 2006. Em 2016, rompeu com o partido do presidente e passou à oposição, embora sem alinhar com as forças pró-sérvias. O ficar “a meio da ponte”, numa eleição que se converteu num plebiscito a Đukanović, foi-lhe fatal e explica o mau resultado obtido, que quase atirou o partido para fora do Parlamento.
O seu melhor desempenho ocorreu em Cetinja, seguido de grande parte do sul (em especial, Bar) e de algumas áreas de maioria bósnia do extremo nordeste. Em contrapartida, nas zonas rurais maioritariamente sérvias do norte os seus resultados foram bastante fracos.
Obtiveram, ainda, representação no Parlamento, cada qual com um lugar, as duas listas representantes da minoria albanesa: a Lista Albanesa (AL), com 1,6% dos votos, e a Coligação Albanesa (AK), com 1,1%.
A primeira, liderada por Nik Gjeloshaj, é uma aliança de quatro pequenas formações: a Nova Força Democrática (FORCA), a Alternativa Albanesa (AA), a Coligação Albanesa “Perspetiva” (AKP) e a Liga Democrática dos Albaneses (DSA).
Venceu as eleições em Tuzi, no leste, onde vive a maioria dos católicos albaneses e onde o líder da coligação e da AA é presidente do município. De resto, teve votos apenas nos outros dois municípios onde a comunidade albanesa tem algum peso: Ulcinj, no sueste, e Gusinje, no extremo nordeste.
A segunda, tendo à frente Fatmir Gjeka, é uma coligação entre o seu Partido Democrático (DP), a Liga Democrática no Montenegro (DSCG) e a União Democrática dos Albaneses (DUA).
Aqui, o seu líder preside à municipalidade de Ulcinj, a principal cidade albanesa do sueste, habitada maioritariamente por membros dessa etnia e de religião muçulmana. Contudo, apesar de ter sido a AK ter sido a mais votada entre os albaneses da área, a divisão dos votos da comunidade aí verificada entre ela e a AL levou a que uma formação não albanesa (o DPS) vencesse as eleições no município.
Por sua vez, a comunidade croata ficou, pela primeira vez após a independência, sem representação parlamentar, pois a Iniciativa Cívica Croata (HGI), de centro-direita, que até agora tinha sempre conseguido um lugar, ficou-se pelos 0,27% dos votos, abaixo dos 0,35% exigidos.
Tal facto deveu-se a uma cisão, que surgiu quando a ex-ministra sem pasta, Marija Vučinović, da HGI, foi afastada da presidência do partido, que guinou, então, para a direita, sob a nova liderança de Adrian Vuksanović. Com o apoio da ala centrista, a antiga líder criou uma nova formação, o Partido Croata da Reforma (HRS), que não foi além dos 0,13%. Contudo, a divisão de votos foi fatal e os croatas montenegrinos deixaram de estar representados no Parlamento.
A participação eleitoral foi elevada, atingindo os 76,6%, contra os 73,3% de há quatro anos atrás.
Esta atingiu os valores mais elevados no centro-norte, mas foi igualmente alta no norte e no centro e em Budva, no sul. Ou seja, em geral, nas áreas maioritariamente habitadas por sérvios ou onde o seu peso é maior. Foi mais fraca, em geral, no centro-sul (Cetinja) e em grande parte da costa meridional. Contudo, foi, como habitualmente, nas áreas maioritariamente bósnias do extremo nordeste e, em menor grau, nas albanesas do leste e sueste que a afluência às urnas foi menor.
Daqui se pode concluir que o eleitorado da oposição se mobilizou mais para votar, ao contrário dos que suportavam Đukanović e seus aliados.
A próxima crise “ao virar da esquina”?
Apesar de ter sido o mais votado, o DPS sofreu uma derrota eleitoral, pois as forças da oposição obtiveram 41 dos 81 lugares parlamentares, ou seja, o número “mágico” que garante a maioria absoluta no Parlamento. Mesmo com o apoio do SDP e das formações étnicas bósnia e albanesas, o DPS e seus aliados ficar-se-iam pelos 40.
Os três líderes oposicionistas (Krivokapić, Bečić e Abazović) concordaram em formar um governo de coligação com apoio parlamentar das três alianças que comandam. Dadas as diferenças ideológicas e políticas entre elas, decidiram que o referido executivo seria composto por tecnocratas, tendo como medidas principais o prosseguimento das negociações para a adesão à UE, a adoção de medidas contra a corrupção, a reversão das leis que colocavam os bens da Igreja Ortodoxa Sérvia sob controlo do Estado montenegrino, a luta contra a polarização étnica e contra a crise económica que a pandemia agravou. Ao mesmo tempo que declara não ter intenções revanchistas face ao DPS e seus apoiantes, insta os partidos das minorias étnicas a integrar o executivo, algo em que estes, até agora sempre ao lado de Đukanović não parecem, para já, interessados.
Acontece, porém, que as dificuldades são muitas e que a crise parece estar sempre “ao virar da esquina”.
Desde logo, lembramos que a nova maioria parlamentar é curtíssima e que não seria de estranhar que, numa “cartada” de última hora, o presidente e o seu partido não tentem comprar um ou mais deputados opositores (já o fizeram a nível municipal). Aliás, as recentes manifestações de apoiantes do presidente, em Podgorica, instando a URA a mudar de campo, são disso sintoma.
Convém, também, salientar que as várias formações oposicionistas são muito diferentes e que apenas tinham um objetivo comum: derrotar o DPS e, por tabela, Đukanović. Atingido este, puseram-se de acordo no programa mínimo acima referido, mas resta saber se esta “geringonça” funcionará quando estiverem em causa medidas que choquem com os princípios ou com as estratégias políticas de alguma(s) delas.
Desde já, são visíveis os sinais de insatisfação dos setores mais radicais do campo pró-sérvio, representados na DF, com as intenções anunciadas pelo novo governo de respeitar a Constituição e manter inalterados os símbolos do Estado, em especial a bandeira, as armas e o hino, ou a declaração de que o seu objetivo principal é a integração na UE e que respeitará os compromissos internacionais, como a presença na NATO e o reconhecimento do Kosovo, embora preconizando a melhoria das relações com a Sérvia e com a Rússia.
Há, ainda, que ter em conta que, mesmo tendo visto o seu partido ser afastado do governo, Đukanović ainda é o presidente do país até 2023. Mesmo que, do ponto de vista constitucional, os seus poderes sejam relativamente reduzidos, ainda possuiu grande influência política e pode sempre condicionar a ação do executivo. Aliás, foi talvez por perceber as dificuldades que a oposição terá em governar que o chefe de Estado declarou, logo na noite das eleições, aceitar os resultados eleitorais.
Para concluir, podemos afirmar que, ao contrário do que, algo apressadamente, foi propagado pela maioria da imprensa internacional, é bastante redutor afirmar que estamos apenas em presença de uma luta entre pró-ocidentais, de um lado, e pró-sérvios e pró-russos, do outro.
É certo que grande parte dos sérvios do país apoia a oposição e existe nesta uma forte componente pró-sérvia, que se opôs à independência do país. Mas, como vimos, há também, no campo oposicionista, algumas forças liberais e pró-UE.
Da mesma forma, não há, aqui, um conflito entre direita e esquerda, havendo, de ambos os lados, várias tendências políticas, na maioria de centro e de direita, mais ou menos radical, e uma ou outra de centro-esquerda. O que temos é uma luta pelo poder entre diferentes fações da elite do país, que, como é habitual nos Balcãs, se servem das divisões étnicas para ganhar apoio no seio das respetivas comunidades.
No fundo, nestas eleições, o principal combate desenrolou-se entre partidários e adversários de Đukanović. Este foi, na verdade, o fator divisório entre governo e oposição.
Apesar de tudo, a derrota do DPS, até aqui o partido dominante, pode constituir uma “lufada de ar fresco” para as instituições democráticas do país, até aqui a sofrer de alguma “asfixia”, se a oposição souber construir uma alternativa consistente e não assente no fator étnico. Algo que não será nada fácil!...
Na verdade, o Montenegro está em crise, no sentido tradicional do termo, oriundo do grego clássico: as eleições podem ter feito desaparecer a velha ordem, mas a nova ainda não se vislumbra.
Artigo de Jorge Martins
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