Metade dos afrodescendentes europeus sofrem racismo

25 de outubro 2023 - 15:11

A procura de habitação e de emprego são duas circunstâncias em que mais se revela a discriminação racial na União Europeia, diz a Agência para os Direitos Fundamentais. O problema agravou-se e os números mostram a existência de um fosso racial em Portugal.

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Foto de Mariana Carneiro.

Um inquérito da Agência para os Direitos Fundamentais da União Europeia revela que 45% dos afrodescendentes que aí vivem dizem ter sofrido discriminação racial nos últimos cinco anos. Se tivermos em conta o espaço de apenas um ano, a percentagem é de 34%.

Estes números são resultado de um inquérito feito a 6.700 pessoas de ascendência africana em 13 países do espaço da UE: Alemanha, Áustria, Bélgica, Dinamarca, Espanha, Finlândia, França, Irlanda, Itália, Luxemburgo, Polónia, Portugal e Suécia no âmbito do relatório “Ser negro na UE”.

Comparado com o último inquérito deste tipo, feito em 2016, isto representa um aumento, pois nessa altura a percentagem das pessoas com ascendência africana que diziam ter sido alvo de discriminação racial tinha sido de 39%.

A procura de habitação é dos momentos em que a discriminação racial se torna mais evidente: 31% dos inquiridos afirmam que foram alvo de discriminação racial nessas circunstâncias. Mas ela existe também no emprego: 34% dos inquiridos afirmou que foi alvo de discriminação enquanto procurava emprego, 31% foi alvo no seu próprio local de trabalho.

Em termos de emprego, o relatório da agência destaca que “é mais provável que tenham apenas contratos temporários e que sejam demasiado qualificados” para os trabalhos que fazem.

A percentagem de afrodescendentes que têm trabalho remunerado é quase idêntica à da população em geral (71% e 73% respetivamente), mas um terço tem trabalhos elementares face a 8% do geral e 42% são mais qualificados do que o requerido para a sua função, comparados com 22% na população em geral. Os vários itens sobre discriminação racial intensificaram-se desde o último estudo.

As dificuldades de encontrar habitação e a discriminação racial no trabalho agravam também as consequências da crise. Diz o documento que “cerca de 33% enfrentam dificuldades para fazer face às despesas quotidianas e 14% não têm dinheiro para aquecer as suas casas, em comparação com 18% e 7% da população em geral”.

Mulheres jovens, pessoas com educação superior e que usam vestuário religioso contam-se entre as que mais responderam ter sido vítimas de discriminação racial. E o problema é mais grave na Alemanha e na Áustria, onde 70% denuncia ter sido alvo de racismo. Mas este tipo de discriminação “permanece invisível”, diz esta agência no seu relatório. Apenas 9% das pessoas a denunciam.

Um fosso racial enorme em Portugal

No que diz respeito a Portugal, um em cada quatro afrodescendentes diz que sofre de discriminação racial. A percentagem é a mais baixa da União Europeia. Os números são contudo significativos: 31% dos afrodescendentes dizem terem sido discriminados na busca de habitação, 28% na procura de emprego.

Por outro lado, no item sobre dificuldade em pagar despesas, Portugal fica acima da média europeia. Enquanto na UE este número é de um terço, em Portugal é de 45%, comparados com os 21% da generalidade da população.

Também no acesso à habitação o mesmo tipo fosso é visível. Enquanto que 78% da população portuguesa em geral é proprietária da sua habitação, apenas 25% dos afrodescendentes o são. Em termos de sobrelotação das habitações, Portugal encontra-se acima da média europeia: 78% dos afrodescendentes vivem em casas sobrelotadas, face a 25% da população em geral (na média da UE são metade em comparação com 17% do total).

Outro dos pontos onde se revela uma diferença em relação à média europeia é nas queixas apresentadas sobre discriminação racial. Em Portugal, apenas 2% das pessoas que foram vítimas de racismo apresentaram queixa, em contraste com os 27% da Suécia. No nosso país a consciência de que as leis proíbem este tipo de comportamentos fica também bem abaixo da média. Esta é de 75% na UE e apenas de 34% em Portugal. Face a isto, a agência recomenda mais trabalho de consciencialização sobre discriminação racial, legislação anti-discriminação e sobre os mecanismos que as vítimas têm ao seu dispor.