Foi há dez anos que Maria Luís Albuquerque, então ministra do governo de Passos Coelho (PSD/CDS), afirmou que “é honesto dizer aos portugueses que vai ser preciso fazer alguma coisa sobre as pensões para garantir a sustentabilidade da Segurança Social”. E concretizava: “E essa alguma coisa pode passar, se for essa a opção, por alguma redução mesmo nos atuais pensionistas”. Estávamos em maio de 2015 e meses depois os eleitores escolheram outra opção, dando uma maioria parlamentar à esquerda apesar de a AD de então, chamada PàF, ter sido a coligação mais votada. Nos anos seguintes as pensões não foram cortadas e recuperaram poder de compra.
Dez anos depois, Maria Luís Albuquerque foi indicada pelo governo da AD para comissária europeia e tem a pasta responsável pelos Serviços Financeiros e pela União da Poupança e dos Investimentos. Foi nessa qualidade que interveio na semana passada num dos encontros do poderoso lóbi da indústria financeira Eurofi, que junta os maiores bancos, seguradoras, auditoras e fundos do mundo, incluindo a Goldman Sachs, JP Morgan, Blackrock, mas também a Google, Amazon e as principais infraestruturas bolsistas. A organização reúne duas vezes por ano, à margem dos encontros informais do Ecofin, onde têm assento os ministros da Economia e Finanças dos países da UE. As reuniões são fechadas aos jornalistas mas os responsáveis públicos divulgam a sua intervenção nos respetivos sites institucionais.
No seu discurso, Maria Luís Albuquerque começou por dizer que os membros do Eurofi e a atual Comissão Europeia têm objetivos comuns e prometeu em seguida facilitar a aplicação das poupanças dos europeus na bolsa através de incentivos fiscais, lembrando que os europeus “estão entre os maiores aforradores do mundo”, mas têm mais de 10 biliões de euros “a repousar em depósitos de baixo rendimento” em vez de colocados no capital das empresas.
E entre as empresas onde a comissária quer ver entrar dinheiro dos aforradores está a indústria de armamento, agora acrescentada por Bruxelas com prioridade acrescida às áreas da transição climática e digital. E é aqui que entram, no plano de Albuquerque, as pensões dos reformados europeus. “Apresentaremos uma recomendação para promover a inscrição automática nos regimes de pensões profissionais e procederemos à revisão das nossas leis em vigor em matéria de pensões, a fim de as tornar mais atraentes e eficientes” para os mercados financeiros, prometeu Albuquerque.
Em seguida, apontou o setor da defesa como uma “prioridade óbvia”, como sublinhado no plano “Rearmar a Europa”, para defender que “temos de desbloquear o acesso ao financiamento privado para estas empresas, e os bancos e os investidores institucionais devem também considerar a possibilidade de investir no sector da defesa”.
Esse investimento na indústria do armamento passa também pelo dinheiro dos pensionistas, apontou Albuquerque, dando como exemplo os fundos de pensões dos Países Baixos que começam a ser atraídos pela rentabilidade acionista dessas empresas. Outros exemplos desta mudança de atitude elencados pela comissária foram o debate entre alguns partidos noruegueses para permitir que o fundo soberano das receitas do petróleo possa vir também a investir em armas ou a criação do primeiro fundo de índices cotados (ETF) cujo valor transacionado segue o da evolução do setor de defesa europeu.
“A realidade atual é que a defesa é um bem público fundamental - hoje mais do que nunca. E há uma clara motivação económica para investir na defesa, investir na nossa segurança coletiva”, prosseguiu Maria Luís Albuquerque, garantindo que “o quadro de financiamento sustentável da UE é totalmente coerente com os esforços da UE para melhorar o acesso da indústria da defesa ao financiamento e ao investimento”.