Bloco desmonta mentira da Europa desarmada

09 de abril 2025 - 18:26

O mito de que a Europa está indefesa serve para aumentar a despesa em armamento e fomentar o complexo industrial-militar. Mariana Mortágua fala numa "barragem de propaganda e desinformação".

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Mariana Mortágua
Mariana Mortágua. Fotografia de Bruno Moreira.

 

 Europa está indefesa? Mariana Mortágua esteve esta quarta-feira em Évora, onde expôs os números da despesa europeia na indústria militar, para deixar claro que a Europa já tem capacidade de defesa e que, na verdade, é um dos principais atores da indústria militar internacional.

A posição do Bloco "é uma posição firme e corajosa contra uma barragem de propaganda e desinformação que tem sido propagada", considerou a coordenadora do Bloco de Esquerda. "E é uma posição sobre o futuro: quem quer comprar mais armas, só vê no futuro a guerra".

A dirigente bloquista explica que "a Europa não só é uma potência da indústria do armamento como exporta armas neste momento", e por isso "não precisa de triplicar o investimento em armas".

De facto, de acordo com os dados da própria União Europeia, a despesa total dos Estados-Membro em defesa chegou aos 326 mil milhões de euros em 2024, já estava nos 279 mil milhões de euros em 2023 e nos 254 mil milhões em 2022. A Agência Europeia de Defesa também deixa claro que há um aumento significativo de despesa em armamento. Se em 2022 os Estados-Membro da União Europeia gastavam 24 mil milhões de euros em aquisição de equipamento militar, em 2023 gastavam 61 mil milhões de euros e em 2024 terão gasto cerca de 90 mil milhões. Só entre 2022 e 2023, a aquisição de novos equipamentos militares terá aumentado cerca de 19%, um dos maiores aumentos dos últimos anos.

Gráfico aquisição de equipamento militar

O próprio relatório de dados sobre a defesa dessa agência confirma que “a tendência crescente deverá continuar” e que, com o aumento para 90 mil milhões de euros em despesa para aquisição de equipamento em 2024 começaremos a ver “um potencial aumento anual de mais de 50%”.

"As despesas militares da União Europeia aumentaram 30% entre 2021 e 2024", disse Mariana Mortágua. "A ideia de que a desestabilização de Trump apanhou a Europa desprevenida e sem gastos militares é mentira".

Também a nível dos profissionais no ativo "a Europa tem mais militares no ativo que a China e a Rússia" e só é ultrapassada pelos Estados Unidos da América, explica a coordenadora do Bloco de Esquerda. 

A Rússia, que tem sido usada como ameaça para justificar o aumento de despesa militar, tem uma despesa militar prevista para o ano fiscal de 2025, segundo a Reuters, de 145 mil milhões de dólares (cerca de 131 mil milhões de euros à taxa de conversão atual). "O orçamento que a Europa dedica para despesa militar é muito maior que o da Rússia. Se contarmos com o Reino Unido, é mais de  três vezes do que o que a Rússia gasta", disse a coordenadora do Bloco de Esquerda.

Portugal, em concreto, gasta 1,55% do Produto Interno Bruto em despesa militar. Gasta mais que a Itália, com 1,49% de despesa militar, ou a Espanha, com 1,28%. 

Apresentando os dados, a dirigente bloquista concluiu que "a Europa não tem falta de armas nem está desprevenida pelo rei louco que tomou conta da NATO" e "não precisa de investir mais em bombas".

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Rearmar a Europa?

O plano da Comissão Europeia para Rearmar a Europa faz parte da tentativa de fomentar a indústria militar, "como se a Europa não fosse já uma potência militar", aponta Mariana Mortágua. Bruxelas quer que os países europeus gastem 3% em defesa, e a NATO, liderada pelos Estados Unidos da América, exige aos membros 5% de despesa para a defesa.

"O que a NATO pede é mais do que a duplicação nesse investimento, e pergunto se é um investimento em defesa ou na guerra, se é para investir no futuro ou se vamos enviar os nossos para a guerra", sublinhou a dirigente bloquista.

Dados sobre gastos PIB

O secretário-geral da NATO, Mark Rutte, defendeu mesmo que devemos olhar “para o que os países gastam em pensões, no sistema de Segurança Social e na saúde” porque “precisamos de uma fração desses gastos para garantir que os gastos com a defesa cheguem a um nível em que possamos sustentar a nossa dissuasão a longo prazo”.

"3% do PIB são um milhão de pensões em Portugal, e mais do que toda a despesa que temos neste momento com profissionais de saúde. Qual é o maior risco para Portugal?", questionou a líder do partido. "Na altura em que era preciso ser solidário e ajudar os países com a crise financeira, não houve emissão da dívida pública, mas agora para pagar armas já há".

O argumento da NATO é aquele que evidencia que o investimento nos serviços públicos será substituído pela despesa em defesa. E nem a ideia de que a despesa militar não conta para o défice pode desmentir isso. Neste momento, o aumento da despesa militar da União Europeia é suportado em 650 mil milhões de euros pelos orçamentos dos Estados-Membro, e apenas 150 mil milhões de euros por empréstimo europeu.

"Não tenhamos nenhumas dúvidas, o que se está a passar é que o dinheiro que não chega para a saúde, para a habitação, para as escolas, para os empregos, para a crise climática, para as pensões, é o dinheiro que querem usar para rearmar a Europa", acusou Mariana Mortágua. 

O negócio das armas

Com a estagnação económica na Europa, a coordenadora do Bloco de Esquerda diz que "o projeto de futuro que as economias europeias têm é o negócio das armas". Os dados do Stockholm International Peace Research Institute provam "que as armas são um negócio", visto que as 100 maiores empresas de armamento triplicaram as vendas entre 2002-2023 e já ultrapassam os 600 mil milhões de euros. Dessas 100 empresas, 41 estão sediadas nos Estados Unidos da América e 29 na Europa, mas apenas 9 na China e 2 na Rússia.

Vicente Ferreira
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A maior fatia das receitas dessas empresas vai para os Estados Unidos da América, mas a Europa ainda regista 24% dos lucros.  É também a Europa a segunda maior exportadora de armas do mundo, registando cerca de 32% das exportações mundiais de armas, e exportando para países como o Qatar, a Arábia Saudita, o Paquistão, o Egito, a Turquia e até os próprios Estados Unidos da América, mas também para Israel. 

"O Estado de Israel adquire 33% das suas armas a um país: a Alemanha", diz Mariana Mortágua. "É um terço das armas que Israel usa para o genocídio palestiniano - não nos digam que precisamos de produzir mais armas na Europa".

Mas os países europeus foram também grandes exportadores de armas para a Rússia entre 2015 e 2020. A França fez exportações militares para a Federação Russa no valor de 152 mil milhões de euros nesse período, e a Alemanha em cerca de 122 mil milhões de euros. "O que isto quer dizer é que não há falta de armas na Europa", disse Mariana Mortágua.

A dinamizar esse negócio estão cinco grandes empresas, a Airbus, a Thales, a Leonardo, a Indra Sistemas e a Dassault, que absorvem três quartos dos gastos europeus em Defesa, segundo a Investigate Europe.

"Há cinco empresas que estão a ganhar com o dinheiro que a União Europeia gasta com defesa, e têm ligações entre si. São um grande lóbi", explica a dirigente bloquista.

Essas cinco empresas, que beneficiarão da pulsão para Rearmar a Europa, avançada pela NATO, têm acionistas norte-americanos como a Capital Group, a Wellington Management, a Vanguard, a BlackRock e a Fidelity Investments. E esses acionistas também têm participações na Northrop Grumman, na Raytheon Technologies, na Lockheed Martin, na General Dynamics e na Boeing. Ou seja, os donos da indústria do armamento europeu são os donos da indústria do armamento estadunidense.

Dados sobre acionistas das grandes empresas do armamento

Mariana Mortágua sublinhou que "é tudo a mesma indústria, é tudo o mesmo lóbi, é tudo o mesmo negócio" e pede "que ninguém se engane sobre isso".

Mudar de vida e garantir a paz

O Bloco de Esquerda defende que "é preciso contrariar as narrativas únicas e ter a coragem de dizer que nós não precisamos de mais armas".

"Não precisamos de mais armas porque a Europa tem como se defender e é uma potência militar, e porque quem acha que produzir armamento é uma estratégia económica está a dizer que o seu futuro é a guerra", afirmou a coordenadora do partido.

Sobre a política da NATO e as decisões tomadas pela organização militar, Mariana Mortágua relembrou que a força é organizada pelo poder estadunidense e que o partido defende a saída da NATO.

"O que é preciso é coordenar os Estados europeus, com fins democráticos e de defesa", e não "substituir a vontade paz e o desarmamento, que a esquerda sempre defendeu por uma corrida para a guerra", defendeu.

Para isso, é precisa "a promoção de uma diplomacia para a paz e para o desarmamento multilateral", mas "a União Europeia desistiu no momento em que permitiu que Israel desrespeitasse todas as regras de direitos humanos enquanto invadia um país e matava o seu povo".