Europeias 2024

Mais e melhor democracia na UE

21 de maio 2024 - 22:15

A lógica “à porta fechada” das decisões do Conselho não significa a salvaguarda de um momento discreto da negociação que permite resolver impasses. Pelo contrário, significa a tolerância com uma lógica de barganha inconfessável, em que se trocam vantagens e desvantagens em nome do povo sem que este saiba minimamente o que se diz em seu nome

por

André Barata

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Conversas à margem da reunião do Conselho da UE
Conversas à margem da reunião do Conselho da UE. Foto União Europeia.

Os processos legislativos no Conselho da União Europeia decorrem à porta fechada, ou perto disso. Em qualquer processo deliberativo é aceitável que haja a possibilidade de um momento que siga essa lógica. Mas uma instituição máxima da UE funcionar, por princípio, sob opacidade democrática é inaceitável.

Esta falta de transparência torna praticamente impossível saber por que razões propostas legislativas não avançaram e não permite esclarecer que posicionamento assumiram os representantes governamentais de cada Estado membro. Sobre o que sucede nesse Conselho e sobre o que dizem nele os nossos representantes nacionais só podemos especular.  É caso para dizer que o que acontece no Conselho fica no Conselho.

Para maior visibilidade pública do processo deliberativo no Conselho, há que exigir mudanças regimentais. Não só por respeito aos cidadãos da UE, que têm o direito de saber como chegam a ser aprovadas leis e por que razões, mas também os outros órgãos da UE, a começar pelo Parlamento Europeu, que aprova leis que podem ser ignoradas sem qualquer prestação de contas pelo Conselho.

Não se trata apenas de exigir mais e melhor democracia nas instituições da UE. Cada um dos governos dos Estados membros é cúmplice deste secretismo sobre matéria de interesse geral quando, abrigado na prática do Conselho, não presta contas claras no seu país e respetivos parlamento e opinião pública sobre o seu posicionamento nas tomadas de decisão.

A lógica “à porta fechada” das decisões do Conselho não significa a salvaguarda de um momento discreto da negociação que permite resolver impasses. Pelo contrário, significa a tolerância com uma lógica de barganha inconfessável, em que se trocam vantagens e desvantagens em nome do povo sem que este saiba minimamente o que se diz em seu nome. A sua lógica de funcionamento é bem espelho da falha de raiz que se incrustou na vaga democracia europeia, na verdade uma arena à porta fechada de poderes nacionais a defender os seus interesses. O Conselho não é apenas uma instância política da União Europeia entre outras. Se a Comissão Europeia pode sugerir e o Parlamento Europeu pode aprovar, na verdade o Conselho pode deixar cair sem dar razões disso, sempre que o entende.

A democracia das instituições políticas europeias não pode ser alienada na diplomatocracia, sequer na tecnocracia, ou num misto de ambas a que bem se chama eurocracia.

Há que devolver a política que se faz na UE à democracia. O que significa não permitir maior capacidade decisora às instituições europeias do que a proporcional à sua legitimação democrática.

E há que fomentar um genuíno espaço público europeu, que dê voz a uma opinião pública de escala europeia, para isso sendo necessário desenvolver-se uma política europeia de apoio ao setor do jornalismo. Sem espaço público não há democracia digna desse nome.

É urgente mais e melhor democracia na UE, não à custa das democracias nacionais, e da portuguesa em particular, como sucedeu no passado, mas como legitimação pela vontade popular e prestação de contas transparente diante dos povos soberanos que compõem a UE.