Numa sessão pública realizada na manhã deste domingo no café Santa Cruz, em Coimbra, Mariana Mortágua defendeu que é preciso baixar o preço das casas no imediato e não esperar pelas décadas da nova construção. E afirmou que o banco público tem margem para baixar o juro nos créditos à habitação.
O discurso reagiu também à declarações de um líder sindical da PSP, que na véspera colocou a hipótese de os agentes destacados para assegurarem o funcionamento do processo eleitoral, com o transporte das urnas de voto, poderem não cumprir essa função, inviabilizando o ato eleitoral de 10 de março. Para a coordenadora bloquista, as forças de segurança "têm toda a razão nas suas exigências" e devem ter remunerações e salários de acordo com a função que desempenham, "porque é assim que o Estado respeita todos os seus trabalhadores". Mas "não a devem perder com anúncios de atos que põem em causa o próprio processo democrático, como anúncios de boicote a atos eleitorais".
"As polícias têm a capacidade de se fazer ouvir. O que o Governo deve fazer é ouvir estes profissionais, ouvir as suas boas razões e responder-lhes com a justiça. E a justiça é salário. A justiça é o salário digno e que permita a forças de segurança, a professores, a médicos, enfermeiros, oficiais de justiça, técnicos, a toda a gente que constrói o Estado e a democracia, viver com dignidade, ter dinheiro para pagar a sua casa, as suas contas ao fim do mês, porque é assim que respeitamos quem trabalha e é assim que construímos a democracia e de nenhuma outra forma", afirmou a coordenadora do Bloco.
Principais bancos comportam-se como "parasitas financeiros" da riqueza que é produzida no país
Mariana Mortágua referiu-se também aos recentes anúncios dos resultados financeiros da banca no ano passado, considerando que "a banca está a apresentar lucros astronómicos porque um empréstimo à habitação de 150.000 euros a 30 anos que 2021 tinha uma prestação de 450 euros em 2023 tem uma prestação de 815 euros. Esta é a única razão para os lucros astronómicos da banca". E acusou os principais bancos em Portugal de se comportarem como "parasitas financeiros" da riqueza que é produzida no país e dos salários "que custam tanto a ganhar e que estão a ir na sua maioria para pagar créditos à habitação" para depois a banca "apresentar lucros astronómicos que são entregues diretamente aos acionistas".
Lembrou também que sempre que o Bloco apresentou propostas no Parlamento para taxar os lucros excessivos da banca, para baixar os juros do crédito à habitação ou "para salvar as pessoas do aperto que é chegar ao fim do mês e não saber se conseguem pagar o crédito à habitação ou contas de supermercado", a maioria absoluta do Partido Socialista e a direita "juntaram-se para proteger os lucros da banca".
A aliança mais antiga do PS com a direita traduziu-se também no discurso das últimas décadas, em que os vários governos prometeram que com o investimento em qualificações, em infraestruturas rodoviárias, a redução dos impostos às empresas, a liberalização da economia e das regras laborais e as privatizações, "o mercado vai resolver, o mercado trará prosperidade, trará desenvolvimento, trará produtividade, trará modernização".
"O que é que o mercado fez com a geração mais qualificada? O que é que o mercado fez com as infraestruturas que foram construídas? O que é que o mercado fez com os impostos que foram reduzidos sobre o capital? O que é que o mercado fez com tanta liberalização de tantos sectores?", questionou Mariana Mortágua, respondendo que "com notáveis exceções, o que o mercado fez foi uma economia de baixos salários, uma economia rentista, sempre sujeita aos interesses económicos e às portas giratórias, uma economia de imobiliário e de turismo de luxo".
Se essas promessas só deixaram "uma economia pobre e sujeita à crise social permanente", esta crise foi ainda agravada por uma maioria absoluta "insensível, arrogante e que trouxe instabilidade ao país e que deixou que os preços aumentassem, dizendo às pessoas que elas tinham que empobrecer", com os salários a perderem poder de compra face à inflação. Mas também a habitação é uma das razões de empobrecimento, pois "um salário de 800 ou de mil euros, que há cinco anos ou dez anos pagava uma casa, agora não paga uma casa", o que tornou Portugal no terceiro país do mundo onde a diferença entre o preço da casa e salários faz com que as casas sejam mais caras para quem aqui trabalha.
O mercado da construção não resolve o problema da habitação porque a rentabilidade "está no luxo e no turismo"
Em resposta aos que defendem que a solução passa apenas por mais construção, Mariana Mortágua argumenta que o mercado não está impedido de construir. O que se passa é que "a construção existe, mas o mercado vai para onde há rentabilidade" e a rentabilidade da construção "está no luxo e no turismo", pelo que não serve para resolver o problema da habitação num país onde "a cada cinco dias, há um novo hotel".
Por isso, o Bloco defende que é agora que precisamos de casas e não no tempo da construção "daqui a 10 ou 20 ou 30 anos". E para que isso aconteça "é preciso baixar o preço das casas". Mariana Mortágua diz que o banco público tem um papel determinante a desempenhar na redução da fatura paga pelas pessoas no crédito à habitação, pois hoje tem uma margem que lhe permite baixar esses juros "em dois ou três pontos percentuais". E ao fazê-lo, "vai arrastar todo o mercado com ele". Taxar os lucros excessivos da banca e canalizar essas receitas para políticas de habitação, com reabilitação de património público e construção de novas habitações onde é necessário, a par da limitação ao preço das rendas são outras propostas no programa eleitoral do Bloco.
"Em que mundo é que cobrar 1.200 euros por T1 é sensato e querer pôr limite às rendas especulativas é radical? Alguém me consegue explicar esta lógica?", perguntou, contrapondo que "a sensatez é limitar as rendas especulativas, é dizer que a habitação é para viver de acordo com os salários que se praticam em Portugal e não de acordo com os salários que se praticam para pensionistas ricos na Suécia". Por isso o Bloco propõe também proibir a venda de casas a não-residentes em sítios que estão a ser pressionados pela crise da habitação.
"Se há um mercado ilimitado de procura por não-residentes milionários que estão a inflacionar o nosso mercado, há momentos na vida em que é preciso fazer escolhas e a escolha é que quem cá vive, independentemente da sua nacionalidade, possa aceder a uma casa para viver, porque as casas são para viver", prosseguiu.
Outra proposta passa pela limitação ao alojamento local nessas zonas mais pressionadas, tal como já aconteceu em cidades como Nova Iorque, Roma, Amesterdão, Florença e muitas outras, o mesmo acontecendo à construção de novos hotéis.
Miguel Cardina destaca propostas para a Saúde no distrito de Coimbra
Miguel Cardina e Mariana Mortágua na sessão pública do Bloco este domingo em Coimbra.
O cabeça de lista bloquista pelo círculo de Coimbra às legislativas também falou do problema da habitação na cidade e das propostas do Bloco para o resolver, bem como da aposta da maioria absoluta na "indústria extrativista que não serve nem as populações nem o território".
Miguel Cardina abordou ainda o estado do Serviço Nacional de Saúde numa cidade que "é a capital da saúde e é também a capital onde rapidamente está a surgir uma medicina privada que parasita o Serviço Nacional de Saúde e que não só vive dessas insuficiências como as estimula".
O candidato do Bloco defendeu que é necessário corrigir decisões erradas, dando o exemplo da fusão hospitalar entre os Hospitais da Universidade de Coimbra (HUC) e o dos Covões, que resultou no desmantelamento de equipas e "no aumento da pressão sobre o HUC, diminuindo a capacidade de resposta". Para Miguel Cardina, salvar o SNS passa pela contratação de mais profissionais, com melhorias nas carreiras e nas remunerações, mas também por ampliá-lo, por exemplo com a introdução dos cuidados de saúde oral no Serviço Nacional de Saúde.