Memória histórica

Homenagem aos resistentes anti-franquistas junta Galiza e Portugal

26 de maio 2024 - 12:56

Em Sernande, Vinhais, descerrou-se uma placa a lembrar um guerrilheiro galego antifascista aí morto pela PIDE e Guardia Civil. A iniciativa Raia Seca Solidária lembrou não só os combatentes mas também os portugueses que lhes forneceram uma retaguarda para a sua luta.

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Placa em memória de O Aguirre
Placa em memória de O Aguirre. Foto Comité pola Memória Histórica do Val do Límia/Facebook.

De ambos os lados da fronteira entre Galiza e Portugal, este sábado, invocou-se a memória dos combatentes anti-franquistas. A iniciativa “A Raia Seca Solidária” surgiu da Associação Amigos da República de Ourense, em colaboração com a Associação Cultural Os Torgueiros – A Gudiña, a União de Freguesias de Quirás e Pinheiro Novo e o concelho de A Gudiña-Ourense, e com investigadores como Dionísio Pereira e Lola Varela.

Ao longo dos últimos anos, várias ações têm lembrado a solidariedade anti-fascista que ultrapassou fronteiras. Desta feita, a homenagem centrou-se no papel do guerrilheiro galego antifascista Alfredo Yáñez e no da comunidade de Sernande (Vinhais). Este, conhecido como “O Aguirre”, estava sepultado sem identificação na ermida de Santo António naquela aldeia. Descerrou-se pela manhã uma placa em sua memória e à dos vários aldeões portugueses presos ou perseguidos por ajudar fugitivos do regime franquista ou combatentes antifascistas. Em 1941, por exemplo, 19 habitantes foram presos por prestar auxílio a estas pessoas.

Depois, à tarde, na Casa da Viúva, em A Gudiña, projetou-se o documentário “A Menina que vía homes encadeados” de Alicia López Méndez e Javier López Rodríguez. Um pequeno filme onde se conta a história dos cerca de 300 presos políticos obrigados a trabalhos forçados para construir o caminho de ferro Ourense-Zamora. A jornada foi encerrada por uma conferência do historiador Alejandro Rodríguez Gutiérrez sobre as lutas nesta zona e o surgimento da Federação de Guerrilhas de Leão-Galiza que lutou contra o fascismo durante onze anos.

A guerrilha que começa na fuga à repressão franquista

Ao El Diario, Dionísio Pereira, um dos especialistas nestas lutas que co-escreveu recentemente um livro sobre esta guerrilha e a rede de solidariedade na zona fronteiriça, explica que “a partir do levantamento fascista, desencadeou-se uma repressão muito forte”. O centro da resistência foram os trabalhadores da ferrovia que, muitos deles de esquerda, “ao princípio fugiram e esconderam-se nas montanhas simplesmente com carácter defensivo” para escapar à sangrenta retaliação. A guerrilha, essa, “começa a constituir-se mais tarde”.

A zona de Trás-os-Montes funcionária como sua retaguarda. Apesar de ser, continua o historiador”, “uma região conservadora, com una forte influência da Igreja Católica, ao mesmo tempo era um lugar esquecido pelos governos com uma fronteria permeável”. Para as solidariedades e cumplicidades transfronteiriças, contribuíam também práticas que não se detinham em linhas políticas como o pastoreio e o contrabando. Neste contexto, parte dos guardas fronteiriços estavam integrados na comunidade e acabavam, de uma forma ou de outra, por ser fazer vista grossa.

Outra razão óbvia para a solidariedade foram os laços familiares ou de amizade. A partir da facilidade desta proximidade, a resistência anti-franquista estendeu o raio de ação que chegou a ser de mais de 120 quilómetros. Seriam oito ou nove grupos armados a operar no local e que dependiam da retaguarda portuguesa.

É muito mais tarde, em 1942, que surge a Federação das Guerrilhas de Leão-Galiza. Dionísio Pereira afirma que esta só se estrutura depois de uma tentativa de fuga frustrada de cerca de 30 guerrilheiros que saíram de Sernande e tentaram chegar ao Porto com o objetivo de embarcar para a América Latina. Só depois deste fracasso “começam a pensar numa estratégia mais estrurada para a luta anti-franquista”.

O Aguirre

Um dos operários da ferrovia que acaba por pegar em armas é Alfredo Yáñez. Teria uma “ideologia próxima do comunismo, ainda que creio que não militava”, diz o especialista. Foge em julho de 1936 e passou onze anos depois disso na clandestinidade, muitos deles escondidos em Sernande. Acaba por ser apanhado aí e morto em novembro de 1947, numa operação conjunta entre GNR, PIDE e Guardia Civil, em que eram “cem homens contra um”. A população da aldeia trata de enterrá-lo.

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