História de um oligarca russo e do seu sócio português

04 de março 2022 - 16:28

Até 2020, quando iniciou grandes investimentos em comunicação social, o empresário Marco Galinha era um quase desconhecido no panorama empresarial português. A sua associação nos negócios ao oligarca russo Markos Leivikov, aliás seu sogro, é imediatamente anterior. Markos Leivikov financiou o partido de Putin através de uma das suas empresas e deixou na Rússia um rasto de suspeitas de fraudes milionárias. Por Mariana Mortágua.

porMariana Mortágua

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Marco Galinha e Markos Leivikov.

Entre uma extensa árvore de participações, o grupo Bel controla, através de outra empresa, a sociedade Flugraph, detentora da Herdade Rio Mourinho (450 hectares de projeto turístico em Alcácer do Sal), de uma estalagem de luxo em Cascais (Estalagem do Farol) e ainda de uma promotora imobiliária, a Propriurbe. O segundo acionista da Flugraph, com 49%, é o Opus Estate Group, com sede no Dubai.

Foi em 2019, por alturas do casamento de Marco Galinha, que Markos Leivikov, pai da noiva e acionista da Opus State Group, entrou na Flugraph. Sogro e genro são hoje presidente e vogal do conselho de administração, respetivamente. À frente da Estalagem do Farol encontra-se Vladimir Karamanov, antigo número dois da empresa estatal russa JSC, detido em 2016 na sequência da investigação ao desvio de cerca de mil milhões de rublos daquela empresa para contas em offshores.

 Mark Leivikov, Cristina Santos Silva, Maria Do Céu Garcia e Carlos Carreiras, Presidente da Câmara Municipal de Cascais. Foto: Estoril for Press/Facebook

 

Markos Leivikov, um produto do governo Putin

Markos Leivikov nasceu em 1962 em Chelyabinsk e é conhecido nesta região industrial pela sua proximidade ao poder político. Foi vice-presidente da União de Empresários e Industriais de Chelyabinsk, a cuja direção pertenceu entre 2003 e 2020, ao lado do já citado Vladimir Karamanov e de Viktor Khristenko, ministro da indústria entre 2004 e 2012, nos governos de Putin, de quem chegou a ser número dois no governo.

 Vladimir Putin e Viktor Khristenko. Foto Moika78

 

Leivikov fez-se dono de empresas mineiras e de energia, algumas com posições de domínio de mercado. O sucesso estará ligado à proteção de Viktor Khristenko, de quem Leivikov é amigo desde os tempos de escola. O Kommersant escrevia em 2001 que “Markos Leivikov não esconde a sua amizade com o ex-ministro da Indústria, que tem muito peso na administração. Os especialistas falam sobre a grande influência de Leivikov na economia e na vida política dos Urais do Sul”.

A revista Delovoy Kvartal escrevia em 2009 que Leivikov era “uma das figuras mais controversas da elite empresarial de Chelyabinsk. Até recentemente, pouco se sabia sobre a extensão de sua influência económica e política. Leivikov é uma das criaturas do sul dos Urais do poderoso Ministro da Indústria e Comércio Viktor Khristenko e, ao mesmo tempo, membro da comitiva do governador de Chelyabinsk, Pyotr Sumin”.

Da privatização do níquel à nova burguesia do boxe

Entre 1992 e 2004, Markos Leivikov presidiu à Ufaleinickel, empresa mineira de exploração de níquel de que se tornou proprietário na privatização. Os principais parceiros de negócios de Markos Leivikov são, desde essa época, Evgeny Vainshtein, um antigo treinador de boxe convertido em capitalista na vaga de privatizações dos anos 90, e o seu filho, Sergey, que já foi deputado à Duma (foi considerado o deputado mais rico do seu partido, próximo do regime de Putin). Os Vainshtein são elementos muito próximos de Mikhail Yurevich, deputado pelo "Rússia Unida”, e depois governador da região entre 2010 e 2014. Apanhado num esquema de subornos, foi sucedido, até 2019, por Boris Dubrovsky, também ele acusado de desvio de fundos públicos. O filho deste, Alexander Dubrovsky, foi sócio de Vainshtein e de Leivikov numa complexa estrutura de empresas (ver abaixo). Em 2016, Dubrovsky, Leivikov e os Vainshtein integravam a lista dos 100 mais ricos da região dos Urais.


Boris Dubrovski e Putin, quando Dubrovski integrou o conselho de Estado da Rússia. Fonte

Sergey Vainshtein com o governador de Chelyabinsk que sucedeu a Boris Dubrovski. Fonte

 

Foi com os Vainshtein que Markos Leivikov entrou no capital da BSEC, a principal fornecedora de energia da região de Chelyabinsk. Em 2008, o governo russo promovia uma mudança de acionistas das energéticas russas, afastando alguns dos proprietários da fase da privatização. Em 2009, entram no capital da BSEC três novas empresas, registadas nas Ilhas Virgens britânicas e atribuídas a Leivikov: Polar Star Resources, Mountain Engineering Investments e Valid Assets. Em 2011, a Cyprus SV Property Management obtém autorização para comprar a totalidade da empresa. Mark Leivikov continuou a ser o principal beneficiário da nova sociedade, com 90% da empresa. Sergey Vainshtein também lá está.

Desde a entrada dos novos acionistas, a empresa foi inúmeras vezes multada por restrição de concorrência, abuso de posição dominante, dívidas, abuso, abuso e mau serviço. Mas as queixas surgem também, logo em 2011, da companhia estatal detentora da rede inter-regional de distribuição de energia, a IDGC: a empresa de Leivikov não pagava o transporte da energia. Essas queixas levariam, anos mais tarde, a uma condenação em tribunal arbitral e, em 2018, à exclusão da empresa do sistema elétrico. Leivikov culpa os consumidores, alegando atrasos nos pagamentos. No entanto, começam a surgir suspeitas de desvio de fundos na BSEC. Em 2012, a BSEC era ainda autorizada a comprar 29% de uma metalúrgica em falência pertencente a… Markos Leivikov e aos Vainshtein.

Apesar dos contratempos, Markos Leivikov confia na fluidez das relações com o poder em Moscovo. Em 2015, o Kommersant noticiava financiamentos ilegais de Markos Leivikov ao partido Rússia Unida, de Vladimir Putin. O diretor geral de uma das suas empresas é eleito deputado, nesse mesmo ano, pelo partido Rússia Unida, apoiante do presidente, e dois anos depois chega a presidente da associação patronal da região de Chelyabinsk, onde Leivikov já estava.

Leivikov e a ex-mulher do “mais poderoso oligarca da Rússia”

É então que entra em cena um conjunto de empresas associadas a Marina Sechina, ex-mulher de Igor Sechin, o presidente da gigante petrolífera Rosneft, a quem o Financial Times chama “o mais poderoso oligarca da Rússia”. Essas empresas adquirem 60% da BSEC. De acordo com diversas fontes, a entrada de Marina Sechina na BSEC visa dificultar a aproximação das autoridades judiciais russas, ao mesmo tempo que Leivikov e o seu sócio mantêm uma participação sob nova dissimulação. Com a venda a Sechina, a posição de Leivikov, através da Cypriot SV Property Management, passa de 92% para 17%. Essa participação é vendida à Elmex Holdings, sedeada nas Bahamas que, de acordo com documentos publicados nos Panama Papers, é também propriedade de Leivikov e do velho treinador de boxe, Evgeny Vainshtein.

Igor Sechin e Putin. Fonte

Khizir Atakuev e Marina Sechina. Fonte

 

Em 2017, a distribuidora estatal IDGC, ainda credora, pede a falência da BSEC e de outras empresas do grupo MRSEN (ligado a Marina Sechina) por falta de pagamentos em 2011 e 2012 e a sua retirada do sistema elétrico. As empresas pagam uma pequena parte da dívida e o governo mantém-nas no sistema. As estruturas acionistas, essas, continuam secretas. O conflito mantém-se, com a IDGC a acusar a BSEC de pedir empréstimos e desviar fundos em vez de pagar a sua dívida. Em maio de 2018, sob pressão, a BSEC ainda antecipa uma mudança na administração. Leivikov mantém-se, mas deixa a presidência da empresa. Todavia, um mês depois, a BSEC perde mesmo a licença de venda e em 2019 o Tribunal declara a falência e impede nova reorganização. Os proprietários resistem, com receio de que se descubram provas de desvio de fundos para contas de offshores. E, de facto, o gestor interino nomeado identificou indícios de falência fraudulenta. Em março de 2021 são detidas onze pessoas, entre elas Vladim Litvinov, presidente da BSEC na mesma administração de Leivikov. De acordo com o Ministério do Interior russo, entre 2004 e 2019, terão sido desviados 10 mil milhões de rublos para contas no estrangeiro.

Os negócios dos sócios da Elmex

Após a transferência de propriedades para sociedades offshore, Leivikov parece ter abandonado as antigas estruturas empresariais na Rússia. No entanto, Wladimir Gamolsky, Leonid Kinevsky, Leonid Gold e Evgeny Vainshtein, os seus sócios na Elmex Holdings, mantiveram a parceria. Na estrutura de capital destas empresas surge agora o nome Tamara Leivikov (ver, por exemplo,UK PI LLC, SP "OTEL", LLC "PARK HOTEL", LLC "INVESTIMENTOS INDUSTRIAIS")

Tanto quanto se sabe, Leivikov e Marina Sechina ficaram fora da acusação judicial. No entanto, o Kommersant noticiou o envolvimento de Sechina na rede de bancos e empresas responsáveis pelo desfalque. A organização internacional anti-corrupção OCCRP reporta ainda que a Elmex Holdings e a Nortoholme, associadas a Leivikov e Vainshtein, detinham milhões de dólares em notas promissórias emitidas por uma entidade envolvida na fraude.

Ambas as sociedades offshore surgiram nos registos na Vincit Advisory, uma empresa criada pelo banco ABLV, entretanto encerrado por lavagem de dinheiro em larga escala, sobretudo da oligarquia russa próxima de Putin. Perante a falência e o congelamento de contas, os Pandora Papers mostram as preocupações da Vincit em desbloquear os ativos de Leivikov e Vainshtein.

É em 2019, recorde-se, que Markos Leivikov chega a Portugal e se associa a Marco Galinha.

A PPP agrícola dos amigos de Leivikov

Em 2017, o governador de Chelyabinsk, Boris Dubrovsky, anunciou fundos federais para o projeto de construção do parque agrícola “Gorny”, em Ust-Katav. Para além deste apoio, a infraestrutura é financiada pelo governo regional, pertencendo a parte privada da parceria a Sergey Vainshtein, o eterno sócio de Markos Leivikov.

Ora, enquanto recebia estes financiamentos e apoios do governo regional de Chelyabinsk, a família Vainshtein fundava uma empresa agrícola, a Kristall, em sociedade com o filho do governador regional. Até 2019, a Kristall teve como sociedades acionistas a MSK, controlada pelo filho do governador, e a Tsentroresurs, da família Vainshtein (33%) e da sociedade Mizadana (61%), registada no Chipre. Nesta, vamos encontrar, entre outros sócios, a Opus Estate Group, a mesma empresa com que Leivikov participa na Flugraph com Marco Galinha.

É mesmo Leivikov quem apresenta esta PPP agrícola no Fórum Económico Internacional de São Petersburgo. No mesmo mês, o governo atribuiu 374 milhões de rublos adicionais ao projeto.

O governador ​Boris Dubrovsky renunciou ao cargo em 2019, quando já enfrentava suspeitas, entretanto confirmadas, de responsabilidade num esquema para monopolizar a prestação de serviços de construção e reparação de estradas na região. 90% dos contratos foram atribuídos à Yuzhuralmost, ligada a Dubrovsky, que entretanto fugiu para a Suíça, acusado de se apropriar de 20 mil milhões de rublos entre 2016 e 2018.

 


Este artigo foi objeto do exercício de direito de resposta por parte de Markos Leivikov, que o Esquerda.net publicou a 13 de março de 2022 e republicou a 20 de maio de 2022 por deliberação do Conselho Regulador da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, que determinou a retirada da nota final da autora deste artigo. Ler direito de resposta de Markos Leivikov.

Sobre o/a autor(a)

Mariana Mortágua

Deputada. Coordenadora do Bloco de Esquerda. Economista.