Governo turco destitui três presidentes de Câmara curdos

05 de novembro 2024 - 10:44

Num momento em que se falava de um possível processo de conversações, o governo de Erdogan decidiu voltar a uma velha prática de desrespeitar os resultados das eleições autárquicas. O DEM recorda que anteriores intervenções destas “foram firmemente rejeitadas pelo povo, levando à sua retumbante derrota nas eleições subsequentes”.

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Protestos em Batman.
Protestos em Batman. Foto do DEM.

Os presidentes de Câmara de três cidades no sudeste da Turquia, Ahmet Turk de Mardin, Gulistan Sonuk de Batman e Mehmet Karayilan de Halfeti, foram destituídos pelo Governo esta segunda-feira, acusados de ligações com o PKK, o Partido dos Trabalhadores do Curdistão que o executivo considera terroristas.

O ministro do Interior turco substituiu-os por administradores por si nomeados.

Tinham sido eleitos nas autárquicas de março passado e são do Partido da Igualdade e da Democracia, o terceiro maior partido representado no parlamento turco e que conquistou 75 municípios nessa votação.

A destituição de presidentes de Câmara curdos democraticamente eleitos não é uma novidade, tendo já acontecido a dezenas de outros, e até a alguns destes. Turk, por exemplo, já foi destituído desta forma duas vezes e aguarda atualmente julgamento do recurso que interpôs por ter sido condenado a dez anos de prisão por envolvimento nas manifestações de 2014 a favor da proteção da cidade síria de maioria turca de Kobane. Mas é um golpe num momento em que havia quem falasse em conversações depois de uma proposta de um partido aliado de Erdogan há duas semanas de um processo de paz. Devlet Bahceli, líder do Partido do Movimento Nacionalista de extrema-direita, MHP, tinha surpreendido ao propor permitir ao líder do PKK, Abdullah Ocalan, dirigir-se ao parlamento turco e declarar a dissolução do grupo armado. Erdogan tinha-lhe chamado então uma “janela de oportunidade” para o diálogo mas acrescentou que este não se estenderia aos “barões do terror” no Iraque e na Síria. E do lado da oposição e de vários setores curdos a ideia foi vista como uma tentativa de aproximação.

Agora o caminho parece ser outro e, para o DEM, em comunicado, esta medida “é uma repetição dos ataques falhados que continuam desde 1994 para eliminar o povo curdo da política democrática”. A formação pró-curda nota que anteriores intervenções “foram firmemente rejeitadas pelo povo, levando à sua retumbante derrota nas eleições subsequentes, onde os eleitores demonstraram decisivamente o seu apoio ao nosso partido”.

Assim, a medida administrativa “sublinha a exaustão política e o desespero do regime”, consideram. Para além disso, a transformação destes municípios “em postos policiais avançados é uma declaração gritante de que a legitimidade democrática do atual regime político chegou ao fim”. E estes ataques “não só prejudicam qualquer procura de diálogo e reconciliação, como também levantam sérias dúvidas sobre a sinceridade daqueles que estão no poder”.

Quem também aproveitou para criticar o Governo foi o presidente da Câmara de Istambul, Ekrem Imamoglu, do CHP, Partido do Povo Republicano, que se apresenta como potencial rival de Erdogan na próxima corrida eleitoral presidencial de 2028. Este autarca escreveu no X que o “Governo perdeu o controlo” e que “o direito de ser eleito apenas pertence aos eleitores e não pode ser transferido”.

O líder do seu partido, Ozgur Ozel, foi no mesmo sentido, declarando: “estamos a lidar com um [Governo] descarado que tomou municípios que não conseguiu ganhar nas eleições e continua a demitir políticos que não conseguiram reformar através de um golpe”.

Recorde-se que Ahmet Ozer, um presidente de Câmara do CHP em Esenyurt, um distrito de Istambul, tinha sido também preso e destituído na passada quarta-feira, igualmente por alegadas ligações ao PKK.

As destituições desta segunda-feira foram seguidas de manifestações de milhares de pessoas nas respetivas localidades.