Governo limita resposta à crise para conseguir “brilharete” no défice

10 de outubro 2022 - 13:29

O abrandamento da economia quase não alterou os planos do Governo para a redução do défice orçamental, preparando-se agora para impor um corte real nos salários da maioria dos trabalhadores.

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Fernando Medina. Foto União Europeia.

As previsões mais recentes sobre o desempenho da economia portuguesa no próximo ano são bem menos animadoras do que há uns meses. Se, no início do ano, se projetava uma trajetória de recuperação da atividade económica após o choque provocado pela pandemia, o início da invasão russa da Ucrânia e o prolongar do conflito alteraram substancialmente o cenário.

A escalada da inflação e, sobretudo, a subida acentuada dos preços da energia estão a ter impacto nas economias da União Europeia e as principais instituições internacionais já preveem uma recessão no próximo ano. O Governo português, que em abril deste ano projetava que a economia do país cresceria 3,3% em 2023, estima agora um crescimento que não deverá ultrapassar os 1,3%.

No entanto, o abrandamento da economia quase não alterou os planos do Governo para a redução do défice orçamental. Em abril, quando apresentou o Programa de Estabilidade, o executivo de António Costa apontava para uma redução do défice de 1,9% do PIB em 2022 para 0,7% em 2023. Hoje, tudo indica que a previsão do Governo é que o défice se reduza de 1,9% para 0,9%.

No que diz respeito à dívida pública, o Governo pretende ir ainda mais longe do que antecipava: em abril, propunha-se a baixar o rácio da dívida para 115,4% do PIB, ao passo que agora deverá ter como objetivo que este se fixe em pouco mais de 110%, talvez aproveitando o facto de a inflação reduzir o valor real da dívida (que é fixado em termos nominais).

Contenção nas medidas para atingir “brilharete”

Em nome da estratégia de redução do défice, o Governo prepara-se para impor um corte real nos salários da maioria dos trabalhadores. O que isto significa é que, mesmo que os salários aumentem em termos nominais, o aumento fica aquém da inflação registada este ano (que deverá exceder os 7%) e pode também ficar abaixo da inflação esperada para 2023 (5,1%), o que se traduz numa perda de poder de compra.

Prova disso é a proposta salarial para a função pública, que determina a perda de poder de compra de mais de 70% dos trabalhadores do Estado. Embora o Governo argumente que não existe margem orçamental para aumentos pelo menos em linha com a inflação, a verdade é que o Orçamento do Estado para 2023 incluirá medidas de apoio às empresas, como a redução da taxa de IRC e a nova possibilidade de que os prejuízos sejam deduzidos à coleta durante um número ilimitado de anos – benefícios para as empresas que implicam uma redução da receita do Estado.