Luís Montenegro optou por aproximar o discurso do Governo à extrema-direita. No congresso do PSD, realizado no passado fim de semana, atacou a disciplina de Cidadania cujo programa quer reformular para a “libertar” de “projetos ideológicos”, prometeu mais videovigilância e a criação de equipas policiais multiforças para “combater sem tréguas a criminalidade violenta, o tráfico de droga, a imigração ilegal e o tráfico e abuso de seres humanos”, associando na intervenção imigração e crime, para além de dois centros de detenção para imigrantes em situação irregular, seguindo o modelo carcerário que tem vindo a falhar.
Portas escancaradas ao discurso da extrema-direita
No que diz respeito à imigração, tinha já reiterado por diversas vezes a retórica das “portas escancaradas”. Uma das últimas foi em declarações aos jornalistas na passada quinta-feira à margem do Conselho Europeu. Aí a promessa foi a do “repatriamento” de migrantes que “não cumprem as regras” e vangloriou-se de que o fim das manifestações de interesse, o principal instrumento de regularização de migrantes, “já fez diminuir em cerca de 80% os pedidos” de residência.
Política
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O mesmo disse António Leitão Amaro, ministro da Presidência, que, na comissão parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, tendo igualmente explicado a proposta de passar a ser a PSP responsável pelo retorno de imigrantes “que é tipicamente uma competência policial”, assegura, avançando com a proposta de criação de uma unidade policial para o efeito de forma a existirem expulsões mais céleres.
PSD quer dificultar legalização de imigrantes
Ao mesmo tempo, quer Leitão Amaro quer o próprio Luís Montenegro vão pontuando algumas das suas intervenções com juras de integração dos imigrantes e com o reconhecimento de que são indispensáveis à economia nacional.
Só que estas são incompatíveis com os obstáculos que se pretendem somar aos processos de legalização dos trabalhadores estrangeiros. O Grupo Parlamentar do PSD apresentou, na passada sexta-feira no Parlamento, um projeto de resolução no qual se recomenda ao Governo a alteração das regras para a emissão de atestados de residência pelas Juntas de Freguesia no sentido de as dificultar.
Pretende-se “que o Governo proceda à fixação dos critérios similares para a emissão de atestados de residência por parte das juntas de freguesia, definindo com rigor acrescido, os elementos de prova testemunhal, contratos de trabalho e arrendamento, de água ou luz ou outra documentação que deve ser apresentada de forma cumulativa, pelos cidadãos estrangeiros para instrução de processo de pedido ou renovação de autorização de residência, ou com outra finalidade qualquer.”
Trata-se de acrescentar mais burocracia, explica Anabela Rodrigues, da Solidariedade Imigrante, que critica o facto de se pretender que os vários critérios sejam cumulativos quando seria possível substituir o atestado da Junta por qualquer outro documento que comprove a morada, nomeadamente os habituais documentos de cobrança ou uma declaração do proprietário da habitação.
O sistema que obriga ao recurso a testemunhas está a redundar num “sufoco”, havendo pessoas a lucrarem com o desespero e cobrando para serem testemunhas.
Enquanto isto, Espanha facilita os processos
Em Espanha, está em vias de acontecer o inverso. Segundo o El País, o projeto para o novo regulamento sobre cidadãos estrangeiros reduz os prazos para obter permissões de residência, alarga os da renovação dos documentos, elimina requisitos e facilita o acesso ao trabalho através de uma norma transitória.
Serão beneficiadas, alega-se, dezenas de milhares de pessoas até agora em situação irregular através de um diploma que será discutido no Conselho de Ministros em meados de novembro. As fontes governamentais espanholas garantem que será um processo mais eficaz do que qualquer regularização extraordinária.
Quem tiver permanência em Espanha há dois anos passa a poder requerer autorização de residência e trabalho desde já, enquanto que a atual situação obrigava a que um cidadão estrangeiro estivesse a habitar e a trabalhar clandestinamente no país durante três anos antes de poder requerer documentos. Uma norma transitória vai fazer com que os requerentes de asilo que viram o seu pedido recusado possam, se estiverem no país há mais de seis meses, pedir permissão de residência.
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Cria-se ainda uma figura de permanência de segunda oportunidade para quem já tinha tido autorização mas que, por alguma razão, não a pôde renovar e uma permissão de residência para formação que permite também trabalhar até 30 horas semanais.
Pedro Sánchez foi ao Conselho Europeu defender que “a imigração legal é uma forma de financiar as nossas economias”, combatendo a escassez de mão de obra.
Concentração em frente ao Parlamento esta sexta
Respondendo à ofensiva governamental, nomeadamente ao fim do mecanismo da manifestação de interesse, 57 associações de imigrantes, coletivos e organizações da sociedade civil convocaram uma ação de protesto para dia 25 de outubro, pelas 15h, em frente à Assembleia da República.
Em entrevista ao Esquerda.net, um dos organizadores, Timóteo Macedo, da Solidariedade Imigrante sublinha que esta “vai ser um momento importante para que o mecanismo para a regularização permanente dos imigrantes possa efetivamente retornar à lei de imigração”.
Ao discurso do primeiro-ministro, contrapõe que “nunca houve portas escancaradas neste país, considerando que este “não pode andar de cedência em cedência às políticas da extrema-direita”. As pessoas vieram e havia sempre o cuidado de que as pessoas quando chegam e trabalham devem estar protegidas, devem ter a sua manifestação de interesse ou outro mecanismo que possibilite que as pessoas digam: “Estou aqui, estou a trabalhar estou a descontar para a segurança social, eu mereço ser respeitado”. Trata-se, vinca, de “combater a exploração escrava”.