Face à crescente degradação da prestação de cuidados de saúde no SNS, o Bloco de Esquerda escolheu o tema "O povo merece + SNS" para a sua interpelação ao Governo desta quarta-feira. Ausente do Parlamento esteve o ministro Manuel Pizarro, que "preferiu ir visitar a obra que já visitou há dois meses para anunciar o que o Governo anda a anunciar há anos", ironizou Mariana Mortágua.
A deputada lembrou o alerta feito há seis anos por António Arnaut e João Semedo para a urgência do SNS recuperar a capacidade de se renovar e satisfazer as suas necessidades em recursos humanos. "O que nos disseram foi que, sem recursos humanos, o SNS morrerá. Dia a dia verifica-se como tiveram razão e só podemos lamentar o tempo perdido para as soluções evidentes", prosseguiu.
Dirigindo-se aos deputados da bancada do PS, Mariana Mortágua recordou que "o vosso Governo preferiu provocar eleições há um ano a aceitar um compromisso para salvar o SNS e para responder ao apelo de Arnaut e Semedo". E sem esse compromisso nem medidas para inverter aquele rumo, a situação atual é alarmante, com o ministro a conformar-se "com um SNS de cuidados mínimos" quando se diz contente com concursos de médicos de família em que sete em cada dez vagas ficam por ocupar, com os encerramentos temporários de urgências, maternidades e blocos de parto a tornarem-se definitivos, ou com milhares de pessoas que esperam meses por consultas e dormem à porta dos centros de saúde para conseguir senhas.
Outro sinal da desistência do Governo em relação ao SNS, prosseguiu Mariana Mortágua, é a "progressiva e crescente substituição do SNS pelos grupos privados", que se alastra "a todas as especialidades, aos meios de diagnóstico e aos serviços de farmácia".
Medidas do Governo "não passam de remendos aflitos"
"O Governo desiste de cada vez que desrespeita os profissionais de saúde e os utentes, apresentando medidas que não passam de remendos aflitos que vai encontrando para a manta de retalhos em que se tornou o SNS", continuou a deputada, lembrando as vezes em que António Costa foi ao Parlamento mostrar gráficos "para tentar mostrar o que o país sabe que é falso, porque faltam mesmo médicos, faltam enfermeiros, faltam farmacêuticos, faltam técnicos superiores e auxiliares".
"A prova derradeira dessa falta imensa são os 142 milhões gastos em tarefeiros em 2021, valor que aumentou em 2022 mas que o Governo esconde, e que vai continuar a crescer em 2023. Chegou-se ao ponto de se enviar uma médica-tarefeira do Porto a Loures de motorista, paga a 100€/h, para assegurar o funcionamento de uma urgência", apontou, ao mesmo tempo em que os profissionais de saúde realizaram 20 milhões de horas extraordinárias no ano passado. Em resumo, "sem o recurso a normas ilegais sobre o trabalho, aos tarefeiros, e sem a contratualização com os privados, muitos dos serviços do SNS deixarão de funcionar".
Perante as evidências, "acusamos o Governo de desistir do SNS, porque insiste em remendos, porque vira a cara aos alertas de Arnaut e Semedo. Acusamos o Governo de escolher o lado oposto ao dos profissionais, utentes e especialistas que se unem e mobilizam para apontar prioridades e soluções".
E foi sobre as prioridades e as soluções que falou em seguida, propondo medidas concretas para atribuir médico e equipa de família a todas as pessoas, como prometido desde 2017, aumentar a resposta em todo o território e nas várias especialidades, acabando com os encerramentos rotativos de urgências e serviços e construir um SNS centrado nos utentes, capaz de promover a saúde e acolher bem as várias gerações.
Essas medidas passam pela vinculação de todos os especialistas que se acabam de formar, no serviço onde já estão, criar apoios que compensem os custos de habitação nas áreas com menos cobertura, generalizar os incentivos remuneratórios nas unidades de saúde familiar, contratar mais profissionais com um horizonte de carreira digna para as gerações mais jovens, investir em equipamentos que internalizam meios complementares de diagnóstico e terapêutica e em em novos mecanismos de gestão de serviços e equipas que facilitem o acompanhamento dos utentes que precisam de respostas múltiplas, entre outras.