Está aqui

“É preciso inverter este ciclo: o SNS pode ser curado”

Cerca de mil pessoas participaram este sábado na manifestação cidadã “O povo merece +SNS”, que desceu desde o Largo de Camões até à Assembleia da República. Profissionais de saúde e utentes exigiram um efetivo investimento no SNS e a valorização dos seus profissionais.
Foto de Manuel de Almeida, Lusa.

A partir das 15h, cerca de mil pessoas foram-se juntando no Largo de Camões. O médico Manuel Sant’Ovaia fez a primeira intervenção do dia, seguindo-se um momento musical com Catarina Munhá e Hélio Morais. Antes do início do percurso em direção à Assembleia da República, ainda foi dada a palavra à médica Isabel do Carmo.

Munidos com faixas e cartazes com frases como “Pelo direito à Saúde – celebrar Abril, celebrar o SNS”, “O povo merece +SNS”, “A Paz, o Pão, Habitação, Saúde”, “+ SNS agora, sem demora”, “+ recursos, + profissionais, + SNS”, os manifestantes seguiram pela Rua do Loreto e depois pela Calçada do Combro acompanhados por bombos e palavras de ordem criadas à medida do evento, que chamavam à responsabilidade António Costa, Manuel Pizarro ou Fernando Medina.

No final do percurso, ouviram-se as intervenções de João Gabriel, presidente da Ur’Gente – associação de utentes de Saúde de Porto de Mós, e do médico de Saúde Pública Afonso Moreira.

Com os serviços da Assembleia da República encerrados este sábado, o Manifesto “Mais Saúde”, que reuniu cerca de 4000 assinaturas, será entregue na segunda-feira.

Fotos de André Beja no interior da notícia.

“SNS está doente e o diagnóstico é simples”

Manuel Sant’Ovaia enfatizou que “o SNS está doente e o diagnóstico é simples: anos e anos de desinvestimento, aliado a uma inércia inexplicável em tentar fixar profissionais no serviço público”.

De acordo com o médico, “tudo isto traz-nos ao triste panorama atual”. E “a situação que vivemos nos dias de hoje é lamentável. Repetem-se episódios que comprovam a degradação dos serviços públicos”: desde listas de espera para cirurgias ou consultas, a horas infindáveis nos serviços de urgência, a mais de 1 milhão e 700 mil utentes sem médico de família, detalhou.

Manuel Sant’Ovaia explicou que o movimento Mais SNS é formado por pessoas que não se conformam “com o atual estado do SNS nem com o rumo que este está a tomar fruto das políticas que lhe foram impostas”.

“É preciso inverter este ciclo com urgência e compreender que o SNS pode ser curado”, frisou o profissional de saúde.

“Privados vivem da ADSE e do dinheiro que o SNS lhes paga”

Isabel do Carmo referiu que é preciso “celebrar e lembrar a Liberdade”, mas também exigir um SNS universal e gratuito.

A médica lamentou que o orçamento do SNS continue a ser canalizado para os privados, que “vivem da ADSE e do dinheiro que o SNS lhes paga, senão não sobreviviam”, já que não existem “nem ricos e nem seguros que sustentassem os serviços privados”.

Isabel do Carmo defendeu que deveriam ser as instituições públicas a fazer os exames e as análises que estão neste momento a ser canalizados para o privado e que esses serviços deveriam “servir as populações dos centros de saúde”.

Segundo a profissional de saúde, não é a gestão, palavra muito cara ao “capitalismo e àqueles que fazem da saúde um mercado, uma indústria, um comércio”, e nem os CEO que salvam o SNS. Isabel do Carmo alerta  ainda que é preciso valorizar os profissionais.

A médica lembrou que o concurso para médicos de Medicina Geral e Familiar (MGF) garantiu a colocação de cerca de 300 médicos, um número muito insuficiente face às necessidades, que são de cerca de 900 profissionais. E os médicos colocados serão “militantes do SNS”, já que as condições remuneratórias são muitíssimo inferiores às do privado.

Isabel do Carmo defendeu que é preciso “organizar centros de saúde familiares”, em que a “qualidade do atendimento e a qualidade dos salários” são muito superiores, contribuindo para fixar profissionais.

“Todos merecemos mais SNS”

João Gabriel, presidente da Ur’Gente – associação de utentes de Saúde de Porto de Mós, trouxe a “voz da frustração” dos sete mil utentes do seu concelho que estão sem médico de família, o equivalente a “metade da população”.

O dirigente associativo deu o exemplo de Conceição Boal que, já tendo passado dos oitenta anos, e apesar de ter problemas de mobilidade, “veio de autocarro a Lisboa na esperança de não passar mais madrugadas numa fila de espera, para uma consulta cada vez mais difícil de ter”.

João Gabriel e os restantes utentes de Porto de Mós apreciariam “que o Diretor Executivo do SNS e o ministro da Saúde olhassem para a recente colocação de médicos e pedissem desculpa aos utentes que continuam sem médico de família”.

“Não compreendemos o apregoado sucesso desta operação, quando todas as vagas abertas para a unidade de saúde do meu concelho ficaram por preencher. Infelizmente, a escassez atingiu igualmente o resto do país”, referiu o presidente da Ur’Gente.

João Gabriel assegura que continuará a lutar pelo SNS porque “todos merecemos mais”.

“Hoje, o SNS está em risco”

O médico de saúde pública Afonso Moreira lembrou o grupo de médicos que, ainda antes do 25 de Abril, construiu um “Relatório sobre as Carreiras Médicas”. Neste documento está, conforme sublinhou, “a semente do SNS, a sua estrutura baseada nas carreiras dos seus profissionais”.

Num momento em que “os profissionais de saúde estão no limite da sua capacidade”, temos de “olhar para esse passado para garantir um futuro. O futuro do SNS, das carreiras dos seus profissionais”. E esse futuro, continuou Afonso Moreira, tem de garantir “o direito à saúde para todas as pessoas que vivem em Portugal e que são utentes do SNS”.

No entanto, estamos a assistir à degradação do SNS. “O desinvestimento no salário de quem trabalha no SNS, o desinvestimento em soluções que o reforcem, o fecho das urgências e as filas intermináveis em alguns centros de saúde que levam cada vez mais os utentes a terem de recorrer ao setor privado, todas estas situações têm uma origem e uma consequência”, realçou o médico.

Afonso Moreira alertou que “hoje, o SNS está em risco” graças a “escolhas políticas de quem governa a área da Saúde”, e também do ministério das Finanças. E a consequência “é dramática: Um sistema dual com um SNS para os remediados e um setor privado para quem pode pagar”.

O médico salientou que “as mentes ousadas” que hoje saíram à rua “não desistem de defender aquilo que é seu, o SNS público, acessível e para todas e todos, sem discriminações de qualquer tipo”.

“Uma privatização encapotada que não resolve os problemas do SNS”

Mariana Mortágua participou também nesta manifestação. Em declarações aos jornalistas, questionou qual é “a credibilidade” do Governo, que vê a falta de profissionais da saúde no SNS, as urgências e maternidades a fechar e “chama a isto um sucesso”.

“Este movimento que aqui está hoje está não apenas para protestar contra o ministério da Saúde, mas por soluções. A única forma de termos médicos de família para toda a gente é ter o SNS. E a única forma de ter um SNS que sirva as pessoas é ter profissionais bem pagos que queiram ficar no SNS, é ter meios de diagnóstico, serviços primários de saúde. As pessoas que aqui se encontram hoje querem essas soluções. E nós queremos apoiar essas pessoas”, afirmou a coordenadora nacional do Bloco.

Mariana lembrou que o partido há muito tempo se bate “por mais investimento no SNS”.

“Para termos um SNS que sirva toda a gente esse SNS tem de ter médicos, tem de ter valências, serviços primários, centros de saúde, precisa de investimento. mas não precisa só de dinheiro”, referiu a dirigente bloquista.

Mariana fez referência aos dados do último trimestre relativos à contratação de tarefeiros, que revelam que o SNS nunca gastou tanto dinheiro. “E nunca gastou tanto dinheiro a contratualizar ao privado mais caro do que o que gastaria no público. Por cada ano que passa, e que não se fazem os investimentos necessários ou que se deixam sair os profissionais de saúde, é mais um ano em que se está a entregar os serviços mais caros ao privado. Pagamos todos mais enquanto contribuintes e temos cada vez menos”, alertou a coordenadora do Bloco.

Mariana acusou assim o Governo de promover “uma privatização encapotada que não resolve os problemas do SNS”.

“Há soluções para salvar o SNS. Mas o que o Governo faz é gerir a degradação do SNS em vez de o salvar e de o melhorar para o futuro”, lamentou a dirigente bloquista.

Termos relacionados Saúde, SNS
(...)