O Governo comprometeu-se a apresentar este mês uma proposta de revisão do Sistema Integrado de Avaliação de Desempenho da Administração Pública (SIADAP), após ter criado um grupo de trabalho para esse efeito. Um estudo da autoria de César Madureira, Belén Rando e David Ferraz - aqui traduzido pela Missão Pública Organizada - procurou perceber qual a perceção dos funcionários públicos em relação ao sistema de avaliação vigente há quase vinte anos. De acordo com o Público, as conclusões coincidem com as críticas que desde sempre lhe são feitas pelos sindicatos. 52,7% dos mais de dois mil inquiridos consideram o SIADAP injusto e mais de metade (52,7%) dizem mesmo que já foram prejudicados na sua carreira por este sistema. O número dos que dizem nunca se terem sentido prejudicados pelo SIADAP é de apenas 24,6% dos funcionários públicos inquiridos.
Na opinião de César Madureira, o principal fator que determina a perceção de injustiça no sistema é a existência de quotas para as notas mais altas, pois em cada serviço só 25% de trabalhadores podem ter nota relevante e apenas 5% desses terão acesso à nota excelente. Ou seja, nos serviços com elevado desempenho os trabalhadores terão sempre notas abaixo do que merecem, acontecendo o contrário nos serviços com baixo desempenho.
O estudo foi publicado em 2021 e os dados do inquérito são de 2018. Mas desde então a perceção dos trabalhadores quanto à injustiça do sistema de avaliação até se terá agravado, considera César Madureira. “O SIADAP foi inventado e continua a ser utilizado com um único propósito que não é avaliar. O SIADAP existe como ferramenta de alavancagem orçamental, ou seja, existe para que o montante do Orçamento do Estado gasto na massa salarial da administração pública seja o mais baixo possível”, sublinha o professor do ISCTE ao Público.
A perceção negativa gerada pela injustiça do SIADAP “mina a credibilidade do sistema, ao fomentar entre os trabalhadores a sensação de que sua classificação não depende do seu esforço ou desempenho, mas de uma série de outros factores discricionários”, conclui o estudo. As quotas são mal vistas por 93% dos funcionários, com 66% a dizerem-se penalizados e 75% a avaliar como injusta a forma como é aplicada a diferenciação do mérito.
A eficácia do sistema de avaliação no trabalho dos funcionários também é quase nula, com 86% a responderem que não mudaram a sua forma de trabalhar após conhecerem a sua avaliação. A relação entre o SIADAP e a progressão salarial também é chumbada pelos trabalhadores, com quase 70% a considerarem que ela não deve depender apenas dos resultados do SIADAP, mas deve incluir outros fatores como o trabalho em equipa, a pontualidade ou a antiguidade.
Os trabalhadores defendem ainda outras medidas para recompensar o desempenho, como mais dias de férias, prémios por equipa, flexibilização do horário ou redução do tempo de trabalho.
“Se pusessem quotas de desempenho relevante de 50%, havia um avanço”
Nas conclusões deste estudo, os autores fazem algumas recomendações, a começar pela reanálise do sistema de quotas, “tornando-o mais aberto e permitindo que mais pessoas acedam às notas mais elevadas (relevante ou excelente)”. Dessa forma, consideram que “é provável que muitos funcionários públicos deixem de ver o sistema de avaliação como injusto e é muito provável que sintam cada vez mais vontade de se esforçar para melhorar seu desempenho”. Por exemplo, sugere César Madureira, “se pusessem quotas de desempenho relevante de 50%, havia um avanço.”
Mas tudo indica que esse não será o caminho escolhido pelo PS. Segundo o Público, nos planos do Governo não está o alargamento dos limites das quotas, mas apenas a alteração da forma como são distribuídas dentro do serviço, além da criação de uma quinta nota para os trabalhadores com classificação superior a quatro.
Sobre as medidas que o Governo se prepara para apresentar no âmbito da revisão do SIADAP, o autor do estudo diz que “estão longe de me parecerem adequadas e suficientes”, desafiando o executivo a olhar para os trabalhadores do Estado não como um "mal necessário", mas como "algo que é fundamental para o funcionamento da sociedade como um todo”.
“Temos de decidir se queremos avaliar as pessoas e dar-lhes perspetivas de que, se trabalharem bem, há uma progressão possível ou se queremos que a massa salarial seja um mal que vamos tentar debelar. Tem de ser tomada uma posição em relação a isto e o SIADAP faz parte desta discussão, porque vai ditar quem sobe e quem não sobe, em quanto tempo e também vai ditar diferentes salários”, conclui.