Numa entrevista exclusiva antes da COP30, a cimeira do clima que acontecerá no próximo mês em Belém, no Brasil, António Guterres fala ao The Guardian e ao Sumaúma, um meio de comunicação social da Amazónia. O secretário-geral das Nações Unidas reconhece aí que é “inevitável” que a meta do acordo de Paris de limitar o aquecimento global a menos de 1,5ºC já não seja cumprida e que isto trará “consequências devastadoras” para o mundo.
Ainda assim, apela a ação climática urgente para tentar evitar que os chamados “pontos de inflexão sejam ultrapassados no que diz respeito à Amazónia, ao Ártico e aos oceanos. Estes são patamares a partir dos quais o aquecimento global torna a degradação severa de grandes ecossistemas inevitáveis.
“Reconheçamos o nosso falhanço”, afirma, porque “a verdade é que não conseguimos evitar uma ultrapassagem acima dos 1,5°C nos próximos anos. E ultrapassar os 1,5°C tem consequências devastadoras. Algumas destas consequências devastadoras são pontos de inflexão, seja na Amazónia, seja na Gronelândia, na Antártida Ocidental ou nos recifes de coral”.
Considera porque “absolutamente indispensável mudar de rumo para garantir que a ultrapassagem é a mais curta e a mais baixa intensidade possível para evitar pontos de inflexão como o da Amazónia. Não queremos ver a Amazónia como uma savana. Mas este é um risco real se não mudarmos de rumo e se não fizermos uma redução drástica das emissões o mais rapidamente possível.”
O líder da ONU explica a este propósito que menos do que um terço dos países enviaram os planos de ação climática, conhecidos como “contribuições nacionalmente determinadas” (NDC, pela sua terminologia inglesa) e que a partir das recebidas só se pode esperar uma redução de emissões de 10%. Mas “precisaríamos de 60%”.
Sobre o papel da COP para inverter a situação, o secretário-geral das Nações Unidas reconhece que esta “não é perfeita e o facto de que as decisões precisam ser tomadas por consenso é em si uma limitação que todos reconhecemos. Mas ao mesmo tempo é importante mobilizar o mundo nos objetivos que são definidos”.
Questionando-se sobre a “alternativa”, colocou em cima da mesa a possibilidade de ser “uma situação sem regras, um vale-tudo”. Este significa apenas “que haverá uma pequena elite privilegiada, pessoas e empresas que serão capazes de se proteger sempre, mesmo que os desastres se espalhem. As inundações vão espalhar-se, as comunidades serão destruídas, mas haverá sempre um grupo de pessoas ricas e empresas ricas que serão capazes de se proteger enquanto o planeta está a ser progressivamente destruído.”
Ouvir os “guardiões da natureza”
Para ele, “melhorar o processo da COP” passa por “torná-la mais inclusiva em relação àqueles que estão vitalmente interessados em garantir que mantenhamos vivos os 1,5 graus”. Assim, exorta os governos para alterar as suas representações de forma a que grupos da sociedade civil, nomeadamente comunidades indígenas, tenham mais presença. Isto porque “todos sabemos o que os lóbistas querem. É aumentar os seus lucros, e o preço disso é pago pela humanidade”.
A questão indígena foi várias vezes abordada ao longo da conversa. E não por acaso. Esta foi a primeira entrevista exclusiva dada a um jornalista indígena, Wajã Xipai, do povo Xipai. Guterres reconheceu que “é fundamental investir naqueles que são os melhores guardiões da natureza. E os melhores guardiões da natureza são precisamente as comunidades indígenas”.
A isto juntou que “os líderes políticos estão, muitas vezes, mais preocupados com os problemas quotidianos da sociedade, especialmente em momentos em que a situação económica é complexa e agravada pelas alterações climáticas, por desastres e catástrofes. Por isso, por vezes, não há noção da importância de uma relação harmoniosa com a natureza e, por isso, é necessário manter uma pedagogia permanente com os líderes políticos, e não há ninguém melhor do que as comunidades indígenas para fazer essa pedagogia”.
“Nunca desistirei do meu compromisso com a ação climática”
À beira de terminar o seu mandato, Guterres lamenta não se ter concentrado na ação climática mais cedo, “embora agora isso seja uma prioridade”. De tal modo que é um compromisso a manter depois de sair do cargo: “nunca desistirei do meu compromisso com a ação climática, do meu compromisso com a biodiversidade, do meu compromisso com a proteção da natureza, do meu compromisso de ajudar e apoiar todos os movimentos democráticos que em todo o mundo lutam arduamente para preservar o bem mais precioso que temos, que é a nossa mãe natureza”.