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A extrema-direita no próximo Parlamento Europeu

O antigo grupo da extrema-direita ENF procurou alargar a sua representação, captando forças políticas de diversos países, de acordo com a ideia de Matteo Salvini, o novo grupo (ID) garantiu a eleição de 73 eurodeputados. Por Jorge Martins
Matteo Salvini e Marine Le Pen são ideólogos do novo grupo de extrema direita (ID) do Parlamento Europeu, que garantiu eleição de 73 eurodeputados
Matteo Salvini e Marine Le Pen são ideólogos do novo grupo de extrema direita (ID) do Parlamento Europeu, que garantiu eleição de 73 eurodeputados

Rescaldo das Europeias (4): o novo Parlamento Europeu (III)

Continuamos a nossa análise dos resultados, considerando, agora, os grupos da direita radical e populista, da extrema-direita e os não inscritos, onde se encontram outros destas orientações ideológicas, de acordo com os critérios definidos no texto anterior.

ID (ex-ENF): Salvini, Le Pen e transferências garantem grande aumento

O antigo grupo da extrema-direita ENF procurou alargar a sua representação, captando forças políticas de diversos países, de acordo com a ideia de Matteo Salvini, o homem-forte do atual governo italiano.

Apesar de tudo, de importante apenas conseguiu atrair a AfD alemã, a que se juntam alguns partidos nórdicos e da Europa do Leste, sendo que alguns destes últimos falharam a conquista de representação no Parlamento Europeu (PE).

Por outro lado, e como já referimos, o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, apesar de convidado, já descartou a hipótese de o Fidesz integrar o novo grupo, agora designado por Identidade e Democracia (ID), tal como o Vox espanhol, pelas razões que referimos antes. Também os DS suecos não aderiram, ao contrário dos seus homólogos dinamarqueses e finlandeses, devido às alegadas relações do grupo com a Rússia.

Relativamente aos resultados daquele, com quem faremos as comparações, o novo grupo garantiu a eleição de 73 MEP, mais que duplicando a sua representação face aos 36 do anterior. Em termos percentuais, o seu peso passou de 4,8 para 9,7%, embora apenas tenha, para já, eurodeputados provenientes de nove Estados.

Cresceu em oito países (em quatro, adquiriu representação) e desceu em quatro, tendo deixado de estar representado em três. Em 16 Estados, não tinha nem tem eleitos.

As políticas austeritárias são um terreno fértil para a demagogia e para o apelo ao medo, aqui traduzido na rejeição do outro, em especial o imigrante, o refugiado, o muçulmano, o homossexual, a feminista ou, simplesmente, o diferente. Daí a subida da extrema-direita populista, apesar de os seus resultados terem ficado aquém do que se previa há uns meses atrás.

O seu enorme crescimento teve como base a Itália (de 6 para 28 (!...) eleitos), devido à subida vertiginosa da Lega de Salvini, que, beneficiando da popularidade das políticas anti-imigração e da retórica nacionalista do seu líder e ministro do Interior, se tornou na maior força política do país.

O outro grande aumento da sua representação ocorre na Alemanha (de 1 para 11), com a transferência da AfD, que deixou o EFDD, onde apenas tinha um representante. Recorde-se que, nas eleições de 2014, estávamos em presença de uma força política conservadora e eurocética, antieuro, que aderiu ao ECR. Quando o partido derivou para a extrema-direita, a maioria dos seus eurodeputados originais abandonou-o e manteve-se naquele grupo. Dois mantiveram-se fiéis à AfD e passaram para o EFDD. Após o abandono da sua líder, Frauke Petry, que fundou o Blau Partei, um deles, Marcus Pretzell, marido daquela, passou a integrar o ENF, só que não conseguiu ser reeleito agora.

Também em França registou uma subida significativa, passando de 15 para 22 MEP, com o RN de Marine Le Pen, antiga FN, a vencer as eleições, batendo tangencialmente a LRM de Macron, e a recuperar o número de eurodeputados perdidos nas várias dissidências que sofreu ao longo da legislatura que agora finda.

A Bélgica foi outro país onde a sua força aumentou (de 1 para 3), com o radical nacionalista flamengo VB a recuperar posições à custa da mais moderada N-VA.

Entretanto, passou a estar representado na República Checa (2) e na Estónia (1). O mesmo sucedeu na Finlândia (2) e na Dinamarca (1), mas, nestes casos, devido à transferência de formações que se encontravam no ECR. Porém, neste último país, o DF sofreu uma grande derrota, descendo de 4 para 1 mandato, após acusações de financiamento ilegal.

Contudo, a sua derrota mais espetacular ocorreu na Holanda, com o PVV, de Geert Wilders, a perder os seus 4 eurodeputados, com parte do eleitorado a ser “canibalizado” pelo novel e menos radical FvD, tal como já havia sucedido nas regionais. Resta-lhe esperar pela concretização do Brexit para poder voltar a sentar-se nas bancadas do PE.

Também na Polónia perdeu a representação, já que a coligação de extrema-direita Konfederacja ficou abaixo da cláusula-barreira e o KNP, que detinha 2 lugares, teve uma votação ridícula.

No Reino Unido, onde dispunha de 3 elementos (2 do UKIP e 1 independente), não elegeu agora ninguém.

Por fim, na Áustria, desceu ligeiramente (de 4 para 3), o que se deve ao escândalo Ibizagate, que atingiu o FPÖ, quando o seu então líder, Heinz-Christian Strache, e outro algo dirigente do partido caíram numa armadilha jornalística em Ibiza. Num vídeo tornado público uma semana antes das europeias, veem-se ambos a aceitar uma proposta de uma suposta sobrinha de um oligarca russo para financiar o partido. Este compraria um diário austríaco de grande circulação, cuja linha editorial passaria a controlar, em troca de notícias favoráveis ao seu “tio”. A coligação com o conservador ÖVP colapsou e os dois envolvidos demitiram-se dos seus cargos partidários, o que afetou o desempenho da formação da extrema-direita nas eleições.

A representação do ENF será beneficiada pelo Brexit, pois o grupo não elegeu qualquer membro no Reino Unido e elegerá mais três se aquele se vier a concretizar: para além do já referido Geert Wilders, na Holanda, mais um em Itália e em França. Assim, passará a ter 76 MEP e o seu peso percentual no PE subirá de 9,7 para 10,3%.

ECR: Reino Unido e Alemanha na base das perdas

O grupo que engloba a direita eurocética, nacionalista e religiosa reacionária e, nos últimos tempos, parte significativa da extrema-direita populista, recuou em relação à legislatura anterior, tendo descido de 77 para 61 MEP, o que correspondente a uma diminuição do seu peso percentual de 10,3 para 8,1%.

O ECR viu a sua representação no PE diminuir em nove países, aumentar em quatro e manter-se em cinco. Há sete onde não possuía eleitos e voltou a não eleger ninguém: Portugal, França, Áustria, Hungria, Eslovénia, Estónia, Luxemburgo e Malta.

Tendo sido formado em torno dos conservadores britânicos, o grupo sofreu enormes perdas no Reino Unido (de 19 para 4 MEP), dadas a condução errática das negociações do Brexit e da sua (não) aprovação parlamentar do acordo assinado com a UE por parte do governo de Theresa May, o que levou o eleitorado mais à direita dos tories a fugir para o Brexit Party (BP), de Nigel Farage, e, em menor grau, os mais moderados e pró-UE a escolher o Change UK ou os LD.

Também na Alemanha registou uma forte redução da sua representação (de 6 para 1). Como referimos acima, a perda dos elementos eleitos pela AfD alemã original, que abandonaram o partido quando este encetou a sua deriva para a extrema-direita, mas se mantiveram no grupo, esteve na base desta quebra, já que o partido que criaram posteriormente obteve resultados residuais. Restou-lhes a entrada de 1 eurodeputado do Familie, uma formação da direita religiosa, ultraconservadora.

Entretanto, deixou de estar representado na Roménia (onde perdeu os seus 2 lugares) e no Chipre (onde ficou sem o seu único membro), por via dos resultados eleitorais.

Já em outros quatro países, o ECR viu alguns dos seus partidos integrantes dirigir-se para outros grupos. Assim, na Dinamarca, o DF sofreu um forte desaire, descendo de 4 para 1 lugares, mas este passou-se para o ID. Na Finlândia, o PS manteve os seus 2 lugares, mas seguiu o mesmo caminho dos dinamarqueses. Na Irlanda, o independente Brian Conley, eleito pelo FF, aderiu ao ECR à revelia do seu partido, cujo novo eurodeputado regressará ao grupo centrista. Por fim, na Eslováquia, a redução do seu peso (de 3 para 2) ocorreu devido à transferência do eleito do OL’aNO para o PPE.

Por seu turno, manteve a mesma representação em Itália (5), Bulgária (2), Grécia, Croácia e Lituânia (1 em cada). No caso grego, o ANEL, parceiro do SYRIZA no governo, que ficou muito abaixo da cláusula-barreira, será substituído pela EL.

Quando a subidas, a mais significativa ocorreu na Polónia (de 18 para 26 eleitos), aproveitando alguma popularidade do governo reacionário e autoritário do PiS, partido da direita ultraconservadora, com ligações à poderosa Igreja Católica, atualmente no poder em Varsóvia.

Também duplicou a sua representação na República Checa (de 2 para 4), enquanto ganhou um lugar na Holanda e na Suécia (de 2 para 3 em ambas) e na Letónia (de 1 para 2).

No caso holandês, a subida ocorreu graças ao bom resultado do novel FvD, que se estreia com 3 elementos. Contudo, a sua entrada levou à saída dos dois partidos da direita religiosa calvinista (CU e SGP), cada qual com 1 lugar. Estes passam a ficar como não inscritos, por discordarem das posições anti-imigração daquele.

Por seu turno, estreia-se em Espanha e logo com 3 membros, eleitos pelo Vox, que, após algumas hesitações, derivadas da presença no grupo dos flamengos da N-VA, que apoiam os independentistas catalães, acabaram por aderir. Até porque já tinham descartado integrar o ID, de Le Pen e Salvini, cuja visão estatista se opõe ao neoliberalismo económico radical que defendem, além de desconfiarem do passado separatista da Lega.

Para o ECR, o Brexit implicará a saída dos conservadores britânicos, o que tenderá a puxar o grupo mais para a direita, tornando-se, cada vez mais, o refúgio de forças populistas e nacionalistas desse espectro político que não se identificam (ou, antes, não querem ser identificadas!...) com o radicalismo do ID.

Do ponto de vista numérico, terá um efeito neutro, já que os quatro eurodeputados “tories” serão substituídos por igual número de eleitos. Estes serão provenientes de Espanha, Itália, Holanda e Polónia. Daí que mantenha os 61 MEP que se preveem. Contudo, dado o menor número de membros no PE, o seu peso percentual nos hemiciclos de Bruxelas e Estrasburgo aumentará, passando de 8,1 para 8,7%.

EFDD: um grupo que dificilmente sobreviverá

Como referimos no início deste texto, dificilmente o EFDD sobreviverá. É certo que aumentou, até, o número de eleitos, passando de 42 para 44 MEP e de 5,6% para 5,9% dos lugares no PE.

Porém, apesar de superar, para já, o número de eurodeputados suficientes para se manter como tal (25), apenas tem garantida a integração de formações de três países: os britânicos do Brexit Party (BP), os italianos do M5S, do vice-primeiro-ministro Luigi di Maio, e o pequeno ZŽ croata. Ora, o mínimo necessário é sete.

Tal como o ECR, também este grupo é constituído por partidos da direita nacionalista eurocética, próximos da extrema-direita, e forças que designarei por populistas antissistema. Foi criado por Nigel Farage, um dos mentores do referendo sobre o Brexit, em torno do UKIP britânico. Quando, na sequência da vitória na consulta popular, o seu líder se afastou, este entrou em convulsão e acabou, assumidamente, na extrema-direita populista. Farage fundou, então, o BP, que foi o mais votado nas europeias britânicas, com 30,5% dos votos, o que lhe permitiu a eleição de 29 MEP, contra os 18 que o seu anterior partido detinha.

Já o M5S manteve os 14 MEP de que dispunha, já que havia perdido três dos 17 que elegera em 2014 durante a legislatura. A sua descida é o resultado da sua coligação com a Lega de Salvini, não muito bem aceite por algum eleitorado do “cinco estrelas”. O movimento perdeu, assim, eleitores que apreciam o líder “linguista” para a extrema-direita e os mais à esquerda para o PD.

Por sua vez, o ZŽ croata, que elegeu 1 MEP, foi criado à imagem do M5S, embora muitas das suas críticas ao sistema financeiro e propostas para reduzir a sua influência possam ser subscritas pela esquerda.

O grupo perdeu a representação em França (onde detinha 6 MEP), após a lista do DLF não ter superado a cláusula-barreira. Depois, perdeu o único representante que possuía na Alemanha, com a transferência da AfD para o ID, bem como na Lituânia, na Polónia e na República Checa.

Caso o Brexit não se concretize ou demore a acontecer, é provável que Farage faça o que sempre fez para viabilizar o seu grupo: “pescar à linha” alguns eurodeputados. Resta saber se o conseguirá.

Se aquele acontecer em 31 de outubro, como está, para já, previsto, a continuação do EFDD tornar-se-á inviável, já que ficaria reduzido a 15 elementos de dois Estados e sem grandes perspetivas de alargamento.

A questão que se colocará então é para onde irá o M5S. Há uns anos, pretendeu integrar o grupo liberal, mas foi rejeitado por este, devido ao seu assumido euroceticismo. Agora, com Macron como figura de proa do RE, tal adesão parece impossível, já que o presidente francês detesta o atual governo italiano. Por sua vez, a sua aliança com a extrema-direita torna praticamente impossível a sua integração no G/EFA, apesar de algumas proclamações ambientalistas do movimento. Outra hipótese seria o ECR, onde já estão os FdI, mas o libertarismo do “cinco estrelas” (de que é exemplo a sua ligação ao movimento antivacinas) não parece casar bem com o conservadorismo do grupo. Por isso, julgamos que, nesse caso, lhe resta ir para os não inscritos.

Já o ZŽ poderia integrar os Verdes ou, até, o grupo da esquerda. Ou, então, ficar também como não inscrito.

NI: Uma pequena amálgama que se reduz…ou talvez não!

O número de MEP não inscritos em grupos políticos é muito variável, mas tende a diminuir. Na verdade, é muito mais difícil a ação de um eurodeputado não inscrito que a de outro pertencente a um qualquer grupo político. Geralmente, estamos em presença de partidos sem ideologia definida ou que não encontram o número de companheiros ideológicos para criar um grupo e acabam por ficar nesta amálgama. Também, por vezes, para aí vão alguns independentes, dissidentes de diferentes forças partidárias, por vezes em transição para outra família política, ou um ou outro elemento “amuado” ou temporariamente suspenso pelo seu grupo.

De acordo com os resultados das atuais eleições, parece-nos haver 15 que tenderão a ficar como não inscritos, contra os 20 que existem atualmente, o que significa uma diminuição do seu peso parlamentar de 2,7% para apenas 2,0%.

Aqui se deverão quedar os partidos da extrema-direita pura e dura, com claras referências nazi-fascistas, que o próprio ID não aceita integrar. Felizmente, à exceção da Eslováquia, não tiveram bons resultados.

Neste último país, o L’SNS eslovaco, que elogia o regime colaboracionista pró-nazi de monsenhor Tiso, obteve 12,1% dos votos e estreia-se com dois representantes.

Nos restantes, registaram perdas, mais ou menos significativas. Foram os casos da XA grega (que viu a sua representação parlamentar reduzida de 3 para 2 mandatos), e do Jobbik húngaro (que desceu de 3 para 1, quiçá devido ás tentativas de “desdiabolização” por ele levadas a efeito e que levaram, inclusivamente, a uma cisão protagonizada pela ala direita, que defende a ideologia fascista pura e dura). Realce, ainda, para a perda do lugar por parte do líder do NPD alemão, provavelmente afetado pelo crescimento da AfD, bem como dos três dissidentes da FN francesa, entre os quais Jean-Marie Le Pen, pai da líder do RN.

Também na Polónia o reacionário, monárquico e misógino KORWIN perdeu o seu lugar. Por sua vez, no Reino Unido, saem os dois membros dissidentes do UKIP e apenas ficou a representante do DUP, da direita radical protestante da Irlanda do Norte. Já na Roménia, o Prodemo, formação ecologista conservadora, perdeu o seu eleito.

Ao invés, na Holanda, os dois partidos da direita religiosa calvinista (CU e SGP) vão ficar como NI, após o seu quase certo abandono do ECR.

À esquerda, apenas vislumbramos o ortodoxo partido comunista grego (KKE), que, apesar de ter perdido votos, manteve os seus 2 eleitos. Não integra o GUE/NGL, por o considerar social-democrata e não querer pertencer ao mesmo grupo do SYRIZA, de quem é rival na política interna da Grécia. Uma opção que foi tomada ainda em 2014, muito antes da capitulação de Tsipras face à chantagem da UE.

O satírico Die Partei alemão duplicou a sua votação (de 1 para 2 meRescaldo das Europeias (2): o novo Parlamento Europeu (I)mbros), mas, enquanto o seu novo eurodeputado aderiu ao G/EFA, o atual mantém-se como não inscrito. Já o 50+ holandês (defensor dos reformados e dos idosos) fica, para já, aqui colocado, embora possa vir a integrar algum dos outros grupos políticos. Aqui colocamos também o independente croata Mislav Kolakušić, um juiz com uma agenda anticorrupção e futuro candidato presidencial.

Com o Brexit, sairá a representante do DUP, mas entrará mais um do Junts catalão, pelo que se manterão os 15 MEP não inscritos, cujo peso passará apenas de 2,0 para 2,1% do PE.

Contudo, se e quando este se confirmar, os NI duplicarão ou quase o número de lugares no Parlamento, com os 14 eurodeputados do M5S e, eventualmente, o do ZŽ, o que significaria que 3,9 a 4,0% do PE ficariam aqui.

Artigo de Jorge Martins, para esquerda.net

No próximo texto, continuaremos a análise dos resultados eleitorais dos grupos ecologista/regionalista e da esquerda representados no novo Parlamento Europeu, bem como da participação eleitoral.Rescaldo das Europeias (2): o novo Parlamento Europeu (I)

Sobre o/a autor(a)

Professor. Mestre em Geografia Humana e pós-graduado em Ciência Política. Aderente do Bloco de Esquerda em Coimbra
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